MINISTÉRIO DA PREVIDÉNCIA SOCIAL (MPS) COMISSÄO ECONOMICA PARA AMÉRICA LATINA E CARIBE (CEPAL) CONVÉNIO MPS/CEPAL -C/BRS/L„23 (voi» P) A PEETOEHCIA SOCIA! E A BETISÄO C0NS11TÜCI0NA1 DEBATES: VOLUME II Brasilia, 1994 w w , ^^ kfú b^u W ir w ^ W ? ifi(fj vy J W W % w X w Ss.y U < n> " \< , ^r wy ? w U " vy W wl ^ W l/sUj ir lyü <\rv? V L U if f é f f W W W W Infili L^/u i^n) Lyd jy> u y y v y u «5-y u » w w iiAjAj " LYU •^ï? é x X W liX^J w p 5 L US^J ^ i^f-j w W w r é f X LAAJ Iaaí ^ÜOy U^'J i^fii LA/u w Wa! ^ : vy " W Í W ^fa •i-y u ww <\y V m^j, is < . u , ^ 5 f XdoT1 "w^ V ¡M'A! IVA^ i (TY'k í> u U r V # ïï f -y U /> w .. - V y Yf? Y ! # tçr ^ ^ W ? r V y w <\rs St w rsAy-i , A^ w w _ _ A PREVIDÊNCIA SOCIAL E A REVISÄO CONSTITUCIONAL DEBATES: VOLUME II LC/BRS/L.23 Brasilia, 1994 MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL (MPS) COMISSÂO ECONÒMICA PARA AMÉRICA LATINA E C A R I B E (CEPAL) CONVÊNIO M P S / C E P A L A PREVIDÊNCIA SOCIAL E A REVISÄO CONSTITUCIONAL DEBATES: VOLUME II BRASILIA, 1994 ® 1994 - Convenio MPS/CEPAL É permitida a reprodugao total ou parcial desta obra, desde que citada a fonte. Tiragem: 1.000 exemplares Ed i gäo: Comissáo Económica para América Latina e Caribe (CEPAL) Escritório no Brasil SBS - Ed. BNDES, 17° andar 70076-900 - Brasilia - DF Tel: (061) 321-3232 Fax: (061) 321-4247 Telex: 61.1697 Distribuigáo: Ministério da Previdéncia Social Secretaria da Previdéncia Social Coordenagáo Geral de Estudos Previdenciários e Sócio-Económicos Esplanada dos Ministérios, Bloco F, 6 o andar, sala 646 70059-900 - Brasilia - DF Tel: (061) 317-5266 Fax: (061) 317-5408 Telex: 61.1805/1275 Impresso no Brasil/Printed in Brazil FICHA CATAL0CRÁFICA B823 Brasil. Miuistério da Previdéucia Social A Previdéucia Social e a Revisüo Coastitucioual. - Brasilia: CEPAL. Escritório uo Brasil. 1994. v.2. Debates. 318p. "Couvéuio MPS/CEPAL" 1. Previdéucia Social 2. Previdéucia Social-Fiuauciauieuto 3. Previdéucia Social-Refonua 4. Segurida'de Social 5. Saude I. Couiissäo Ecouöuiica para América Latiua e Caribe II. Título III. Debates CDD-368.4 SUMARIO PREFÁCIO APRESENTAÇÀO 7 9 PALESTRAS A PREVIDÊNCIA SOCIAL E A SEGURIDADE SOCIAL María Emilia Azevedo O CONCEITO DE SEGURIDADE SOCIAL NA CONSTITUIÇÂO DE 1988 Aloisio Teixeira A PREVIDÊNCIA SOCIAL E A REFORMA FISCAL Dércio Munhoz e Sérgio Werlang FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL Sulamis Daiit OS BENEFÍCIOS E A R E F O R M A DA PREVIDÊNCIA Helga Klug Doin Vieira PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA DENTRO DO SISTEMA D E PROTEÇÂO SOCIAL Sonia Draibe 11 33 63 101 129 145 A PREVIDÊNCIA SOCIAL E AS IMPLICAÇÔES DEMOGRÁFICAS Eduardo Rios AS EXPERIÊNCIAS CHILENA E ARGENTINA DE REFORMA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL Beatriz Azeredo OS FINANCIAMENTOS E BENEFICIOS PREVIDENCIÁRIOS Mário Alves A SEGURIDADE SOCIAL E A SAÚDE André Medici O FINANCIAMENTO E OS BENEFÍCIOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL NO B R A S I L Fernando Rezende e Lucival Costa 165 181 201 219 243 A PREVIDENCIA SOCIAL E O SERVIDOR PÚBLICO Hélio Portocarrero A PREVIDÉNCIA COMPLEMENTAR PÚBLICA E AS ENTIDADES FECHADAS Euclidei Antunes A PREVIDÉNCIA SOCIAL E OS DESAFIOS DA REV1SÀO CONSTITUCIONAL Rio Nogueira 271 289 303 A PREVIDÉNCIA SOCIAL E A REVISÀO CONSTITUCIONAL PREFACIO É com grande satisfarò que apresentamos ao público mais um livro da sèrie "A Previdència Social e a Revisáo Constitucional". Esta sèrie, elaborada na gestào do ex-Ministro Antònio Britto, è constituida de très partes - Debates, Levantamento Bibliográfico e Pesquisas -, cumpre a fundo de subsidiar o debate público sobre a reforma da Previdencia, notadamente, aquele realizado no àmbito do processo revisionai ora em curso. Na verdade, eia é a materializado de um trabalho que vem sendo desenvolvido de modo sistemático pelo Ministério da Previdència Social, em conjunto com a Comissáo Económica das Nagóes Unidas para América Latina e Caribe (CEPAL), que engloba a realizado de seminários, debates e pesquisas com renomados especialistas nacionais e estrangeiros, sobre as princiais causas da crise estrutural vivida pela Previdència Social, com vistas à sua identificado e superado. Ao realizar este trabalho, o Ministério da Previdència Social aproxima-se do universo académico brasileiro, buscando a formulado de políticas sociais mais eficientes e eficazes, além de colocar-se em sintonia com outros sistemas previdenciários do mundo inteiro, que também se encontram em processo de reestruturado. Nao temos dúvida de que todo esse esforzó, direcionado para a solugáo das questóes estruturais, nao elimina a necessidade de continuarmos a implementar novas metodologías gerenciais que reduzam o número de fraudes, agilizem a concessáo de beneficios e aumenterà a arrecadado, visando ao bem-estar dos cerca de 15 milhóes de aposentados e pensionistas e de 32 milhóes de segurados existentes no País. Com espirito de luta e muita confianza no futuro, reafirmamos a nossa crenqa na soludo dos problemas apontados, o que nos levará, sem dúvida, a urna Previdència Social mais justa e mais equilibrada. SÉRGIO CUTOLO DOS SANTOS MINISTRO DA PREVIDÈNCIA SOCIAL 7 A PREVIDÈNCIA SOCIAL E A REVISÀO CONSTITUCIONAL DEBATES: VOLUME II APRESENTACÁO Este é o segundo volume referente às palestras do Ciclo de Debates, promovido pelo Ministério da Previdència Social. Realizado para conhecer as opiniòes de especialistas e autoridades da área de Seguridade Social, identificou as necessárias e possíveis alteragòes constitucionais sobre o sistema previdenciário brasileiro. Nesse sentido, a publicado destas palestras pelo Convenio entre o Ministério e a Comissào Econòmica das Nagòes Unidas para América Latina e Caribe (CEPAL) deve-se ao fato de serem consideradas referéncia básica para a análise da Seguridade Social no Brasil, complementando os outros volumes já publicados, contendo pesquisas, seminários e levantamento bibliográfico. Este volume incluí quatorze palestras que abTangem várias questòes da Seguridade Social no Brasil e em outros países. Um primeiro conjunto aborda o tema do seu financiamento. Os Professores Fernando Rezende, Lucival Costa, Sulamis Dain, Dércio Munhoz e Sergio Werlang detalham, em suas respectivas palestras, as questòes da reforma fiscal, da identificado das fontes específicas para cada tipo de gasto em Seguridade, da progressividade do sistema tributàrio, do impacto da Previdència no déficit público, e, finalmente, o seu relacionamento com o Tesouro Nacional. Um outro conjunto de palestras inclui a gestáo de beneficios e prestado de servigos pela Seguridade Social. Especialistas com larga experiéncia como a Dra. Helga Klug Vieira e a Dra. Maria Emilia Azevedo, e os Professores Mário Alves, Sonia Draibe e André Medici apontam as dificuldades de gerir o complexo sistema brasileiro de Seguridade, que abrange desde a assistència e protegáo social básica, até o mais complexo atendimento de saúde. O terceiro grupo de palestras discute aspectos específicos do sistema de beneficios previdenciários e suas reformas. Os Professores Eduardo Rios e Hélio Portocarrero, bem como o Dr. Euclides Antunes, analisam as implicagòes demográficas, as demandas do funcionalismo 9 e a atuagào da previdencia complementar, tanto pública como privada. A Dra. Beatriz Azeredo apresenta as experièncias chilena e argentina de reforma da Previdència Social. O último conjunto levanta os aspectos constitucionais da Seguridade Social. O Prof. Aloisio Teixeira apresenta os objetivos da Constituido de 1988 nessa área e mostra a factibilidade de alcangá-los. Por outro lado, o Dr. Rio Nogueira alerta para os desafíos das reformas constitucionais na Previdència Social, tanto em sua complexidade jurídica, como no custeio da transido. Por último, cabe assinalar que as opiniòes, conceitos, propostas e sugestòes expressas nos diferentes estudos sáo de exclusiva responsabilidade de seus autores, nao refletindo, de nenhuma forma, a posigáo oficial do Ministério da Previdència Social ou da Comissáo Econòmica das Nagòes Unidas para América Latina e Caribe (CEPAL). Escritório no Brasil Comissáo Econòmica para América Latina e Caribe (CEPAL) Coordenado Geral de Estudos Previdenciários e Sócio-Económicos Ministério da Previdència Social A PREVIDÈNCIA SOCIAL E A REVISÀO CONSTITUCIONAL MARIA EMÍLIA AZEVEDO1' Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Dando inicio aos trabalhos, tenho o prazer de anunciar a presenta da Dra. Maria Emilia Azevedo, nossa conferencista de hoje. Trata-se de técnica do IPEA, ex-Secretária-Geral Adjunta do Ministério da Previdència Social e, atualmente, assessore do PSDB, na Cámara dos Deputados, na área de Previdència Social. Com a palavra, a Dr a Maria Emilia Azevedo. Maria Emilia Azevedo (Conferencista) - Agradecendo o convite para a minha participado e saudando a iniciativa do Ministério da Previdència Social na promogào deste Ciclo de Debates, preparatòrio para a revisáo constitucional, gostaria de registrar que, para mim, é um privilègio e um desafío estar aqui. O desafio consiste, basicamente, em tratar de tema táo ampio e complexo quanto apaixonante, de forma objetiva e centrada em seus aspectos relevantes e substantivos, no espago de tempo que disponho. Tentarci esclarecer alguns aspectos e suprir eventuais lacunas, no tempo reservado aos debates. Considerar nosso tema complexo nào é um privilègio, desvio ou vicio profissional. Os próprios constituintes, numa demonstragào clara do reconhecimento da complexidade do tema, produziram um capítulo dedicado à Seguridade Social que, a par das importantes inovagòes, reproduziram e até produziram dispositivos que nào deveriam constar de urna Constituigào ou, o que é mais grave, que, de certa forma, sáo contraditóríos entre si, pelo menos sob determinada ótica de interpretado. Nao acredito em nenhuma "solugáo técnica" ideal, pois a compatibilizado dos interesses envolvidos, muitas vezes confutantes, com os custos dos beneficios e servigos e, ainda, com a capacidade e forma de gerado de recursos da economia na qual o sistema se insere, é urna compatibilizado que, tenho a convicgào, só poderá ser encaminhada através do processo político. */ Palestra realizada em 18 de inar;o de 1993. 11 Existem diversas alternativas para um Sistema de Seguridade Social cuja viabilidade e eqüidade, que sâo questôes centrais em se tratando de Seguridade Social, sao faces de um mésmo problema e funçôes de urna definiçâo política da sociedade quanto aos objetivos a atingir, e quanto ao nivel e distribuiçâo dos ônus correspondentes. Como deve ser um Sistema de Seguridade Social público e compulsório? Quais os riscos que devem ser abrangidos? Quai o nivel de cobertura? Quem paga, quanto, e como? Quem se beneficia, e como? Estas e muitas outras sâo questôes básicas que nâo me parecem "idealmente" equacionadas, mas que tampouco podem ser analisadas de forma isolada, estanque, separadas do contexto social, político, económico e institucional em que se inserem. Trata-se de estabelecer os limites e formas de relacionamento entre Estado, individuos e sociedade que dependem do julgamento e da escala de valores - éticos, moráis e doutrinários - desta sociedade e-também, é claro, da eficácia dos mecanismos através dos quais estes valores se constituem em bases para as açôes efetivas do Estado. Considero importante relembrarmos, numa perspectiva histórica, mesmo que sintética, o processo evolutivo do conceito de seguro social para que as discussôes das questôes atuais, e possíveis alternativas de alteraçâo venham a se inserir dentro de urna ótica evolutiva, onde cada etapa procure o ajustamento e o aperfeiçoamento da etapa anterior. A noçâo de seguro/previdéncia é táo antiga quanto a humanidade. Bertrand Russel, em seu livro "Ética e Política na Sociedade Humana", dizia que a inteligéncia humana se manifesta em duas foimas principáis: previsáo e técnica. E completava dizendo que quando o homem primitivo, ñas brumas da pré-história, guardou um naco de carne para o dia seguirne, depois de saciar a fome, ai estava nascendo a previdéncia. A previdéncia simplesmente. Dai, para a previdéncia social, foi apenas urna questáo de técnica. Em termos formais, muitos situam o ponto de partida da Previdéncia Social em 1883, na Alemanha do Chanceler Bismark, pressionado por interesses políticos no sentido de apaziguar as demandas dos trabalhadores urbanos envolvidos no rápido processo de industrializaçâo pelo quai passava o país. A partir dai, surgiram, em vários países, sistemas de seguro social em bases profissionais, ou seja, restritos a determinadas categorías de trabalhadores, geralmente as mais formalizadas, e oferecendo beneficios proporcionáis às contribuiçôes. A evoluçâo da Previdéncia para a Seguridade Social parte da constataçâo de que necessidades e/ou contingéncias individuáis náo atendidas repercutem náo só sobre os individuos ou seu grupo familiar mais próximo, mas sobre todos os individuos da sociedade, dando força à necessidade de se evoluir de um seguro social restrito para um Sistema de Seguridade Social 12 mais ampio, envolvendo a integraçâo de seguro, beneficios e serviços sociais. Mais ainda, envolvendo a noçâo de universalidade da cobertura. A Seguridade Social tornou-se um elemento vital para o equilibrio sòcio-econòmico, ou seja, algo de essencial tanto para a ordem econòmica e manutençâo e reproduçâo da força de traballio, quanto para o funcionamento da sociedade, ñas sociedades/Estados modernos, independentemente de ideologías. Nâo foi à toa que a Carta da Filadélfia, num pais onde impera o capitalismo, ainda em 1944, proclamava que "A pobreza e a prevalência de riscos sociais em qualquer parte é perigosa à prosperidade e à segurança em toda parte". Também no Brasil, em resumo, a trajetória da Previdência Social, desde seus primeiros passos, na década de 20, implicou em mudanças profundas na sua concepçâo e natureza. Fragmentada no inicio, restrita às categorías profissionais mais organizadas, a Previdência aproximava-se da idéia de seguro privado. Dessa concepçâo, o sistema evoluiu na direçâo da unificaçâo e da universalizaçâo, assumindo encargos crescentes e diversificados, tornando cada vez mais ténues as relaçôes entre os beneficios concedidos e as contribuiçôes. A evoluçâo, aquí lembrada, da previdência de base profissionai para o àmbito de urna responsabilidade social, a mais abrangente possível, tem, no Brasil, seu ponto de inflexâo mais significativo na Constituiçâo de 1988. Sem dúvida, a grande possibilidade de transformaçâo do contrato de seguro para a segurança sem contrato, ou seja, da Previdência para a Seguridade Social, ocorre no modelo de proteçâo social inscrito na Constituiçâo de 1988. Com efeito, a inclusâo no texto constitucional de um capítulo sobre Seguridade Social, concebida de forma ¡novadora, tanto em termos de funçôes, quanto de objetivos e formas de financiamento, constitui-se em notável avanço no campo dos direitos sociais. A análise de sua definiçâo como um conjunto integrado dos direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social - e nâo a mera junçâo de très áreas sob um mesmo título e dos sete objetivos que deveriam nortear sua traduçâo concreta/detalhada, permite vislumbrar a possibilidade de se ordenar a política de Seguridade Social como instrumento efetivo de proteçâo social e, também, de enfrentamento e, mesmo, de correçâo ou atenuaçâo das imensas desigualdades sociais de nosso Pais. O principio da universalidade, além de colocar a Seguridade Social como um direito básico de cidadania e nâo mais como decorrente do exercício de urna atividade remunerada, rompe, em definitivo, com a concepçâo estreita da seguridade pública fundada numa relaçâo bilateral, de natureza contratual, para transformá-la num pacto coletivo em que todos se solidarizam na cobertura dos riscos, também coletivos. O financiamento dos programas é definido como um encargo da sociedade em seu conjunto e os riscos sâo cobertos nâo como mera contrapartida de contribuiçôes individuáis, mas como obrigaçôes assumidas pela seguridade pública enquanto instrumento de política social. 13 É o reconhecimento explícito da participado de todos no custeio da seguridade, ou seja, a participado dos nao contribuintes diretos, através dos encargos sociais repassados aos sistemas de presos e tributos gerais, legitimando o objetivo de universalidade - direito de cidadania -, o pacto coletivo . O principio da universalidade se tempera pela diretriz da seletividade e distributividade, significando a possibilidade de protedo prioritària aos grupos com menor renda e enfoque nos riscos sociais básicos - que é o que deveria determinar, especialmente, a nova face do sistema previdenciário brasileiro, dando-lhe o caráter redistributivista e progressista que a Constituido pretendeu estabelecer e que nao se concretizou plenamente, pelas próprias ambigüidades constitucionais e os desdobramentos na legislado que a regulamentou. Em coerència com o principio da universalidade, os principios de uniformidade e equivaléncia dos beneficios e servidos ás populagdes urbanas e rurais, e de eqüidade na forma de participado no custeio, pretenderam encaminhar, em definitivo, urna das principáis quest5es prevalecentes antes da Constituido, que era a da discriminado da protedo, refletida na exclusáo e no tratamento diferenciado dos diversos grupos sociais e categorías profissionais, especialmente entre os trabalhadores urbanos e rurais. O principio da eqüidade na forma de participado no custeio reforja o caráter de contrato coletivo, ou seja, garantido o atendimento das necessidades do cidadáo como a diretriz da seletividade e distributividade preconizam, sua contribuido também deverà basear-se na sua renda - capacidade contributiva - sem que isto implique, necessariamente, na concessáo futura de um beneficio de magnitude exatamente igual a eia. Isso é válido nos doís sentidos. Merece destaque, ainda, a irredutibilidade do valor dos beneficios como regra constitucional, e outro problema diagnosticado entre os principáis existentes antes da Constituido, que é o referente aos baixos valores dos beneficios. Se, por um lado, estes valores refletiam os baixos níveis salaríais que predominam na economia brasileira, estando, portanto, fora do ámbito/alcance da previdència, por outro, eram agravados pelo tratamento casuístico dado ás muitas variáveis que influem no seu cálculo e reajustamento, aviltando a maioria deles e tornando-os irrisórios frente aos riscos que, em principio, deveriam cobrir. Já a diversidade da base de financiamento, essencial para a estabilidade da receita da Seguridade Social e também para viabilizar a implementagáo dos dispositivos constitucionais nesta área, está expressa na introdudo de outras fontes de contribuido para a seguridade, especialmente as contribuigòes incidentes sobre o faturamento e o lucro das empresas. Finalmente, de fundamental importáncia e incorporando urna reivindicado justa e de direito dos contribuintes e beneficiários da Seguridade Social, garante-se a descentralizado político-administrativa com a participado de todos na gestáo do sistema, constituindo - no meu entendimento e naquele que é um dos meus poucos pontos de divergéncia com o Prof. Celso Barroso Leite - a melhor forma de se manter o sistema em permanente sintonia com os interesses e prioridades eleitos pela sociedade. 14 Tendo esta configuraçâo da Seguridade Social, dada pelos principios enunciados, como referência básica e também considerando - como o Prof. Celso Barroso Leite - que o texto constitucional deva ser sintético, contendo principios e normas substantivas, e que retirar alguns dispositivos do texto constitucional náo significa, necessariamente, a náo existéncia dos direitos na legislaçâo complementar - é que passarci a refletir sobre como a área de Previdéncia Social - que é a que nos interessa mais de petto nesta conversa - foi tratada no texto constitucional. Observe-se que esta área é onde as contradiçôes e ambigiiidades, que prevaleceram em algumas das principáis decisôes produzidas pela Constituinte, se fizeram mais presentes - no conjunto da Seguridade Social -, dificultando a implantaçâo de um sistema mais justo e desejável, económica e socialmente, antevisto na definiçâo inicial dos próprios objetivos constitucionais da Seguridade Social. A Previdéncia Social é tratada na Constituiçâo em dois artigos específicos, desdobrados em incisos e parágrafos, totalizando vinte dispositivos (art. 201, incisos I a V e §s I o a 8 o e, art. 202, incisos I a III e §s I o e 2 o ). O Seguro Social, sobretudo na forma de beneficios a aposentados e pensionistas é, históricamente, a funçâo primordial da Previdéncia Social, cuja origem remonta à necessidade de oferecer proteçâo ao trabalhador e sua familia em caso de perda, temporária ou definitiva, da capacidade de gerar renda. No Brasil, o extraordinàrio, e algo desordenado processo de expansáo do sistema previdenciário, resultou numa estrutura de Seguro Social complexa e abrangente que, ao longo do tempo, foi incorporando intimeras distorçôes. Em relaçâo ao plano de beneficios, entre as principáis questóes levantadas à época da Constituinte, pelo menos très se destacavam: a discriminaçâo da proteçâo, os baixos valores dos beneficios, e a falta de seletividade e de parámetros sociais mais rígidos, tanto nos planos quanto nos critérios de cálculo e concessâo dos beneficios, cuja expressâo mais grave era a concentraçâo de recursos no pagamento de aposentadorias precoces pressionando o custeio do sistema. A questáo da discriminaçâo fica bem encaminhada com as diretrizes de universalidade e de uniformidade e equivaléncia dos beneficios e serviços às populaçôes urbanas e rurais. Disposiçôes específicas do texto constitucional reforçam adequadamente estes principios, como, por exemplo: a definiçâo de Saúde como direito de todos e dever do Estado; e, na área de Assisténcia Social, a garantía de um salàrio-minimo de beneficio mensal aos deficientes e idosos carentes. Outros, como a possibilidade de qualquer pessoa participar dos beneficios da Previdéncia Social (art. 201, § I o ), e a extensáo da pensáo aos viúvos de mulheres seguradas (art. 201, V), apesar de corretos, nao deveriam estar no texto constitucional, mas sim na legislaçâo infra-constitucional. No entanto, fica mantida a distinçào de tratamento entre os sexos, permitindo à mulher se aposentar com tempo de serviço e idade inferiores aos exigidos para o homem. Também permanece a reduçâo do tempo de serviço exigido para aposentadoria em determinadas condiçôes 15 de exercício da atividade, ou de determinadas categorías profissionais como, por exemplo, a dos professores, sem que critérios técnicos e sociais justifiquem estas condigòes especiáis (art. 202). Além disso, sào dispositivos que, independente do julgamento de mérito, nao deveriam constar do texto constitucional. No tocante aos baixos valores dos beneficios, a Constituido, além da enunciado do principio de irredutibilidade dos seus valores, assegura, em dispositivos específicos e também impróprios para constarem do texto constitucional, a atualizagào monetària de todos os salários de contribuigào considerados no cálculo dos beneficios (art. 201, § 3 o ); a obrigatoriedade da manutengáo do valor real dos beneficios, mediante corredo permanente de seus valores (art. 201, § 2 o ); e a gratificado natalina com base nos proventos do mès de dezembro (art. 201, § 6 o ). A questáo da falta de seletividade e de critérios sociais mais rígidos - aqui entendendo que a seguridade, como instrumento da política social por exceléncia, deve concentrar recursos nos riscos básicos que podem provocar a perda de capacidade laborativa e gerar renda para os segurados e, nestes, e nos demais atendimentos, conceder prioridade à populado de baixa renda - é a que mais deixa a desejar. A Constituido de 1988 se, por um lado, determinou a corredo de algumas distorgoes, possibilitando a ampliagáo do atendimento a grupos mais carentes, por outro, preservou e até agravou outras. Entre os aspectos positivos estáo os dispositivos que prevéem a ajuda á manutengáo dos dependentes dos segurados de baixa renda (art. 201, II); inclusáo do seguro-desemprego no ámbito do seguro social (art. 201, IV); e, tal vez o mais importante, a garantía do piso de beneficios no valor de um salário-mínimo (art. 201, § 5 o ). No plano oposto, situa-se a controvertida questáo das aposentadorias por tempo de servigo que, mesmo náo tendo como requisito para sua concessáo, na maioria dos casos, a perda de capacidade laborativa é, geralmente, defendida como indispensável á protedo do trabalhador de baixa renda, sob o argumento de ser este trabalhador o que comega a trabalhar mais cedo e o que tem urna expectativa de vida menor. Além de mantida explícitamente na Constituigáo, aos 35 e 30 anos de servigo para homens e mulheres, respectivamente, introduziu-se a aposentadoria proporcional aos 25 anos de servigo para as mulheres e para os homens, aos 30 anos de servigo. Manteve-se, também, a possibilidade de redugáo do tempo de servigo exigido em fundo da atividade e, como já referido, a aposentadoria dos professores aos 30 e 25 anos de exercício de magistério, respectivamente, para homens e mulheres. A avaliagáo da aposentadoria por tempo de servigo, enquanto beneficio oferecido pelo plano de seguro compulsório e de natureza pública, p5e em destaque as questòes básicas de 16 justiga social e viabilidade financeira desse seguro, obviamente, levando em conta a base econòmica de nossa sociedade. Esta questáo destaca-se, frequentemente, ñas diversas propostas de alteragòes na Previdència Social, inclusive nas de privatizagáo. Há vários indicativos no sentido de que, se já è problemática hoje a manutengào da aposentadoria por tempo de servigo, sua preservagáo, na modalidade atual, implicará, a mèdio prazo, em custos difícilmente suportáveis. A aposentadoria por tempo de servigo é um beneficio que exige prova documental complexa, a cargo do segurado, o que sempre constituí fator difícultador, inclusive em decorrènda de determinantes culturáis, para o trabalhador menos qualificado. O trabalhador de baixa renda, normalmente, exerce grande parte de sua atividade no setor informal da economia ou, no máximo, em setores em que a rotatividade da máo-de-obra è alta e nos quais os registros nem sempre sáo adequados. Além disso, a carteira de traballio, quando existe, é utilizada como carteira de identidade e sujeita, em conseqüéncia, à perda e/ou deterioragáo. Assim, apesar de muitos desses trabalhadores terem efetivamente completado o tempo de servigo exigido e, até, terem sua capacidade laborativa comprometida em fungáo da atividade, a falta de documentos náo lhes dà acesso ao beneficio. Por outro lado, é comum encontrar aposentados por tempo de servigo que continuam trabalhando, com plena capacidade laborativa, especialmente nos segmentos de trabalhadores mais qualificados, recebendo, neste caso, um adicional aos seus salários, representado pela acumulagáo de rendimentos da aposentadoria. Adicionalmente, tendo em vista as inovagòes constitucionais e a desejável mudanga do padráo demográfico, com índices maiores de longevidade, especialmente nas faixas de rendas mais altas, é de se esperar que os encargos com os aposentados por tempo de servigo (65 % deles alcanga o beneficio antes dos 55 anos - idade onde a expectativa de sobrevida já é razoável) tendam a aumentar e a prolongar-se no tempo. Embora apenas 23,8% dos ¡nativos sejam aposentados por tempo de servigo, os gastos com este beneficio alcangam 52,6% do total dispendido com o conjunto das aposentadorias, constituindo-se no segmento mais oneroso do plano de beneficios. O seu valor mèdio é trés vezes superior ao das demais aposentadorias e superior ao valor mèdio dos salários dos trabalhadores em atividade. Num sistema de repartigáo simples como o nosso, ou seja, de transferencia e solidariedade entre geragòes, fica claro que a grande maioria da populagáo, que è pobre - mais de 70% das familias com rendimentos abaixo de 5 salários-mínimos - é que está pagando, de forma direta ou indireta, proporcional mente muito mais do que os que estáo se beneficiando e onerando o sistema. Também fica claro que nenhum sistema previdenciário conseguirá atender, convenientemente, á grande massa de seus segurados, se obrigado a conviver com vultosas despesas com beneficios náo essenciais sob a ótica do seguro social. Onerar ainda mais os contribuintes, ou reivindicar apenas maior participagáo de recursos fiscais - os contribuintes sáo 17 os mesmos - parecem solugòes cómodas, na retórica, mas de difícil consecugào, principalmente, enquanto nao forem racionalizados os gastos do sistema à luz dos objetivos sociais que devem caracterizá-lo. No entanto, as dificuldades políticas de se suprimir a aposentadoria por tempo de servilo, que se reforgaram nas discussóes da Constituinte, ainda estào presentes e difícilmente serào superadas. Um dos motivos está relacionado com o nivel de informado sobre a natureza, características e fundo social da Previdéncia/Seguridade Social, que é muito baixo. Estende-se ao seguro social urna nodo privatista do seguro comum, o que náo tem base jurídica nem atuarial/financeira. Este desconhecimento é agravado pela concepgáo paternalista e/ou abstrata do Estado, táo comum entre nós, que faz com que pessoas, até bem informadas, náo atentem para a origem finita e socialmente determinada dos recursos públicos. Assim, deixa de importar, ou importa pouco, quem paga o que se espera do Estado, porque o custo social dos recursos estatais é ignorado. Infelizmente, numa sociedade regressiva e injusta como, ainda é, a nossa, esta falta de informado vitima, de modo direto, a populado de baixa renda. Neste contexto, é difícil sequer ter a oportunidade de demonstrar que, o que, às vezes, aparenta ser urna conquista, conspira contra o interesse da grande maioria. Outra ordem de resisténcia a urna melhor caracterizado da Previdéncia Social - numa ótica coletivista e seletiva - está em que isto seria visto como prejuízo por setores de renda mèdia e alta dos trabalhadores que, efetivamente, sáo os que perderiam e que sáo os de maior capacidade de pressáo e vocalizado e, portante, aqueles que dáo sustentado política ao Estado. Tampouco podemos deixar de mencionar que a questào é realmente complexa, e implica conflito redistributivo no àmbito de urna classe de trabalhadores já sacrificada em diversos outros contextos. Será sempre mais còmodo - e, talvez, até verdadeiro - alegar que nào se deve fazer distribuido de renda entre assalariados e mais, sacrificando "direitos" dos trabalhadores. Será direito e justo, porém, o acesso a um beneficio, necessariamente, restrito à urna minoría mas pago pela maioria? Nào tenho urna resposta cristalina para estas questòes, mas penso que elas devam ser mais profundamente debatidas. Entendo também que, tentar fazè-lo no ámbito de um processo constituinte, é imprudente e impròprio. E um momento em que muitas questòes, das mais diversas ordens, estào envolvidas. Assim, melhor seria nào se mencionar, no texto constitucional, este tipo de beneficio, mesmo que se pudesse qualificá-lo, com exigència de idade minima, por exemplo, como alguns propòem. No nosso atual texto constitucional, urna soludo de prudència implicaría na supressào de todo o artigo 202, que detalha critérios de cálculo e condigòes para as aposentadorias, especialmente por idade e tempo de servilo - incluindo as especiáis. 18 A legislagáo complementar estaria em vigor até segunda ordem. Portanto, estaría assegurada a manutengào das regras até que deliberado posterior, em condigóes de tempo e profundidade necessárias, dispusessem, ou nao, em contràrio. Sabemos que o estudo de diversas alternativas em relagào a esse beneficio está sendo aprofundado sem que, necessariamente, isso implique na sua supressáo. Tenta-se conciliar a conveniéncia de manté-lo em favor do trabalhador de baixa renda, ao mesmo tempo em que se procura atenuar os seus efeitos negativos - sociais e financeiros. O ideal seria que se pudesse determinar a perda de capacidade laborativa e as condigóes adequadas para suprí-la, que nao dependessem diretamente de idade, tempo e até das condigóes de traballio, que variam muito em fungáo de qualificalo e, principalmente, da renda da populagáo, entre outros fatores sociais, económicos e até demográficos. Seria até bastante saudável se nao constassem do texto constitucional - que náo deveria ser táo mutante - determinantes que podem ser avahados e flexibilizados em fungáo de necessidades reais. A supressáo do art. 202 também retira do texto matérias que, por sua natureza, náo deveriam figurar ali. É o caso da determinagáo dos critérios de cálculo para as aposentadorias, incluindo o número de meses de contribuigáo sobre os quais deve ser calculado o beneficio. Aliás, em se tratando de beneficios previsíveis e, náo necessariamente, de riscos sociais que impliquem perda de capacidade laborativa, o critèrio da proporcionalidade contributiva garantidos os mínimos sociais - seria desejável e náo de todo incoerente no seguro social, que também pode ter esta característica - parcial - contanto que náo seja a prevalente. Ai, quanto maior o período considerado no cálculo, melhor. Aliás, neste sentido, considero adequado o caminho que a Constituigáo abre para a manutengáo do padráo de vida dos segurados de rendas maiores, através da criagáo do seguro complementar facultativo, custeado por contribuigóes adicionáis. Obviamente, a partir deste arcabougo, vários outros dispositivos da Constituigáo, correlatos á matèria aqui tratada, teriam que ser reavaliados e, também, poderiam implicar em mudangas, talvez até mais aprofundadas na legislagáo complementar. Repassando os pontos já abordados, nos dispositivos específicos da Previdéncia Social, manteríamos só o art. 201, com algumas modificagóes, inclusive de forma: 1) basicamente agregando no inciso I (que define os eventos a serem cobertos) a protegáo à maternidade (que está no inciso III, em separado) e retirando a referencia a acidentes do traballio; 2) os atuais incisos II (baixa renda) e IV (seguro-desemprego), bem como os §s 5 o (piso), 7 o (previdéncia complementar) e 8 o (veda a subvengáo) seriam mantidos e os demais remetidos á legislagáo complementar. 19 Só me inspira ainda, cuidados especiáis, a retirada do § 2° (reajustamente dos beneficios para manutengáo do valor real) que, apesar de repetido em relagào ao que já consta e que se propòe manter nos principios/objetivos da Seguridade Social (principio da irredutibilidade), configurou redundáncia incapaz de evitar o polèmico e triste episòdio dos 147% - ainda na memòria de todos - que, na verdade, reacendeu os debates e propostas em torno da viabilidade e eqüidade da Previdència/Seguridade social. Volto a lembrar, também, que todas estas questòes nào podem ou nào devem ser definidas de modo estanque. Se a Constituido como um todo nào mantiver coerència em seu texto, nào há porqué tentar fazè-lo específicamente na área social, sabidamente fragilizada. Finalmente, apesar de fora do meu tema de hoje, eu nào poderia deixar de aproveitar esses minutos fináis para pontuar, mesmo que rapidamente e sem maior profundidade, algumas questòes relativas ao financiamento da Seguridade Social, aquí tratado em outras palestras. Considero que, basicamente,, as reflexòes deveriam ter como parámetros os seguintes pontos: manutengáo da diversidade da base de financiamento, corrigindo e atenuando as atuais distorgòes, principalmente em relagào à, ainda forte, dependència da folha de salários e à exclusividade da folha de salários para a Seguridade Social, com a sua desoneragào de encargos outros, como as contribuigòes para terceiros - SESI, SENAI, SENAC, etc.; ampliagào das fontes e redefinido mais explícita da participado dos recursos ordinários da Uniào, Estados e Municipios; manutendo do financiamento global para a Seguridade Social e, portante, do pròprio conceito de Seguridade Social, introduzindo, talvez, urna especializado das fontes segundo sua "vocado", mas sem vinculado a urna só área; redefinido do custeio da Previdència Social, introduzindo o cálculo atuarial e a capitalizado, a partir de determinados valores, para os beneficios previsíveis; redefinido do papel das diversas esferas de governo nos encargos e redefinido dos próprios encargos; adequado da forma do texto constitucional - basicamente, retirar os §s 3 o (débitos x incentivos fiscais), 7 o (entidades beneficientes) e 8 o (segurados especiáis) por tratarem de matérias mais apropriadas à legislado ordinària. Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Agradego a brilhante e sintética exposigào feita pela Dra Maria Emilia. Gostaria de assinalar a unanimidade existente entre todos os palestrantes, até o momento, quanto à necessidade de um texto constitucional mais sintético. É necessàrio retirar do texto constitucional aquilo que deveria, com mais propriedade, constar 20 de regulamento ou de lei ordinària. Eu diria também, utilizando o jargào futebolistico, que o jogo está dois a dois, porque o Prof. Celso Barroso Leite e o Dr. Wladimir Martínez defenderam, em suas exposigòes, urna postura favorável à volta do conceito tradicional de Seguro, com seu caráter contributivo e contratual, enquanto que, por outro lado, o Dr. Wagner Balera e, hoje, a Dra Maria Emilia Azevedo, reforgaram a necessidade de se caminhar no sentido da impiantalo efetiva do conceito de Seguridade Social. Aliás, a Dra Maria Emilia, de maneira bastante sintética e concisa, resumiu a problemática do conflito entre Seguro e Seguridade, e assinalou a importància dos principios contidos no artigo 194 para o desenho do modelo de Seguridade Social. A Dra Maria Emilia também manifestou reservas em relagáo à manutengào da aposentadoria por tempo de servilo, embora reconhecendo as dificuldades políticas de se efetuar urna transigào para outro modelo. Reiniciaremos os trabalhos franqueando a palavra à platéia, para que aqueles que assim o desejarem possam fazer perguntas à conferencista. Adinaldo Luiz Martins - Trabalho na Coordenado Geral de Estudos Previdenciários e Sócio-Económicos deste Ministério. Tenho menos de dois anos de Previdéncia mas, nesse pouco tempo, urna das minhas maiores preocupagoes tem sido sempre a aposentadoria por tempo de servigo. Como tenho formagáo em Economía, preocupo-me mais com a questáo económicofinanceira, embora náo desconhega a importáncia da questáo social, mas, enfim, preocupo-me mais com o financiamento e equilibrio financeiro do sistema. O custo de urna aposentadoria por tempo de servigo, segundo informagòes fornecidas pelo Dr. Francisco de Oliveira, é de 50% do valor da contribuigáo. Como a Dra Maria Emilia muito bem observou, existe urna resisténcia muito grande a qualquer mudanga neste sentido, dentro do Congresso. No entanto, existem outros problemas na Previdéncia, graves, crónicos, e náo se sabe até quando as geragóes futuras estaráo dispostas a sustentar este tipo de beneficio. A minha geragáo, por exemplo, de urna hora para outra, pode comegar a se rebelar, como, aliás já está acontecendo. As pessoas náo querem contribuir, porque náo acreditam mais no sistema. Provavelmente, este deverà ser um dos temas mais polémicos no Congresso. Gostaria que a senhora contentasse sobre isso. Obligado e parabéns pela sua exposigáo. Maria Emilia Azevedo (Conferencista) - A questáo da aposentadoria por tempo de servigo, realmente, é um tema quase que inesgotável, por causa das controvérsias que ele encerra. Essa estimativa de custos citada, independentemente da precisáo matemática, dá urna dimensáo do problema. Com a introdugáo da aposentadoria proporcional às mulheres e, em alguns casos, de aposentadorias instituidas por legislagáo especial (professoras, por exemplo), pode-se ter pessoas aposentadas com vinte e cinco anos de trabalho. Ai, encontramos aposentados com idade em torno de quarenta anos. Geralmente, sáo trabalhadores mais qualificados, de estratos mais altos de renda, com melhores condigóes de vida e que, conseqüentemente, tém urna expectativa de sobrevida maior, que é o que realmente importa no caso da aposentadoria por tempo de servigo. Costuma-se dizer que, no Brasil, quem sobrevive 21 à mortalidade infantil, tem urna expectativa de sobrevida muito próxima à encontrada em países mais desenvolvidos. Nesses casos, o tempo de durato do beneficio se aproxima muito do tempo de contribuito, quando nao o supera. Observe-se que a contribuito è de urna pequeña parcela do salàrio - de no máximo 10% - respeitado o teto, e o valor do beneficio, teoricamente, repóe o salàrio. Nesse caso, náo há cálculo atuarial com taxas de capitalizado, embutidos os juros, que resista a qualquer avaliagào. Concordo que é um beneficio que pòe em risco a credibilidade do sistema. Obviamente, na avaliagáo social desse beneficio, vários outros fatores tém que ser considerados num contexto mais ampio. Fatores que tém relato com o mercado de traballio, com a perda de capacidade laborátiva em funto do tempo de atividade e, até, com o papel que, às vezes, o seguro social deve assumir, de compensar distorgóes económicas e sociais. Se, no curto prazo, for impossível retirar do elenco do seguro social o beneficio da aposentadoria por tempo de servido, devem ser consideradas alternativas que atenuem seu custo social e econòmico, pelo menos num período de transito. Aguarda-se que as outras condigóes sociais, como um todo, melhorem, para que a sua retirada efetiva ocorra sem maiores prejuízos. Finalmente, gostaría de observar que náo é o Congresso que resiste às mudanzas. O Congresso é urna expressáo da sociedade. O segmento social que tem voz e poder de pressáo é que se opòe a essas alteragòes e pressiona os seus representantes no Congresso, que iráo referendar ou nao essas modificares. Celecino de Carvalho Filho - É claro que eu gostaría de ouví-la mais, porque, obviamente, vocé tem muito mais para nos informar, dentro desse lúcido quadro de harmonía e de consisténcia que foi a sua expósito, e que nos ajudou muito no esclarecimento de algumas dúvidas. Específicamente em relagào à aposentadoria por tempo de servilo, nós, do Ministério, estudamos esta questào e chegamos exatamente a esse diagnóstico. Nesse meu tempo no Ministério da Previdència, tive discussòes enormes com sindicatos, sindicatos patronais, trabalhadores, aposentados, etc., e constatei que havia urna r e a t o muito forte quando se falava em acabar com a aposentadoria por tempo de servido. Já vínhamos trabalhando em cima de urna sèrie de alternativas. Chegou-se até a propor um limite de idade para a obtento da aposentadoria por tempo de servilo. Há inclusive urna proposta que defendo, com excelente receptividade junto aos trabalhadores, aposentados e patròes, para transformar a aposentadoria por tempo de servilo em aposentadoria por tempo de contribuito, para respeitar aqueles que, por necessidade de sobrevivència, comegaram a trabalhar muito cedo. Se fosse imposto um limite de idade, essas pessoas acabariam pagando muito mais do que os outros. Essa proposta me veio à luz, há uns quatro anos atrás, num Seminàrio Internacional. Na ocasiào, um especialista da OIT apresentou urna informato que me pareceu muito interessante, baseada em parámetros demográficos europeus. 22 Ele disse mais ou menos o seguinte: com 35 anos de contribuigáo, o pagamento desse beneficio geraria um déficit da ordem de 50%; com 40 anos de contribuigáo, o déficit seria de 20%; e, com 45 anos, haveria um empate entre contribuido e despesas com o pagamento do beneficio. A tradugao é que o cidadao de lá precisaría contribuir durante 45 anos para fazer uso do beneficio, tendo em vista a sua expectativa de vida após a aposentadoria. Venho tentando conseguir esse trabalho, para adequá-lo á nossa realidade e ver se esses parámetros também seriam os nossos. Acho que náo, os percentuais talvez fossem só um pouco menores, dado o tempo em que o cidadao usufrui do beneficio, já que, no Brasil, a sobrevida, a partir de certas idades, é praticamente igual ou próxima a dos países desenvolvidos. Porque se usa muito dizer que a expectativa média de vida do brasileiro, ao nascer, é muito baixa, empatando com o limite de idade exigido para a aposentadoria por velhice. Acontece que só se usa essa informado e, para a análise da questáo previdenciária, ela é inadequada. Com base ñas reclamagoes dos trabalhadores que precisam comegar a trabalhar muito cedo e que ficam desempregados na faixa dos 40 anos, principalmente aqueles sem especializado, e na estrutura do mercado de trabalho, venho propondo, ao longo desses últimos quatro anos, que a aposentadoria por tempo de servido seja transformada em aposentadoria por tempo de contribuido. Para elucidá-la, costumo propor o seguinte exemplo: vamos supor que no Brasil, o tempo ideal de contribuido seja de 40 anos e que se comece a contribuir aos 14. Contribuindo-se, efetivamente, durante 40 anos, pode-se aposentar aos 54 anos. Isso, aliado ao seguro-desemprego que, para mim, é um auxílio-desemprego, ou seja, é um importante instrumento previdenciário. Ele poderia ser calculado como se fosse um beneficio previdenciário, o que, na realidade, ele é, atualmente. Assim, ao invés de manter-se a aposentadoria por tempo de servigo, como urna espécie de auxílio-desemprego, seria melhor ampliar, como se fosse um beneficio previdenciário, o seguro-desemprego. Como essa questáo da aposentadoria por tempo de servigo se insere num contexto mais ampio, gostaria de ouví-la sobre outros regimes de beneficio que também precisam ser adequados. Nos últimos 7 anos, tenho sentido muita dificuldade, como representante do Ministério, de enfrentar auditórios que reclamam por urna Previdéncia ajustada a principios mais adequados, enquanto, do nosso lado, temos os estatutários com beneficios integráis, os juízes com beneficios integráis mais as vantagens de seu cargo, e os parlamentares e militares também. Veja como fica urna tentativa de reforma na nossa previdéncia, que sabidamente é a mais pobre e a que menos protege os segurados, se comparada a estas outras previdéncias especiáis. Gostaria que fossem discutidos os acidentes de trabalho. Sei que vocé falou que esta questáo tem que ser tratada em outro lugar, mas gostaria de ouvir algo a respeito, porque julgo que é um item da maior importancia. 23 Em relagáo ao tópico específico do 2 o parágrafo do artigo 201, concordo que se deva ficar só nos principios. O problema nao está na Constituido, mas na cabera dos administradores. Quanto á exaustáo das fontes, será que é verdadeira ou urna mera decorréncia da política económica? Caso se deixe de contar com a folha de salários e a Contribuido sobre o Lucro e se passe para um Imposto sobre Valor Agregado ou algo parecido, náo se continua trabalhando na mesma economía, já exaurida pelos mesmos motivos? María Emilia Azevedo (Conferencista) - Confirmando minha expectativa inicial, os debates estáo enriquecendo em muito a nossa reuniáo. Gostaria de registrar que as reflexóes aqui apresentadas reproduzem avaliagóes, discussóes e até documentos de cuja elaborado tive oportunidade de participar no Ministério da Previdéncia, inclusive com esse grupo que aqui está presente. Em relado á aposentadoria por tempo de servigo, lembro-me das discussóes que tínhamos em torno de diversas outras alternativas, como a de limitar valor, condicionar idade, mas isentar tanto da idade, quanto do corte no valor, beneficios até determinadas faixas salaríais, etc.. Náo quis entrar na avaliagáo de alternativas, embora saiba que, seguramente, existem muitas, com diversos graus de eqüidade - ou náo - que estáo sendo levantadas e que merecem ser discutidas. Se ficarmos nesse tema, como já disse, náo sairemos dele. A sua proposta de transformar a aposentadoria por tempo de servigo em aposentadoria por tempo de contribuigáo, em principio, se é tempo de contribuigáo, deveria haver proporcionalidade direta entre contribuigáo e beneficio. Se isso for verdadeiro, náo vejo problema desse beneficio constar do seguro social, mas com regras de capitalizagáo individuáis. O seguro social teria alguns beneficios proporcionáis á contribuigáo, cobrindo riscos previsíveis. Só que, nesses casos, caracterizá-los como seguro privado, ou integrá-los á previdéncia complementar, seria muito mais apropriado. Quando menciona a questáo dos quarenta e cinco anos de contribuigáo, que se equipararían! ao custo do beneficio no caso dos países mais desenvolvidos, e ressalta que quer verificar sua aplicabilidade no Brasil, inclusive em relado á expectativa de vida, considero importante ter em mente os padróes de salários que essas pessoas tém e sobre os quais elas contribuem, bem como o padráo de beneficios. Normalmente, o que encontramos na legislagáo internacional é a desproporcionalidade dos beneficios do seguro social com a renda percebida pelos trabalhadores em atividade. No cálculo do valor do beneficio, sáo consideradas variáveis que podem ser abatidas, tais como custos de impostos - onde há isengáo para ¡nativos - custos de transportes, de vestuário para o trabalho, etc., que determinam urna outra igualdade/proporcionalidade entre o salário do ativo e o beneficio do ¡nativo. Nessa avaliagáo, seria importante levar isso em consideragáo. De qualquer forma, os critérios de proporcionalidade e de capitalizagáo sáo mais adequados aos beneficios da previdéncia complementar e/ou do seguro privado. Quanto ao seguro-desemprego, suas observagóes sáo bastante pertinentes quanto á necessidade de aperfeigoá-lo. Talvez seja o caminho para manter algumas das possíveis 24 qualidades da aposentadoria por tempo de servilo sem ter que, necessariamente, conviver com os seus atuais defeitos. Em relagáo aos outros regimes previdenciários, de estatutários, magistrados, parlamentares, etc., apesar de nào ter abordado específicamente esses pontos, procurei ressalvar que, a partir do arcabougo de minhas observares, vários outros dispositivos constitucionais, de matérias correlatas, deveriam ser ajustados dentro dos mesmos principios de equanimidade, redistributìvidade e universalidade. Nào tenho a menor dúvida de que todos os regimes citados constituem fatores adicionáis complicadores, dificultando um encaminhamento mais favorável das distorgóes presentes na seguridade social. O caminho seria urna seguridade básica unificada, que valesse para todos, e o de se garantir, efetivamente, a possibilidade da previdéncia complementar. Enfim, os principios seriam os mesmos para todos os trabalhadores. A questáo do acídente de traballio - ai partilho da opiniáo do Professor Celso Barroso Leite que, infelizmente, náo foi por ele abordada quando da sua apresen tagào - é bastante sèria. Envolve, entre outros, aspectos relacionados à proteggo do trabalho, á legislagáo trabalhista e às condigdes de trabalho. Nào considero essa urna questào pròpria da Previdencia Social. A Previdéncia, o Seguro social, tem como fungào primordial proteger os riscos sociais e náo as causas dos riscos. Deve proteger a perda da capacidade laborativa e de gerar renda. Deve, também, proteger os dependentes do trabalhador que morre, independentemente da causa da morte. Na nossa tradigáo, além da protegáo ao acídente do trabalho integrar o elenco de beneficios da Previdéncia Social, recebe um tratamento diferente, mais favorável que os demais beneficios, principalmente em relagáo aos valores que, ressalvado o teto, geralmente corresponden! ao salàrio do dia do acídente. A primeira vez que ouvi esse questionamento, por parte do Prof. Celso ele recorreu ao seguinte exemplo: "Imaginem um domingo de sol, no Rio de Janeiro. Na praia, dois trabalhadores, exatamente com a mesma idade, o mesmo nivel/padráo de vida, o mesmo número de dependentes e o mesmo salàrio. Só que um está trabalhando como salva-vidas e o outro está aproveitando o seu dia de folga. Este último vai ao mar, comega a afogar-se e o outro tenta salvá-lo. Morrem os dois. A vida do que morreu em servigo passa a valer mais. O valor da pensáo por morte decorrente do acídente no trabalho è maior do que o valor da outra pensáo. Os seus filhos ficaráo melhor protegidos do que os do outro trabalhador". Por qué? Isso nào é fungáo da Previdéncia Social. É fungáo da legislagáo trabalhista, dos mecanismos de protegáo coletiva do trabalho, das condigóes de trabalho, etc.. Os riscos do trabalho existem, devem ser prevenidos, evitados e até compensados, mas náo pela Previdéncia Social. Esse é, basicamente, um dos questionamentos, mas a matèria è muito mais vasta e complexa. A exaustáo das fontes de financiamento, certamente, está relacionada com a base econòmica, com a política económica. E, com os resultados dessa política, náo só os conjunturais, mas também, os estruturais. A renuncia fiscal, via incentivos, via diversas formas de créditos, resulta numa redugáo significativa dos recursos potenciáis. Diz-se que a carga contributiva neste País é alta. A carga contributiva bruta pode até ser. Já a líquida, é bastante questionável que o seja. Existem inúmeras distorgóes. Náo temos a pretensáo de corrigir todas, especialmente no curto prazo e, de qualquer forma, para conviver com essas distorgóes, é 25 preciso expandir as fontes de financiamento da Seguridade Social. Nao significa, necessariamente, urna mudanza de bases de incidéncia das contribuigSes. Defendi este assunto, apesar de reconhecer que a folha de salários, a COF1NS e a Contribuigáo sobre o Lucro apresentam problemas, inclusive legáis. Pode-se atenuar algumas distorgSes, introduzir novas bases e/ou fontes de financiamento sem, necessariamente, substituir integralmente as atuais. A ampliagáo de recursos é fundamental, principalmente em fungáo das carencias das áreas de Saúde e Assistència Social. Está claro para todos que a área de Assistència Social ainda náo foi regulamentada, entre outras raz5es, em decorrènda da insuficiència financeira. Urna das principáis dificuldades é garantir recursos para o pagamento do beneficio no valor de um saláriomínimo a idosos e deficientes carentes, como prevé o texto constitucional. Náo existem recursos. Regina Malvar - A partir da definigáo de seguro social, ele deve garantir urna renda, na eventualidade de ocorréncia de determinada situagáo que cause a perda temporária ou definitiva da capacidade de trabalho do segurado. Logo, por que o seguro social deve ocupar-se da concessáo de um beneficio chamado salário-família? Será que esse beneficio é urna questáo trabalhista e, neste caso, deveria ser tratada de forma diferenciada? A segunda questáo seria a sua opiniáo sobre o que o novo texto constitucional pode fazer para tratar dos trabalhadores rurais? Porque a situagáo anterior á Constituigáo fez com que as demandas fossem táo grandes que agora, com a legislagáo pós-Constituigáo, acabamos por fazer uma discriminagáo ás avessas. Os trabalhadores rurais estáo sendo tratados, em alguns aspectos, de forma privilegiada em relagáo aos seus pares urbanos. Entáo, o que o legislador constituinte pode fazer para alterar esta situagáo? E até que ponto a Previdéncia Social, enquanto seguro, deve ocupar-se da concessáo de um beneficio que tem quase um caráter assistencial, que é concedido principalmente para esses segurados especiáis? Finalmente, gostaria de levantar uma questáo relacionada com a Assistència Social. Estamos um pouco decepcionados, porque o texto constitucional foi muito benevolente em sua definigáo de Assistència Social. O que é Assistència Social? É protegáo à familia, ao adolescente, á crianga e à velhice. Isso è praticamente um direito á vida. Apesar dessa benevolència, náo se conseguiu regulamentar, a nivel de legislagáo ordinària, nenhum dos dispositivos relativos á Assistència Social. Os únicos avangos obtidos foram em relagáo à legislagáo da Previdéncia Social, onde se colocou a renda mensal vitalicia, o auxílio-natalidade e o auxilio-funeral. Até que ponto devemos continuar com este tipo de disposigáo de ampliar os beneficios, ou será que náo deveríamos tentar ser um pouquinho mais restritos mas, pelo menos, conseguir fazer alguma coisa nessa área da Seguridade Social? María Emilia Azevedo (Conferencista) - Sem dúvida, frente à fungáo básica do seguro social, em termos de cobertura da perda de capacidade laborativa, o salário-família, como hoje concebido, é bastante questionável. Esta questáo está entre os dispositivos que mereceriam ser ajustados. Caberia até a concessáo de algum beneficio desse tipo, com outra denominagáo, no ítem "Ajuda à manutengáo dos dependentes dos segurados de baixa renda". Além dos beneficios essenciais, seriam mantidos beneficios complementares á renda, só que com critérios seletivos e redistributivos, sem descaracterizar o seguro social. O que é descabido é manter este tipo de 26 beneficio de forma unlversalizada. Os beneficios considerados possfveis e até desejáveis de serem mantidos devem ser rigorosamente seletivos. O salário-família está previsto entre os direitos dos trabalhadores, mas é, tradicionalmente, incluido na Previdéncia Social. Inicialmente, era só urna questáo de racionalidade e facilidade administrativa. Criou-se a contribuido dos empregadores para o salário-família e, como eia também incidía sobre a folha de salários, a Previdéncia arrecadava e administrava o fundo de compensado do beneficio. O pagamento do beneficio era feito diretamente pelo empregador, que deduzia de suas contribuigòes a despesa efetuada. Era, enfim, um encargo do empregador que, em fundo de um mecanismo operacional, acabou se transformando num encargo da Previdéncia Social. Náo resta dúvida que esses e muitos outros beneficios deveriam sair do elenco do Seguro Social unlversalizado, passando a ser concedidos, se fosse o caso, a partir de critérios seletivos, com o objetivo de ajudar a manutendo dos dependentes de segurados de baixa renda e/ou cobrir despesas com eventos específicos (funeral, etc.) que náo pudessem ser assumidos por trabalhadores de rendas mais baixas. Essas questòes estáo muito ligadas á área de Assisténcia Social. Na época em que foi regulamentada a Constituido, inclusive, esperava-se que náo só o salário-família, com outra denominado (por exemplo: abono-familia), como o auxilio-funeral, o auxílio-natalidade e os demais beneficios considerados suplementares, e náo substitutos de renda, pudessem passar para a área de Assisténcia Social, onde a definido dos seus beneficiários guardasse urna coeréncia maior com as necessidades reais, e eles fossem definidos e concedidos de forma descentralizada, com maior participado e controle social a nivel municipal. A questáo dos trabalhadores rurais é sèria e de difícil equacionamento, principalmente levando em considerado as condigoes de atividade, da relado de traballio e até de percepdo de renda no meio rural, que nem sempre ocorrem de forma continua, mensal, possibilitando urna contribuido direta regular. A contribuido dos produtores rurais em regime de economia familiar é definida como indireta no texto constitucional. É absolutamente impròprio esta definido constar do texto constitucional. Já a definido de seus beneficios, a garantía de um piso mínimo, náo pode ser considerada como urna discriminado ás avessas. Eia está baseada no principio da eqüidade, de tratamento diferenciado para pessoas diferentes. A definid 0 do produtor, desse segurado especial, a sua caracterizado, o controle e a fiscalizado da sua contribuido precisam ser aperfei?oados. Existem muitas distonjòes no tratamento desses segurados. Mas o salàrio-minimo é o piso válido para todo mundo. É o piso válido também para os trabalhadores urbanos que, normalmente, tém mais possibilidade de estarem contribuindo todo més para a Previdéncia. E é garantido na Assisténcia Social, a idosos e deficientes, sem nenhuma carencia ou contribuido. De qualquer forma, esse segurado especial, que trabalha em regime de economia familiar, contribuí sobre a comercializado da sua produgáo, ou de outras formas indiretas. Mas, sem dúvida, é urna questáo que precisa ser melhor equacionada dentro do seguro social, sem transferí-la para a área assistencial. A inserdo dos trabalhadores rurais no seguro social geral foi urna evoludo no sentido de se enfrentar a discriminado até entáo existente entre trabalhadores urbanos e rurais. Discriminado que o processo histórico mostra: os grupos de maior pressáo, de maior poder econòmico sáo incluidos no sistema e os que náo tém esse poder, o que, normalmente, é urna característica da classe trabalhadora rural, sáo excluidos. 27 A respeito da definito constitucional de Assistència Social, esta é ampia, complexa e muito benevolente. A sua regulamentagáo esbarra em dois pontos básicos: na insuficiència de recursos para cobertura dos encargos previstos, especialmente em relagáo ao beneficio de um salàrio-minimo para idosos e deficientes carentes; e na diretriz básica da descentralizado. Pelo texto constitucional, á esfera federal caberia, simplesmente, a coordenado e formulado das políticas da área. A coordenado e execudo das agóes passaria para o nivel estadual e, principalmente, para o municipal. Só que, atualmente, existem estruturas enormes na esfera federal, como a LBA - que tem mais de dez mil funcionários - na execudo das agóes. Náo tem o menor sentido a distribuido de alimentos, a manuten d o de creches, etc., a nivel federal. Mas a estrutura é fortissima, náo só em termos da burocracia mas, principalmente, em termos políticos. Com todo o arcabougo constitucional, ainda muito recentemente, havia a figura da primeira-dama como Presidente da LBA, com a permanéncia da política de voluntarismo, de distribuido de favores e de clientelismo. A questáo política è um dos maiores impedimentos á regulamentagáo da Assistència Social. Para obedecer aos principios constitucionais, náo podería haver nenhum órgáo executando agóes típicas da Assistència Social a nivel federal. E existem vários: LBA, CORDE, CBIA, etc., com um poder político clientelista muito grande, com mecanismos de cooptagáo política através de distribuigáo de verbas para habitagáo, saneamento, etc., dentro da área de Assistència Social. Sandra Almelda - Minhas dúvidas sao decorrentes, de certa forma, das questóes levantadas por Regina Malvar. Gostaria de reforgar a pergunta final déla com um ponto que a Dra Maria Emilia náo abordou. Um beneficio de Assistència Social precisa ter o mesmo valor de um beneficio que integra um plano contributivo? Por exemplo, a Constituigáo, na parte relativa à Assistència Social, garante um salário-mínimo de beneficio mensal ás pessoas deficientes e aos idosos carentes. A Previdència já paga um beneficio aos idosos, desde que eles contribuam, e o valor è o mesmo. Este valor mínimo de beneficio náo inviabiliza a pròpria efetividade do dispositivo constitucional que diz que a Previdència tem um caráter de seguro coletivo, e que a Assistència Social è distributiva e assistencial? Este valor de beneficio è elevado, principalmente diante das dificuldades dos estados brasileiros de arrecadar recursos num montante suficiente para pagar quantos deficientes e idosos carentes existirem no país. A segunda pergunta diz respeito ao fluxo de caixa da Previdència. A Dra Maria Emilia mencionou concordar com urna certa priorizagáo na alocagáo dos recursos como, por exemplo, a utilizagáo dos recursos provenientes da folha de salários para pagamento prioritàrio dos beneficios. Tive a oportunidade de constatar que isso náo era nenhuma questáo a ser discutida porque, na pràtica, eia já vinha ocorrendo. Verificados os resultados do fluxo de caixa de margo, constata-se que a Previdència arrecadou, com base na folha de salários, trinta trilhòes e pagou beneficios previdenciários da ordem de trinta trilhòes. Dois trilhòes e quatrocentos bilhóes sáo adicionáis, sáo despesas com o pagamento dos 147% e com demandas judiciais. Atingimos o limite, quando a expectativa era a de que se poderia ficar transferindo urna parcela da contribuigáo arrecadada sobre a folha de salários para a área de Saúde. Atualmente, chegou-se a um ponto em que nem se questiona mais isso. Sáo necessárias, certamente, reformas urgentes. É importante apresentar esta conta á sociedade e, ai justificar mais ainda a revisáo do elenco de beneficios pagos pela Previdència Social, inclusive o da aposentadoria por tempo de servigo. No 28 caso da aposentadoria por tempo de servilo, permito-me discordar do Celerino de Carvalho Filho. Ele propòe, como alternativa, a aposentadoria por tempo de contribuid0- Tomando como referéncia o conceito que a Maria Emilia Azevedo apontou do que deve ser Seguro Social, o tempo de contribuido nada tem a ver com o risco social. Nesse aspecto, deve-se privilegiar os riscos sociais básicos. Tempo de contribuido nào significa perda parcial ou piena da capacidade laborativa. Porque è provável que as pessoas possam comegar a contribuir até pelos filhos, a partir dos quatorze anos. María Emilia Azevedo (Conferencista) - Náo vou conseguir fugir da questáo dos trabalhadores rurais, tampouco da questáo da Assisténcia Social. Em relado aos trabalhadores rurais, a principio, o valor do beneficio mínimo pago a eles deve ser o mesmo que o dos urbanos. Esse valor é o piso de um salário-mínimo. Resta a dúvida se realmente esse piso de um salário-mínimo deve ser bruto ou líquido, considerando, no mínimo, a contribuido previdenciária descontada dos trabalhadores em atividade. O ativo nao recebe o salário-mínimo bruto. Ele recebe 92% do salário-mínimo, descontada a contribuido mínima para a Previdéncia - que é de 8%. Entáo, esse já seria um desconto passível e até justificável de repasse para o piso. Outros também poderiam ser considerados nos beneficios assistenciais. No caso da Assisténcia Social, náo havendo contribuid 0 , s e ° salário-mínimo fosse definido de forma a cobrir todas aquelas necessidades que a Constituido prevé, como transporte, vestuário, moradia, etc., poder-se-ia partir, como é o padráo internacional, para a definid 0 de urna outra cesta para o inativo que, efetivamente, náo abrangesse esses custos e que correspondesse ao salàrio-minimo do inativo, principalmente porque, em se tratando de beneficio assistencial, náo houve a exigéncia de urna contribuid0 direta para a Previdéncia. Mas hoje e por muito tempo - no horizonte de curto e mèdio prazos, no mínimo - náo se pode considerar que o nosso salário-mínimo, de valor muito irrisòrio, garanta a sobrevivencia de alguém. Como ele nao está garantendo nem a sobrevivéncia, náo é possível fazer distindo entre a sobrevivéncia do ativo, a do contribuirne, a do inativo e do carente. De qualquer forma, mesmo nessas condigòes, talvez pudéssemos utilizar urna terminologia na Constituid0 que náo impedisse, frente a urna evoludo de outras variáveis, urna adequado maior, mais justa, entre pisos de beneficios previdenciários e assistenciais. Por enquanto, náo tenho muitos pruridos em continuar defendendo esse piso para todos, especialmente para os trabalhadores rurais que, no caso, náo sáo contribuintes diretos. Apesar de a pròpria Previdéncia prever contribuido - planos de beneficios mediante contribuid 0 também é definido ofinanciamentomediante contribuido da sociedade como um todo, de forma direta ou indireta. Os trabalhadores rurais náo só tém a contribuid 0 indireta que todos tém como consumidores, mas também urna contribuido indireta, a partir da comercializado dos seus produtos. Sabe-se que essa contribuido náo tem-se realizado de forma adequada, porque náo está bem definida, fiscalizada. E possível que eia seja melhor equacionada e melhor fiscalizada. 29 Em relagào à reserva da folha de salários para pagamento de beneficios, só se pode enfrentar a discussào do limite de gastos, colocando a conta para a sociedade. No curto prazo, nào há como enfrentar isso, porque mesmo que existam algumas distorgòes, o efeito econòmico dos cortes que possam ocorrer na concessào de alguns beneficios é muito grande a longo prazo. O resultado concreto mais pràtico è muito mais no sentido de se promover a justiga social, num horizonte futuro, do que no sentido de obter-se efeitos económicos imediatos. Apesar de ser a questào econòmica a mais visível, é a mais facilmente discutida, pois comporta menos juízos de valor e é, portante, a mais objetiva. O desequilibrio financeiro é urna questào sèria, até porque a Previdència tem-se financiado por um imposto altamente inflacionário. Eia tem tido fluxos de caixa positivos, porque está aplicando no mercado financeiro, e isso é prejudicial aos próprios segurados. Quanto à aposentadoria por tempo de contribuito, as suas observagóes em relato á proposta do Celecino náo chegaram a caracterizar urna discordancia, até porque ele a colocou como urna proposta que está sendo examinada em termos de transito. Também concordo que tempo de contribuito nào é risco social, e que a defesa da a d o t o deste beneficio estaría baseada em cálculos atuariais, de equivalència de contribuito num regime de capitalízate e no seguro complementar. Numa fase de transito, a idéia náo seria de todo execrável. Há que se considerar que muitas das pessoas dessa geragáo trabalharam anos colocando as suas expectativas, as suas esperanzas, na aposentadoria. E que, provavelmente, náo tiveram a oportunidade de fazer uma outra poupanga individual compulsória que lhes desse alguma tranqüilidade ou a possibilidade de usufruir de algum conforto na velhice. Na nossa sociedade, principalmente, é muito comum o deixar para depois, para a velhice. Náo considerar um período de transito, pode significar uma quebra de expectativas que também gera conflitos e desajustes psicológicos envolvendo riscos sociais. Mas, obviamente, tempo de contribuito em si náo é risco social, e eu também seria rigorosa se tivéssemos possibilidade de implantar a nossa Seguridade Social de uma forma mais justa. María Inés Sousa Gomes - Refiro-me à problemática do tempo de servido para os outros regimes de previdència e, o que è pior, o fato de nào existir contribuito específica para essas aposentadorias. Nos outros regimes, tanto no dos militares quanto no dos estatutários, existe apenas a contribuito para o beneficio-familia. No entanto, os beneficiários destes regimes aposentam-se por tempo de servilo, às vezes, até com alguma reduto neste tempo mínimo, porque a licenga-prèmio náo gozada é contada em dobro. Enquanto isso, no regime de previdència geral, é justo que aqueles que contribuíram, e que tém a expectativa do retorno de sua contribuito, nào sejam contestados no seu direito de auferí-lo. A segunda observa?ào refere-se ao beneficio recebido durante a licenga-maternidade. Náo existe teto para o valor desse beneficio. Náo existe previsáo de limite/teto para o salário-maternidade, nem na Constituito, nem na lei complementar. Uma pessoa que está na atividade - evidentemente, se está recebendo auxílio-maternidade é porque está na atividade - que aufere um salàrio muito maior que o teto de contribuito, quando passa a receber o auxílio-maternidade, o que acontece? O empregador pode diminuir o valor do seu salàrio da 30 contribuido sobre a folha de salários. Entendo que esse auxílio-maternidade deveria ser limitado ao teto de contribuirlo e nenhum centavo além disso. Urna outra observagào é quanto às pelejas judiciárias, inclusive, a citada questáo dos 147%. Nesse aspecto, seria interessante fazer um pequeño ajuste no inciso IV do art. 7 o , que diz mais ou menos assim: o salàrio-minimo deve prover tais e tais coisas, vedada a sua vinculagào para qualquer firn. Eu acrescentaria: "exceto para fins de pagamento de beneficios", porque, caso pagássemos sobre "x" salários, forzosamente, na hora do cálculo da renda mensal inicial, este valor náo poderia ser diminuido. Com isso, estaríamos fazendo valer aquele artigo da Constituido que fala da irredutibilidade do valor. María Emilia Azevedo (Conferencista) - Em relagào à aposentadoria por tempo de servigo dos outros regimes, a concordància é quase absoluta no sentido da necessidade de unificagáo dos critérios em um regime básico, que prevalecería para todos. O salário-maternidade sem limite/teto no valor do beneficio, do mesmo modo que a questáo do acídente de trabalho e do salário-famflia, talvez, com urna dificuldade maior ainda para a sua solugáo, é urna questáo da legislagáo trabalhista que foi levada para dentro da Previdéncia Social. Na verdade, quando da sua criagáo, o que se estava tentando proteger era a insergáo da mulher no mercado de trabalho: nao só possibilitando urna maior abertura do mercado de trabalho á mulher, como evitando-se a dispensa e a discriminagáo das mulheres em idade reprodutiva, quando o necessàrio afastamento da atividade para atender aos cuidados com a crianga fazia com que os empregadores se sentissem lesados de estarem bancando o salàrio dessas trabalhadoras. Esse custo, normalmente, criava urna sèrie de discriminagóes em relagáo ás trabalhadoras. Náo sei se tè-Io trazido para a Previdéncia foi a melhor forma de enfrentar essa discriminagáo. A falta de limite no valor desse salàrio-beneficio è um problema sèrio, e fica mais grave ainda, na medida em que o beneficio foi unlversalizado e que náo exige carència nem dos nove meses correspondentes à gravidez. Atualmente, è muito comum - já que qualquer pessoa pode contribuir para a Previdencia, o que também é o caso das empregadas domésticas, que nem sempre tèm carteira assinada - a inscrigáo ocorrer somente no oitavo mès de gravidez. Paga-se um mès de contribuigáo, recebe-se o salário-maternidade durante quatro meses e, em seguida, sai-se novamente do sistema. Realmente, a questáo é polèmica e grave, e tem de ser enfrentada ou mesmo compensada em outros beneficios previdenciários concedidos às mulheres. Existem propostas de se compensar o custo desse beneficio com o término das atuais redugòes previstas, tanto na idade quanto no tempo de servigo exigido para as aposentadorias da mulher. Essas alternativas levam em consideragáo que, se é real que a mulher superpòe várias jornadas de trabalho (casa, emprego, criangas, etc.) que justificam as redugòes das exigèncias previstas na concessáo de alguns beneficios, também é real que essa superposigáo coincide, normalmente, com a idade fértil, reprodutiva, ou seja, com o período em que ocorre a licenga-maternidade. Por outro lado, quando eia atinge as condigòes necessárias tanto para aposentadoria por tempo de servigo como por velhice - e que sáo reduzidas - eia, geralmente, já está liberada dessas outras jornadas e seria até saudável que continuasse trabalhando. Mas sáo 31 questdes complexas a serem equacionadas náo pela Constituido, mas pela legislado complementar. Em relagào à sua observado sobre a necessidade de vinculado específica entre salàriominimo e valor dos beneficios, quanto ao piso, a pròpria Constituido abre urna excedo á regra do art. 7° quando inclui, no seu texto, um dispositivo garantindo um piso de beneficios equivalente ao salàrio-minimo. A sua demanda está ligada à relado entre contribuido e beneficio, em número de salários-mínimos. A demanda tradicional é essa: pago sobre cinco salários-mínimos, quero receber cinco salários-mínimos de beneficio. Mas essa relado náo é real. Se fizermos qualquer curva dos nossos salários, principalmente nos últimos anos, e tentamos colocá-los em número de salários-mínimos, vamos ficar horrorizados como estamos perdendo, até muito mais do que os beneficiários da Previdéncia. Nao há relado direta entre a evoludo dos salários, na economia como um todo, com a evoludo do salário-mínimo. As variáveis tèm um comportamento dos mais complexos e a variado ocorre às vezes para mais, ás vezes para menos. Entáo essa questáo náo pode e náo deve ser resolvida com vinculado e também náo deve estar inscrita na Constituido. Obligada. Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Agradego á Dra. Maria Emilia Azevedo. Estáo encerrados os trabalhos de hoje. 32 O CONCETTO DE SEGURIDADE SOCIAL NA C O N S T i r m g À O D E 1988 ALOÍSIO TEIXEIRA*/ Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Dando continuidade ao Ciclo de Debates "A Previdència Social e a Revisáo Constitucional", temos hoje aqui como convidado o Dr. Aloisio Teixeira, que falará sobre "O Conceito de Seguridade Social na Constituido de 1988 - o que deve permanecer e o que deve mudar". Nosso conferencista é Professor Universitário de Economia, Diretor do Departamento de Economia Industrial da Universidade Federal do Rio de Janeiro e ex-Secretário Geral do Ministério da Previdència e Assisténcia Social. Com a palavra o Dr. Aloisio Teixeira. Aloisio Teixeira (Conferencista) - Em geral, se cometa urna exposigào como esta com um rito de iniciado, quando se agradece a oportunidade, etc., etc.. Eu nao quería que vocés entendessem minhas palavras como urna obediència a esse rito, a essa formalidade que os conferencistas em geral seguem. Todavia, estive naquele Ministério durante um período importante para a discussáo da questáo previdenciária e da seguridade, no final do ano de 1987 e quase todo o ano de 1988, quando a Constituido foi discutida e, finalmente, aprovada. Hoje, encontro outro Ministério - nao tem nem mais o mesmo nome -, outro prèdio, e poucas pessoas daquela época estáo presentes. Tenho a impressáo de um reencontró, que constituí urna oportunidade de fazer uma espécie de autocrítica, nao pelas coisas que fizemos, mas pelo que nao fizemos. E entre as coisas que nào fizemos, por exemplo, está uma reuniáo como esta, com o pessoal técnico do Ministério da Previdència, que trabalhava nessa área e que, na medida em que náo póde participar, de uma forma táo intensa, do processo de elaborado daquelas idéias, talvez náo tenha tido a oportunidade de formar uma sólida consciència política e técnica sobre os fatos dos quais se estava tratando naquele momento. É com um atraso de alguns anos que venho aqui, quase que dar um depoimento pessoal, e prestar urna sèrie de esclarecimentos; foi uma falha nossa nao termos provocado essa discussáo dentro do Ministério, e dentro do pròprio Congresso, com os deputados que trabalharam conosco */ Palestra realizada em 30 de mar?o de 1993. 33 na elaboragáo do Capítulo da Seguridade Social. E, mal a Constituido foi aprovada, o entào Presidente foi à televisào e disse que, quando aprovada, o Capítulo da Seguridade Social tornaría o país ingovernável. Ingovernável ele é, mas por outras razóes que nào passam pelo Capítulo da Seguridade. Desde aquele pronunciamento, ocorreu urna verdadeira enxurrada de críticas ao Capítulo da Seguridade, e urna enxurrada de propostas, cujo objetivo era colocar abaixo o sistema de proteggo que se estava querendo construir no país. Algumas dessas propostas eram descaradamente liberalizantes, sugerindo urna espèrie de "chilenizagáo" do modelo previdenciário brasileiro; outras, envergonhadas, mas sempre explícita ou implicitamente, com o objetivo de derrocar o Sistema de Seguridade Social no Brasil. Recentemente, o Instituto Liberal publicou um livreto e promoveu urna sèrie de seminários para discutir a sua proposta. Logo na suaintrodugáo, dizia-se que a aprovagáo do Capítulo da Seguridade Social e sua aplicagào, tal como estava na Constituigào, criaría, no Brasil, um déficit público da ordem de 30% do PIB - e isso é realmente assustador. Um déficit desta ordem para financiar um programa daquela natureza exigiría um volume de recursos que o tornaría evidentemente inviável. A base que fundamenta essas previsòes catastróficas sobre o sistema brasileiro de Seguridade Social consiste num conjunto de projegóes que um grupo de técnicos de um órgáo de governo vem desen voi vendo, já há quase dez anos; eles construíram um modelo demográfico atuarial de projegáo sobre as receitas e as despesas do sistema previdenciário no Brasil, e vèm traballando este modelo, sempre sinalizando resultados extremamente negativos para o equilibrio financeiro do sistema previdenciário. Trata-se de um grupo de pessoas sérias, todas extremamente competentes. Muitas vezes tem sido difícil discutir com eles a validade das suas hipóteses, até porque a arquitetura desse modelo demográfico atuarial náo é interamente conhecida ou, pelo menos, nunca foi inteiramente divulgada. Eu me dei ao trabalho, até para abrir aqui a discussáo com vocès, de trazer as últimas projegóes que eles divulgaram sobre as expectativas de resultados financeiros do Sistema Previdenciário e de Seguridade no Brasil. Isso foi publicado no livro chamado "Perspectivas da Economia Brasileira - 1992". Retirei as tabelas desse livro, e là eles usam esse modelo de projegáo de resultados da Previdència para dois cenários macroeconómicos. O PIB de 1991 a 1994 cresce a urna taxa de 1%. Um primeiro cenário constituí o que se poderia chamar de cenário otimista, onde o PIB, de 1995 a 2010, que é o horizonte das projegóes feitas, cresce a urna taxa mèdia anual de 5,86%. Num segundo cenário, que é um cenário pessimista, cresce a apenas 1,53%. Náo vou discutir a consisténcia dos resultados apresentados para as diversas variáveis, embora haja algumas coisas que merecem uma discussáo. Por exemplo, o salário-mínimo real cresce mais no cenário pessimista do que no cenário otimista, o que è uma coisa complicada para a gente imaginar. O salàrio mèdio, náo; está mais ou menos consistente, ainda que no cenário pessimista, com o salário-mínimo real crescendo a uma taxa táo elevada, o fato de o salàrio mèdio estar crescendo táo pouco significa que muitas das faixas de remuneragáo mais altas, acima do salário-mínimo, estaráo perdendo em termos reais. 34 O faturamento cresce a urna taxa muito semelhante tanto no cenário otimista quanto no pessimista, o que chama a atengáo e é urna coisa que, certamente, merecería urna discussáo um pouco maior. Já o lucro cresce bastante no cenário otimista e cai no cenário pessimista. Urna projegáo feita até o horizonte do ano 2010 mostra um cenário otimista, com urna simulado de repasse apenas parcial dos recursos da COFINS e da Contribuido sobre o Lucro. Até 1990, a situado v e m mais ou menos equilibrada; para 1995 já se projeta um déficit de 1,63% do PIB chegando-se ao ano 2010 com um déficit de 3,3% do PIB. Um segundo cenário, digamos assim, mais desfavorável é o macroeconómico pessimista, com repasse apenas parcial da COFINS e da Contribuido sobre o Lucro. No ano 2010, estes dados sinalizam um déficit superior a 8% do PIB. Um terceiro cenário, mais favorável, é o cenário macroeconómico mais otimista, com repasse integral da COFINS e da Contribuido sobre o Lucro. Mesmo neste cenário, o déficit projetado é da ordem de 1,61 % do PIB no ano 2010. E, um último cenário, é o macroeconómico pessimista, com repasse integral e o déficit projetado é da ordem de 5,24% do PIB. É óbvio que é um quadro extremamente aterrador porque na hipótese mais favorável o déficit é de 1,6% do PIB, e no cenário mais desfavorável ele é superior a 8% do PIB. É claro que, se formos examinar mais detalhadamente a composido dessas tabelas, existem urna série de observa?óes que poderiam ser feitas. Mas temos que considerar que este é um modelo de projedo que trabalha com variáveis que poderíamos chamar, exclusivamente, de estruturais. Náo há nenhuma considerado sobre o efeito da inflado ñas receitas ou despesas da Previdéncia, náo há nenhuma considerado sobre os efeitos das taxas de juros sobre as receitas, particularmente, sobre as receitas da Previdéncia. Náo há qualquer considerado, qualquer hipótese, náo é incluida, de forma alguma, uma fonte de receita do sistema previdenciário que tém sido importante nos últimos anos, particularmente quando existem saldos de caixa acumulados, que sáo as receitas financeiras. As receitas financeiras tém variado ao longo dos anos, mas a média dos últimos anos tem sido da ordem de quase 1 % do PIB. Se considerássemos a inclusáo dessas receitas, o déficit projetado já se reduziria. Uma segunda observado que se pode fazer é que os gastos com Saúde sáo calculados como sendo de 30% do Ornamento da Seguridade. Mas esses 30%, que na verdade náo tém sido transferidos para a Saúde, sáo calculados sobre o total das despesas, o que significa que aparecem de uma forma superestimada em todas as séries. Se eles fossem calculados sobre o total das receitas, a redudo daquele déficit já seria considerável. Eu refiz essas contas, considerando a possibilidade de gerado de uma receita financeira, e calculando as despesas com Saúde em cerca de 30% das receitas do sistema, e o déficit cai significativamente em todos os cenários. No cenário mais otimista, o sistema ficaria praticamente equilibrado no ano 2010. No cenário mais pessimista, ele cairia de 8,2% para alguma coisa em torno de 5% do PIB. Uma terceira observado que poderia ser feita é a de que o modelo considera constantes o grau de evasáo das receitas, quer dizer, a taxa de sonegado, e considera constante o grau de informalizado do mercado de trabalho. Na verdade, se nós imaginássemos uma política 35 consistente de redugáo da sonegagáo, da ordem de 20%, praticamente todos os cenários se tornariam superavitários, com excegáo daquele cenário mais desfavorável, que continuaría deficitàrio, com um déficit da ordem de 3,5% do PIB, mas que já é muito diferente dos 8,2% anteriormente previstos. E se imaginássemos que poderia haver políticas que incentivassem a formalizado do mercado de traballio, provavelmente esses déficits desaparecerían!. Mas nào foi isso que me chamou a atengáo nessas projegòes. Fiz urna brincadeira com o que constituí receita sobre folha de salários e despesas com Previdència. E, depois, as outras receitas e as despesas com Assisténcia e Saúde. Até o ano 2010, as projegóes indicam um superávit ñas contas da Previdència. Isso quer dizer que a receita sobre a folha, projetada por esse modelo demográfico atuarial, nos indica, até o horizonte do ano 2010, um superávit da ordem de 1,5% do PIB, considerando-se estritamente as despesas com a operagáo do sistema previdenciário. A projegáo que representava o cenário mais desfavorável, mesmo essa, no que se refere estritamente às despesas previdenciárias, indica ainda, no ano 2010, um superávit da ordem de 0,32% do PIB. Portanto, quero chamar a atengáo para essas coisas. Porque vejam vocés o seguirne: se levarmos em conta essas alterares que fiz ñas projegóes, verificaremos que temos um problema que é de natureza inteiramente diversa da que tem sido veiculado, e apresentado para todos nós. Por que? Porque o que se diz é que o sistema está falido; que ele sinaliza déficits crescentes que podem atingir 8% do PIB nestas projegóes, ou 30% nos cálculos do Instituto Liberal. Por causa disso, nós temos que fazer a reforma da previdencia: privatizando, "chilenizando", mexendo aqui e ali. Mas, quando examinamos esses números com mais rigor se vè que o que vai bem é a Previdència. Esta tem um superávit que se poderia considerar estrutural até o horizonte do ano 2010. Há um problema grave de financiamento da área de Saúde e da área de Assisténcia Social. Nas projegòes mais negativas citadas, os gastos com Saúde e os gastos com Assisténcia Social chegaráo a algo superior a 5% do PIB. Se neste país se gastasse 5% do PIB com saúde e 5% do PIB com Assisténcia Social, as coisas poderiam estar muito melhores do que estáo hoje em dia. Na verdade, o problema que existe quando se examina o Sistema de Seguridade como um todo, náo diz respeito exatamente à parte de Previdència; diz respeito a se buscar, discutir e encontrar mecanismos de financiamento das políticas de Saúde e Assisténcia Social, que sáo extremamente importantes neste país. Na verdade, esta introducto foi para que eu pudesse me apresentar assim como um exemplar de urna espécie em extingáo. Sou um defensor de urna Previdència pública, estatal e parte integrante de um sistema mais ampio de protegáo social, que é o Sistema de Seguridade. Portanto, sou um defensor da Constituigáo de 1988 no que diz respeito a esse tema. Náo julgo que eia seja perfeita; acho que eia contém diversos equívocos, diversos erros que poderiam ser corrigidos, mas acho que eia foi um grande avango em termos de Constituigáo de um Brasil moderno. E acho que essa conquista está, desde que a Constituigáo foi aprovada até hoje, sob urna grave ameaga. Porque, na verdade, nós náo conseguimos, nesses quase 5 anos desde a aprovagáo da Constituigáo, implementar verdadeiramente um sistema de Seguridade Social no 36 país. E acho que urna das causas das dificuldades financeiras que sistematicamente acometem o sistema decorrerci exatamente da nossa incapacidade, ou dos obstáculos que foram criados para se implementar o sistema de Seguridade no Brasil. E acrescento: praticamente todas as propostas que foram apresentadas até hoje, no sentido de corrigir, reformar, rever a Constituiçâo, significam, na verdade, um passo atrás em relaçâo àquilo que foi feito. Vou retomar o fio da meada, discutindo exatamente o que é o conceito de Seguridade. Acho que este conceito nâo foi devidamente dominado por todos nós, técnicos do Ministério, das Universidades e pelos congressistas de urna maneira geral. E acho que esse desconhecimento do conceito é que, digamos assim, leva a essa situaçâo, na quai o sistema está sob permanente ameaça. Quando esse conceito foi introduzido na Constituiçâo de 1988, ele aparecía como um modismo. A palavra Seguridade, a rigor, nâo existe na lingua portuguesa. É um neologismo que foi copiado de outras línguas. Os espanhóis têm là a sua Seguridad, os franceses a sua Sécurité, os ingleses têm a Securìty. A idéia é que se estava utilizando urna palavra nova para designar urna coisa velha, que eram as très áreas em que o extinto Ministério da Previdência e Assistência Social atuava, isto é: a área de Previdência, a de Saúde, e a de Assistência Social. Mas nâo é bem assim. Na verdade, toda a moderna literatura sobre Política Social - e nos últimos anos, na ultima década, tém se discutido e escrito sobre isso mais do que em qualquer época da história, pelo menos entre economistas, sociólogos e dentistas políticos que nunca haviam se dedicado a esse tema - concebe a Seguridade como um ampio sistema de proteçâo social, indispensável ao processo de reproduçâo da força de trabalho e, portanto, de reproduçâo do pròprio capital. Entâo, esta proteçâo deve ser oferecida aos trabalhadores nos casos de perda ou esgotamento parcial ou total, temporário ou definitivo, de sua capacidade laborativa ou das condiçôes de exercé-la. Esta pierda pode ocorrer por velhice, por doença, por acídente, por condiçôes sociais adversas, sejam elas condiçôes conjunturais, como, por exemplo, as fases recessivas do ciclo económico com o desemprego que elas acarretam, sejam condiçôes estruturais, que, num país como o Brasil, sáo bastante marcantes, como a misèria absoluta e a falta de acesso aos mercados formais de trabalho. Exatamente em virtude desse conceito é que a Seguridade foi definida na Constituiçâo brasileira como o conjunto integrado de açôes de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinados a assegurar o direito à Saúde, à Previdência e à Assistência Social. Quer dizer, nâo é porque já existiam essas áreas no Ministério da Previdência e Assistência Social, que se criou um conceito. Mas, ao contràrio, porque o conceito existe é que as áreas sâo exatamente essas. E também por isso é que a Constituiçâo definiu algumas das características desse sistema que deveriam presidir a sua organizacâo, e, dentre elas, a universalidade como um direito de acesso, a seletividade e a distributividade. Desse ponto de vista, eu diria: o conceito de Seguridade se opôe, ou pelo menos se contrapóe, ao conceito de Previdência como seguro. Porém, ele pode incluí-lo numa ótica mais ampia do problema. Por que? Porque no conceito de Previdência enquanto seguro trata-se da existência de um contrato individual. O individuo contribuí e porque contribuí faz jus a um beneficio proporcional ou, nâo necessariamente, proporcional à sua contribuiçâo. Já no conceito de Seguridade o que importa é o contrato social. O direito de acesso ao beneficio decorre da 37 propria condigào da cidadania. Poderia se dizer assim, que numa forma extrema, ideal, o sistema de Seguridade nào pressupòe nem filiagào, nem inscrigào, nem prazo de carència. Qualquer cidadào, pelo fato de ser cidadào, tendo necessidade de ser protegido por este sistema, faz jus aos beneficios. Cabe ao Estado organizar a pauta dos beneficios e prever a forma de financiá-los. O constituinte de 1988, ao fazer esta opgáo, ao definir este conceito e torná-lo parte integrante da Constituigào, fez urna opgáo radical pela modernidade, exatamente naquilo que temos de mais atrasado neste país, que sao as relagòes entre o capital e o trabalho: adotamos um sistema de protegáo que é adequado à nossa realidade. Por que? Porque se tivéssemos um país com urna renda per capita elevada, com um perfil de distribuigào de renda homogéneo, com mercados de trabalho altamente formalizados, com urna populagào ativa na agricultura reduzida, com alta capacidade de poupanga individual, ao instituírmos um sistema de previdéncia fundado no conceito de seguro, ele pode até funcionar satisfatoriamente do ponto de vista da sua finalidade social. Mas esta nào é a nossa realidade. Temos - e é sempre bom ter isso era mente - o pior perfil de distribuigào de renda do mundo. Países que tém um nivel mèdio de renda muito mais baixo do que o Brasil nào tém a disparidade da nossa distribuigào de renda. Estamos piores do que a india, piores do que qualquer país da Asia ou da África em termos de distribuigào de renda, pelo fato de que há riqueza absoluta em grande quantidade de um lado, e misèria absoluta numa extensáo muito maior. A maioria esmagadora da populagào deste país nào tem qualquer capacidade de poupanga individual. Temos bolsòes de misèria absoluta, que fazem do Brasil um dos campeòes da misèria absoluta no mundo. Estào ai as mais recentes estatísticas do IBGE que mostram isso. Essa realidade nào pode ser enfrentada por urna legislagào "moderna", "capitalista", onde se conceba o sistema de protegào como um seguro individual. Eia só pode ser enfrentada por urna decisào política da sociedade, que se configure num conjunto de leis que permitam que a política social seja urna realidade. E um dos instrumentos principáis dessa política é exatamente o Sistema de Seguridade que foi introduzido na Constituigào de 1988. E deste ponto de vista, acho que o constituinte de 1988 acertou na mosca. E eu digo: o que foi inserido no texto constitucional nào era tudo o que nos queríamos em 1988. Em todo o processo de discussào prèvia que tinha sido feito dentro das universidades e em alguns organismos da sociedade civil, queríamos um pouco mais do que isso. Queríamos a unificagào de todos os instrumentos de política social, e a elaboragào de um orgamento dos gastos sociais neste país, com as suas fontes de recursos definidas e a sua pauta de gastos também definida, como forma de tirar a política social da disputa por recursos no ámbito do Orgamento Geral da Uniào. Isso era complicado. Na verdade nào passou. Nào chegou a ser sequer apresentado sob a forma de urna proposta à Constituigào. E o que se conseguiu foi o Sistema de Seguridade, com o seu orgamento proprio. Foi um passo importante. O texto constitucional tem urna sèrie de ambigüidades. Por exemplo, é urna ambiguidade a inclusáo da expressáo "mediante contribuigáo", ou seja, lá está escrito que mediante contribuigáo qualquer pessoa poderá participar dos beneficios. Nesse ponto, vigorou urna visáo 38 técnico-orgamentária, como se pensassem: vamos colocar isso, senáo ficaremos em dificuldades. Mas, do ponto de vista conceitual, isso era perfeitamente dispensável. Em segundo lugar, foram mantidos privilégios inaceitáveis, quando se está pensando em um Sistema de Seguridade. O maior deles é a aposentadoria por tempo de servigo, que náo é um problema financeiro táo grave quanto se apresenta, mas é urna iniqüidade do ponto de vista conceitual. Pouquíssimos países no mundo tèm alguma coisa semelhante a isso e, certamente, daqueles que tèm nenhum pode ser considerado como modelo de sistema de protetto social. E isso constituí urna iniqüidade porque as pessoas que se beneficiam da aposentadoria por tempo de servido, pelo menos a parcela majoritária délas, alcanna esse beneficio no momento em que ainda está em plena atividade. Na verdade, estes individuos váo arranjar outro emprego e continuar a receber urna "mesadinha" do Estado. Depois, porque o trabalhador de baixa renda, em geral submetido às condigóes mais desumanas de trabalho, que poderia ser o verdadeiro beneficiàrio de urna coisa dessas, náo tem acesso. Porque o acesso á aposentadoria por tempo de servilo é quase que urna exclusividade das carnadas médias da sociedade. E só para náo dizer que náo falei de flores, existe também um outra grande iniqüidade que é a aposentadoria precoce para os professores. É absolutamente iniquo um professor poder se aposentar com 30 anos de servilo, quando, certamente, ele ainda estará no auge de sua atividade intelectual. Sàò coisas que a Constituido, por efeito dos lobbies e das pressòes de todo o tipo, acabou incorporando. Também na questáo do financiamento, eu considero que ocorreram algumas confusoes. Por exemplo, quando se atribuiu a base do faturamento ao Sistema de Seguridade, na verdade, isso implicava, de fato, na extingáo da COFINS e do PIS/PASEP. Eia deveria ter se tornado urna base exclusiva do Sistema de Seguridade. No entanto, particularmente, o PIS/PASEP, era e é hoje, até que a situagáo mude, urna das principáis fontes ou a principal fonte de recursos do BNDES. Entáo, houve um lobby do BNDES para garantir o PIS/PASEP, e o acordo foi feito em termos de que urna parte iria financiar os programas do BNDES e a outra os programas de seguro-desemprego. Essas distorgòes e esses problemas do texto constitucional náo chegam a prejudicar a profundidade e o alcance da obra que foi realizada. Eu creio e reafirmo que eles decorrerci, em grande medida, do fato de que, nos debates da Constituinte, náo conseguimos aprofundar todos os aspectos conceituais, técnicos, operacionais e financeiros do projeto. Isso dificultou urna tomada de consciència clara de todas as implicares, por parte da sociedade, do governo e do pròprio Congresso. E a conseqüéncia maior dessa falta de esclarecimento, dessa discussáo insuficiente, foi que este conceito de seguridade náo chegou a ser verdadeiramente implementado entre nós. Continuamos, hoje, sob a ameaga de ver revogadas, no processo de revisáo constitucional, todas essas conquistas, sem tè-las sequer conhecido. A verdade é que, após a promulgado da Constituido, quando o SINPAS foi devolvido aos seus senhores históricos, essas conquistas comegaram a ser ameagadas. E esse é um processo que, mesmo com os avangos que se deram no plano da legislagáo regulamentadora da Seguridade 39 Social, nào foi eliminado inteiramente. O Ornamento da Seguridade Social é de urna rigorosa intransparéncia. As regras de financiamento ou de aporte de recursos do Ornamento Fiscal e daquilo que constituí receita pròpria da Seguridade ainda nào estáo claras. Há urna política sistemática, por parte do Tesouro, de refendo de recursos que sáo, por direito, da Seguridade. Ainda que se proceda a um acerto de contas a cada exercício, isso, devido aos efeitos inflacionários, significa urna perda imensa de receita real do sistema. Considero um aspecto importante o fato de que a legislado regulamentadora, ao invés de partir do conceito de Seguridade para desdobrar as leis específicas de cada área, ter aparecido de forma inteiramente fragmentada. Fez-se um Plano de Beneficios, um Plano de Custeio, discutiu-se a lei da Saüde, a lei da Assisténcia Social, mas perdeu-se a referència básica de que isso é parte integrante de um sistema maior. Nào se procurou discutir a lei regulamentadora do Sistema de Seguridade e, só entáo, a partir dai, desdobrar os planos específicos. Finalmente, considero que o sistema foi profundamente bloqueado pela reforma administrativa realizada naquele governo que foi impedido no ano passado. Entáo, ao invés de se preservar a unidade da Seguridade, consolidou-se o seu esquartejamento. Foi ratificada a transferencia do INAMPS para a área do Ministério da Saúde, foi criado o Ministério da A gao Social, o que era um absoluto despropósito. Só mesmo na ótica do governo impedido é que isso poderia ter algum sentido. Só podia ser um Ministério do clientelismo, e nào mais do que isso. A pròpria DATAPREV foi desmembrada. Nào foi por mera coincidéncia que ao fundirem o INPS com o IAPAS se criou um Instituto Nacional do Seguro Social e nào da Seguridade Social. Entáo, acho que essa implosào da Seguridade, cujos instrumentos básicos de agào estavam, até entáo, reunidos num único ministério, que era o Ministério da Previdencia e Assisténcia Social, nos fez recuar vàrios passos, impedindo que se tornasse realidade o Sistema de Seguridade. Ao invés de se avanzar para constituir o Ministério da Seguridade, houve um recuo, urna fragmentado do sistema como um todo. E acho que essa é urna das razòes pelas quais o sistema vem enfrentando crescentes dificuldades. Porque quando um sistema é fragmentado e desmembrado em diversas áreas, ele se torna menos eficiente, do ponto de vista operacional, e, sem dúvida nenhuma, o custo administrativo do sistema cresce. A tese que eu defendo aqui é a de que o quadro de dificuldades que, sistematicamente, acomete o sistema nào decorre de urna pletora de beneficios equivocadamente concedidos pela Constituido. E ridículo imaginar que um salário-mínimo de piso seja um valor absurdo num país onde ele é algo em torno de 60 dólares. Entáo, querem criar urna cesta previdenciária que seria a metade do salário-mínimo, algo de urna desumanidade absoluta. Essas dificuldades decorrem, em primeiro lugar, desta reforma administrativa que foi feita; segundo, das distorgòes que afetam o sistema ou que afastam-no dos seus objetivos précípuos; e, em terceiro lugar, de um conjunto de circustáncias que nào decorrem especificamente do funcionamento do Sistema de Seguridade. E o primeiro deles é, sem dúvida alguma, a crise econòmica que o país enfrenta. Se levarmos em conta que na década de 60, a 40 renda per capita do Brasil dobrou, que, na década de 70, mais urna vez, eia dobrou, e que, hoje, esta é menor do que em 1979 ou 1980, isso significa dizer que, durante toda a década de 1980, nâo houve crescimento e que, no inicio dos anos 90, chegou a cair. A partir desses dados, temos urna idéia da dimensâo da crise que enfrentamos. É urna profunda crise recessiva que só chamamos de conjuntural por hábito. Na verdade, estamos há mais de urna década com o país parado. Ao contràrio, se levarmos em conta o que houve nesses anos: inflaçâo acelerada, que certamente está ligada a esse problema recessivo grave, queda no emprego, queda no salàrio real, tudo isso tem a ver com políticas económicas inteiramente equivocadas que foram aplicadas neste país durante esse período, e que só tém feito agravar o quadro recessivo. Entâo, a crise econòmica e as suas sequelas de maior informalizaçâo, de inflaçâo acelerada, de queda do emprego, queda no salàrio real, tém um efeito extremamente perverso sobre o sistema previdenciário. Nâo é à toa que nesta década, nestes 12 ou 13 anos, desde o final dos anos 70, os melhores anos do sistema previdenciário tém sido aqueles em que ocorre alguma recuperaçâo econòmica. Além disso, a crise económica se reflete e se manifesta também como urna crise fiscal e financeira do Estado brasileiro. Houve, simultaneamente a esse processo no quai se desfizeram os nossos mecanismos de crescimento, o desmonte do padrâo de financiamento público neste pais. Isso se manifesta corno urna restriçào crescente à transferência de recursos de origem fiscal para o Orçamento da Seguridade. Nâo adianta nos pintarmos de verde ou amarelo, porque esse é um problema real. A crise das finanças públicas tem urna base estrutural fundada nas transformaçôes que o sistema econòmico vem enfrentando, ou em certas vicissitudes pelas quais ele tem passado nesses anos. Certamente, existe urna tendéncia à modificaçâo do mercado de traballio, com reduçâo do traballio formai. Isso impacia de forma desfavorável nas receitas públicas. Por outro lado, o fato de que se introjetou nas nossas finanças públicas urna carga de divida interna e externa que é impagável, e que implica em encargos financeiros crescentes a cada ano. Esse é o segundo aspecto importante. Em terceiro lugar, a mudança do paradigma tecnològico que corresponde à terceira revoluçâo industrial, também incide sobre os gastos públicos, na medida em que essa mudança se dà de urna forma muito intensa naquilo que é objeto da produçâo do setor privado, e os chamados bens públicos nâo sáo objeto de urna transformaçâo táo grande. Há urna mudança de preços relativos nos sistemas económicos, de maneira geral decorrente desse fenómeno, que é extremamente prejudicial às finanças públicas. Em quarto lugar, o fato de que tivemos, durante todos esses anos, um processo inflacionário rigorosamente corrosivo. A convergéncia de todos esses fatores traz como conseqüéncia urna menor disponibilidade de recursos públicos. Se a tese que defendo aqui é correta, o quadro de dificuldades que sistematicamente acomete o sistema de Previdéncia e de Seguridade - que, na verdade, é parte integrante dessa 41 crise do financiamento público e conseqiiència das políticas económicas equivocadas aplicadas durante grande parte desse período, e da reforma administrativa feita, nao será resolvido pelo caminho que passa pela privatizagáo do sistema, pela revogacáo do conceito de Seguridade ou por mudangas na Constituido que afetem esse núcleo da questáo. Passa, ao contràrio, pelo cumprimento, pela consolidado, pelo aprofundamento dos principios constitucionais que tornariam a Seguridade urna realidade, e, ao mesmo tempo, por urna política económica e financeira voltada para a retomada do crescimento, do emprego e da formalizado do mercado de traballio. Esse é o ponto central do meu argumento. Trata-se nao apenas de preservar, mas de aprofundar a concepdo de Seguridade, tal como está na Constituid 0 de 1988 e, ao mesmo tempo, de ter urna política económico-financeira que permita a retomada do crescimento. Com recessào e inflado, é impossível ter um horizonte estável de equilibrio financeiro para qualquer sistema público, e até mesmo privado, a náo ser que ele vá se alimentar crescentemente da especulado financeira contra o Estado brasileiro. Visto isso, acho que há um conjunto de pontos que poderiam ser objeto de discussào e de aprofundamento, se queremos pensar em como melhorar o Sistema de Seguridade. O primeiro deles, do meu ponto de vista, é acabar efetivamente com a fragmentado, e constituir um Ministério da Seguridade Social no país, centralizando os órgáos e programas englobados por esse conceito, e dotando-o de urna estrutura racional, de agáo, que reduza os seus custos. Acho que esse é um passo importante, inclusive porque se deve crescentemente reconceber a Seguridade, menos como um sistema de gestáo estatal e mais como um sistema de gestáo pública, no sentido verdadeiro da palavra. Se focalizarmos, a partir de um Ministério como esse, um leque ampio de políticas sociais englobadas no conceito de Seguridade, poderemos dotá-lo de urna eficiéncia que esse sistema náo teve no passado e que, certamente, náo terá se permanecer no grau de fragmentado em que hoje se encontra. Em segundo lugar, temos que avangar crescentemente nessa di redo que diz respeito à mudan ga de tónica da gestáo estatal para a gestáo pública no que concerne ao papel do Conselho de Seguridade. Ele tem que ser cada vez mais o verdadeiro órgáo gestor do Sistema de Seguridade no país. O terceiro aspecto - que é um aspecto pràtico, de ordem financeira, que contribuirá de forma bastante rápida para melhorar o equilibrio do sistema - diz respeito a urna coisa que certamente afeta a todos nós, aqui presentes, inclusive a mim, que é a questáo da aposentadoria do servidor público. Do jeito que está na Constituigáo é urna iniqüidade. Tenho sido um defensor intransigente da estabilidade do servidor público. O servigo público deve se basear em alguns principios: ingresso por concurso, promogáo por mérito e estabilidade. A estabilidade decorre das exigéncias específicas que o servigo público impóe aos seus quadros. A contrapartida da estabilidade tem de ser o ingresso por concurso e a promogáo por mérito. É um emprego onde só entra quem tiver um mérito verificado em concurso, e onde só se pode ser promovido com um mérito permanentemente avaliado na sua atuagáo. Isso impòe como contrapartida o conceito de estabilidade. Náo sou contra, urna vez que defendo um servigo público com estas características, a idéia da aposentadoria integral. Sou contra a aposentadoria integral ás custas do Sistema de Seguridade, pois isso é urna iniqüidade. Em se tratando de um plano do 42 funcionalismo, um plano especial de previdencia, ele tem de pagar por isso. Deve ser constituido um fundo de previdéncia dos servidores públicos da Uniáo, fora do Sistema da Seguridade, em regime de capitalizado parcial. E isso deve ser gerido simultaneamente pelo governo, que paga, e pelos servidores públicos, que além de pagarem, sao beneficiários, de forma que esse sistema possa prever, baseando-se cada vez mais em seus próprios recursos, a aposentadoria do servidor público. Isso tem que ser definitivamente extirpado do Sistema de Seguridade. As receitas da Seguridade nao podem comportar esse tipo de despesa, pela simples razáo de que aposentadoria de servidor público nao faz parte do conceito de seguridade. Falta-lhe o atributo essencial do direito universal de acesso. A seguridade supòe, necessariamente, o direito universal de acesso. O cidadào brasileiro, comum, nao pode ter acesso a esse sistema, a menos que se torne um servidor público. Ai está algo que precisa ser revisto. Outro ponto importante, até para que se possa impor regras e um padráo de concorréncia mais correto nesse mercado, é a criado da previdéncia complementar pública. Esse problema se arrasta desde a Constituido de 1988, e até hoje náo foi constituido esse sistema. Ele tem que ser regulamentado, tem que ser efetivamente constituido. A sua gestáo também tem que estar fora do Sistema da Seguridade, porque ele deve cuidar do regime geral de Previdéncia. Já a previdéncia complementar pública, deve ser entregue ao Banco do Brasil, urna instituido pública com alguma respeitabilidade e ser gerido lá. Isso é absolutamente necessàrio para que a sua melhoria, para que se faga urna regulamentado mais rigorosa dos fundos de previdéncia complementar privada, impor um padráo de concorréncia a custos reduzidos para este segmento da previdéncia complementar. Isso vai constituir, em pouquíssimo tempo, um fundo de recursos financeiros de dimensáo absolutamente fantástica, que pode ser um ponto de apoio para alavancar importantes projetos de crescimento económico neste país. Em todos os países do mundo, os fundos de pensáo sáo uma das principáis fontes da chamada poupanga para financiar o investimento produtivo. No Brasil, nao. Um outro ponto que gostaria de destacar diz respeito à centralizado das atividades de arrecadado e fiscalizado do conjunto das contribuigóes sociais em órgáo específico da pròpria Seguridade. Acho isso absolutamente vital para acabar com essa constante apropriagáo pelo Tesouro de recursos que sáo por direito da Seguridade. Mas, ao mesmo tempo, o Conselho da Seguridade deve ter autonomia para definir a sua política de aplicagòes financeiras, segundo parámetros e dentro de critérios e limites definidos por lei. Mas nào podem ser regras que impegam a Seguridade de dispor dos seus recursos para constituir as suas próprias reservas. Ao mesmo tempo em que estou defendendo a centralizagào da arrecadagào e da fiscalizagào e autonomia na gestáo dos recursos financeiros, deve-se ter uma aproximagáo crescente com outros órgáos do governo, para que se possa ter cruzamentos com outros cadastros existentes. Há uns dois anos atrás, por exemplo, houve um estudo da DATAPREV absolutamente desconcertante sobre a questáo da sonegagáo na RAIS. Fazendo um cruzamento do cadastro do DARP com o da RAIS, chegou a conclusóes fantásticas: primeiro, cobriram cerca de um milháo de empresas no cadastro da RAIS; desse milháo de empresas - os números 43 sào mais ou menos aproximados - 200 mil declaravam apenas RAIS e nào o faziam DARP - ou seja, 20% daquele universo que declaravam RAIS, nào o faziam DARP. Eles constataran! que, desse conjunto que simultaneamente declarava DARP e RAIS, a massa salarial declarada na RAIS era cerca de 15% mais alta do que a declarada na DARP. Essa distordo - e isso é que é espantoso, porque imagina-se que estes 15% podem estar distribuidos por milhares e milhares de pequeñas empresas existentes no país inteiro - tinha a seguinte distribuido: 50% dessas empresas tinham mais de 100 empregados; 60% eram empresas do Rio de Janeiro e Sào Paulo, e 70% pertenciam aos setores de industria e comércio. Entào, sào médias e grandes empresas, localizadas no Rio de Janeiro e Sào Paulo no setor industrial e de comércio. Portanto, um cruzamento sistemático com o cadastro da RAIS pode-se tronar um instrumento para urna política de combate à sonegagào extremamente eficaz. Reduzindo a sonegagáo em 20%, há um tal impacto sobre os dados anteriormente apresentados, sobre a receita da Previdéncia, que se torna superavitária em qualquer um dos cenários projetados para o ano 2010. Se fosse para montar um sistema de fiscalizado, se para fiscalizar fosse necessàrio tomar um barco, entrar no Rio Amazonas e ir lá longe, seria até compreensível alguma relutáncia. Mas nào se trata disso, mas de grandes empresas no eixo Rio de Janeiro-Sáo Paulo. Se isso pode ser feito com a base folha de salários, certamente, um cruzamento com os cadastros da Receita Federal, para coisas como COFINS e Contribuido sobre o Lucro também seria extremamente eficaz. Urna outra possibilidade seria o cruzamento com os cadastros do INCRA, para verificar o recolhimento das contrìbuigòes sobre atividades rurais. E acho que ai, certamente, temos um problema grave. Porque a previsào é de dispèndios crescentes com a equiparado da aposentadoria rural com a aposentadoria urbana, e a arrecadado sobre atividades rurais é cada vez mais baixa. A regra que a Constituido estabeleceu é muito clara. Se é urna empresa agrícola, eia tem que ser tratada como empresa e nào como produtor de base familiar, de quem se cobra sobre a primeira comercializado. Se é urna produdo familiar, tudo bem: cobra-se sobre a primeira comercializado. Mas há um conjunto mais ampio, cuja participado na produd 0 agrícola é crescente, de grandes empresas agrícolas que tem que ser tratadas como empresas. E até se poderia imaginar alguma coisa assim, como o Banco do Brasil ou a Caixa Económica exigirem o cadastramento dos trabalhadores no PIS para as empresas que se candidatarem ao crédito rural. Com isso ter-se-ia um cadastro no PIS de trabalhadores rurais que permitiría, cruzando isso com o sistema do DARP, aumentar a eficiéncia do sistema, além de ser um incentivo à formalizado do mercado de trabalho. Outra medida que tem urna certa conotado política, sem dúvida nenhuma, mas cujo efeito pràtico seria imenso, é a de tornar o Ornamento da Seguridade Social um ornamento exclusivamente finalistico. Quer dizer, neste ornamento estariam as receitas das contribuigóes sociais, e ali só poderia entrar o que fosse gasto finalistico na área de Previdéncia, Saúde e Assisténcia Social. O pagamento de pessoal tem que ir para o Ornamento Geral da Uniáo. Náo tem cabimento pagar, com recursos estritamente da Seguridade, a folha de salários do pessoal da Uniáo. Esse é um ónus que tem que entrar no Ornamento Geral da Uniáo. Hoje, com o conceito de Seguridade, aqueles mecanismos de protedo - que, aliás, nunca funcionaram - de comprometimento do Tesouro com determinado tipo de despesas, ou com as 44 insuficiencias financeiras do sistema, nao dáo conta da realidade. Se temos um ornamento finalistico, isso já implica que urna parte considerável das despesas da Seguridade alocadas ñas rubricas de pessoal e administrado já foram automaticamente para a conta do Tesouro, o que significa urna redugáo considerável de despesas. Se, além disso, conseguimos definir regras básicas de transferencia de recursos para as áreas de Saúde e de Assisténcia Social, de tal forma que o volume de recursos transferidos para essas áreas nao possam ser reduzidos e que essas diferengas sejam responsabilidade efetiva do Tesouro, teremos avanzado no sentido de dar urna garantía mínima às áreas de Saúde e de Assisténcia Social. Existem dezenas de propostas que tém essa finalidade de melhorar a eficiència e de tornar urna realidade o Sistema de Seguridade. Mas eu acho que o importante é isso: todas essas propostas tém a finalidade de aumentar a racionalidade do sistema, e garantir condigóes mínimas para o seu equilibrio financeiro no horizonte possível, sabendo que enquanto a política económica tiver um caráter recessivo, enquanto este país estiver afundado na recessào e com urna inflagáo superior a 25 % ao ano, qualquer situagáo de equilibrio estará sempre colocada sob permanente ameaga. O importante é que todas essas sugestóes tém esta característica: elas tém por finalidade preservar o caráter integrado da Seguridade, estabelecer a sua autonomia financeira e orgamentária e garantir o caráter democrático da sua gestào. E só isso pode fazer com que se torne realidade, neste país, o Sistema de Seguridade. Se conseguirmos isso, ai será o momento de avangarmos mais nessa discussáo, eliminando ainda algumas distorgóes, revendo o seu escopo, alterando os critérios de concessáo de beneficios, do seu padráo de financiamento, rediscutindo essa questáo dos limites de renda para acesso aos beneficios previdenciários, rediscutindo a sua forma de financiamento. Mas acho que, no momento, o nosso objetivo principal, 5 anos passados da aprovagáo da Constituigáo, ainda é o de consolidar o Sistema de Seguridade e torná-lo urna realidade neste país. Obrigado. Marcelo Viana Estevao de Moraes (Coordenador)- Quero agradecer ao Dr. Aloisio Teixeira por sua brilhante exposigáo, urna exposigáo que foi até bastante ousada diante de outras posigóes defendidas neste forum, mas que foi muito bem fundamentada e que, com certeza, vai ajudar a alimentar o nosso debate. Lamento náo ter podido fazer deste evento de hoje um debate entre o Dr. Aloisio Teixeira e o Dr. Francisco de Oliveira, do IPEA, que tém algumas divergèncias a respeito da questáo previdenciária. Mas isso só foi impossível por urna simples questáo de agenda. Pela ordem das inscrigóes, passo a palavra ao Dr. Celerino. Celecino de Carvalho Filho - Meu caro Aloisio, recebi como um bálsamo as suas consistentes consideragóes. Fago parte, mesmo como figurante, desse grupo, provavelmente em extingáo. Porque náo tenho dúvidas quanto á viabilidade do Sistema de Seguridade. Feita essa preliminar, náo tenho dúvidas atrozes, embora gostaria de explorá-lo mais um pouco, dado que esta é urna oportunidade excepcional. A primeira pergunta diz respeito àqueles 45 cenários que vocè nos apresentou. No cenário otimista, salvo engano, na projegào paia o ano 2010, a folha de salários representarla urna receita de 5,8% do PIB e as despesas com beneficios 4,2%. Em 1982, arrecadou-se praticamente 5% do PIB e as despesas com beneficios chegaram a 4% do PIB. Entáo, reforjando o que vocè disse, é incrível que, 30 anos depois, a r e l a j o tenha piorado, ou praticamente se mantido. Entáo, que tipo de política econòmica se espera para esses próximos 30 anos? A mesma, ou urna deterioralo ainda maior? No meu entendimento, só isso já desmonta toda a elaboragáo desses cenários. Ou seja, será que vai permanecer essa situagào de degradado econòmica e social do país, agravada por essas políticas económicas que a gente já conhece? Com um cenário desses, realmente náo vamos ter soludo alguma. Náo só náo teremos urna soludo para a Previdència como também náo teremos urna soludo para o país. Essa questáo eu considero da maior releváncia. Quando vocè afirma, por exemplo, que náo existiría problema de financiamento da Previdencia mas sim no financiamento da Saúde e da Assistència, náo existe ai algum risco nessa separado, exatamente quando vocè defende tanto a unificado? Náo fica um pouco contraditório? Eu sei que, na verdade, essa foi urna tentativa de mostrar que se vincularmos a folha de salários á Previdència, o problema de financiamento da Previdència estará resolvido e que faltam recursos para a Saúde e Assistència. Mas, mesmo assim, eu fico meio preocupado com esta contradigáo. Outro ponto que vocè abordou, e sobre o qual eu gostaria de ouvir um pouco mais, diz respeito à ambigüidade da expressáo "mediante contribuido". Náo estaría ai havendo urna confusáo quanto áquilo que é beneficio mínimo, que é de caráter assistencial, e que, portante, independe de contribuido, e a contribuid 0 para os beneficios previdenciários ? Porque eu náo defendo o piso mínimo para todo mundo. O teto, no meu entender, deveria ficar entre 5 e 10, mais para 5 do que para 10, por razóes decorrentes da estrutura salarial do país. Quando vocè diz que náo deveria existir o "mediante contribuido", fico um pouco preocupado porque, em 1990, surgiu urna proposta da equipe económica que quería um piso de um salário-mínimo para todo o mundo. Portante, eu defendería a permanencia da expressáo "mediante contribuido" para que fosse mantido um teto maior para a Previdència. Quando vocè fala na criado do Ministério da Seguridade Social, esta seria até, eu diria, urna decorrènda natural do que está colocado na Constituid 0 - No grupo que eu coordenava, nos primeiros dois anos, nós defendíamos também essa idéia. Depois mudamos um pouco, tendo em vista a realidade do sistema, o seu descomunal tamanho e o seu descontrole, sobretudo por causa da questáo política: o Ministro é de um partido, o Presidente é de outro, náo há urna harmonía na a d ° administrativa. E isso tem nos preocupado enormemente. Na medida em que tudo se concentra num grande Ministério, as coisas ficam mais difíceis. E seria realmente um ministério gigantesco. Náo esquejamos que, no nosso tempo, lá no outro prèdio, havia o Ministério da Previdència, mas era praticamente um mini Ministério da Seguridade: tratava de uns 80% da Saúde, de toda a Assistència, e de toda a Previdència. Tratava-se de um Ministério da Seguridade, com todos esses problemas. E eu imagino a dificuldade para coordenar as agóes de todos os órgáos. Claro que isso seria o ideal. Mas receio 46 que esse gigantismo, em fungáo da nossa cultura política, crie dificuldades dessa ordem. Como entregar para um só ministro tantas responsabilidades? Seguramente, se ele conseguir desempenhar suas fungóes a contento, será o próximo Presidente. Concordo plenamente com vocé na questáo da existéncia efetiva de um Conselho Nacional da Seguridade Social. Deveriam existir dois Ministerios e mais um órgáo para cuidar da agáo social, sob a coordenado do Conselho Nacional de Seguridade Social. Evidentemente, nao do jeito atual, porque lhe foi retirado aquilo que é mais fundamental: a aprovagáo orgamentária e, conseqüentemente, a definigáo de suas diretrizes. Gostaria de ouvir um pouco mais sobre isso: ou seja, em vez de um Ministério da Seguridade Social, em fungáo dessa nossa cultura, por que náo manter um Ministério da Agáo Social, ou até algo parecido, para ficar bem claro qual é o lugar do clientelismo, cuja coordenagáo seja do Conselho da Seguridade? Essa questáo da gestao pública é fundamental. Ao citar a aposentadoria do servidor público, vocé náo falou nos outros regimes, dos parlamentares, dos militares, e dos juízes. Para acertar tudo, ou seja, usando um chaváo muito em moda, para passar a limpo isso ai, tem que incluir os outros regimes. A questáo da estabilidade é questionável, mas os seus argumentos sáo impecáveis nesse sentido. Os servidores públicos tém urna aposentadoria integral, financiada pelos trabalhadores celetistas. Náo seria o caso de ter urna previdéncia complementar, já que se trata de renda? Urna possível solugáo seria eles contribuiírem para a previdéncia básica e para a complementar, com teto estabelecido. Essa discussao vai ser muito boa para essa revisáo constitucional que se avizinha, se é que ela vai acontecer. Aloísio Tetxeira (Conferencista) - Eu quería agradecer ao Celecino, que foi do tempo do Ministério e que continuou sendo, mesmo depois da minha saída, um companheiro de debates. Em muitos pontos a gente náo tem concordado, náo é Celecino? Mas acho que, no essencial, existe urna convergéncia de intengóes em relagáo a isso. E acho que isso é bom. Se os problemas fossem simples, eles já estariam resolvidos. E estamos diante de um problema de grande complexidade. Quando apresentei aquelas projegóes, na verdade, eu tinha um objetivo muito claro. E digo isso até ¡sentando de responsabilidade o pessoal que as produz. Mas é que, em geral, esses dados com sinalizagáo de déficits crescentes para o sistema como um todo, foram a base de defesa da reforma da Previdéncia. Dizia-se: o déficit projetado é de 8% e é preciso mudar a Previdéncia. Ora, náo só essa proposta implode o Sistema de Seguridade, como pega a Previdéncia e lhe dá um outro formato, um outro tratamento. Eu acho que essa discussao tem sido toda enfrentada de urna forma extremamente ideologizada e muito pouco rigorosa. O modelo de previdéncia chileno tem sido mostrado como um exemplo de urna coisa fantástica, que mudou tudo. Mas acho que a discussáo sobre o modelo chileno tem sido muito superficial. A grande mágica que o modelo chileno fez foi a de pegar o estoque dos beneficios em manutengáo, jogá-lo na conta do Tesouro e inaugurar um sistema inteiramente novo. Qualquer sistema inteiramente novo, num horizonte de 10, 15 ou 20 anos, será altamente superavitário, 47 porque o ingresso de receitas é grande e crescente e os beneficios a pagar crescem de forma mais lenta. O que aconteceu no Chile foi exatamente isso: fizeram esta mágica, jogaram na conta do Tesouro e nos primeiros 10 anos de funcionamento do sistema chileno os gastos públicos com previdência, que foi o que se quería eliminar, cresceu. Portante, náo se resolveu o problema do Tesouro, e ainda se criou um sistema de previdência que é altamente regressivo. Nós somos um país com condiçôes sociais muito piores do que as do Chile. Se nao pensarmos em criar um sistema que seja adequado a esta realidade, ficaremos em apuros no futuro. Quero ressaltar que náo se trata dos trabalhadores do mercado formal de trabalho, e da classe média empregada nos setores público e privado, mas de urna massa de miseráveis, sub-empregados ou empregados em condiçôes extremamente desumanas, que tem que ser objeto de um sistema de proteçâo apropriado. Para discutir a seguridade, é um equívoco radical partir-se da equaçâo do equilibrio financeiro, das equaçôes matemáticas atuariais, e náo das demandas sociais efetivas no país. Esse deve ser o ponto de partida da discussâo. A partir daí, podemos construir os modelos de equilibrio financeiro possíveis, e os mecanismos de financiamento adequados para sustentar programas que signifiquen! um avanço para o país. A minha intençâo, ao mostrar aquelas projeçôes, foi apenas demonstrar que há urna falácia nesses argumentos. Porque se toma o dado agregado de urna projeçâo de déficit, o que em si mesmo é discutível, e, a partir daí, se quer reformar um sistema que é superavitário estruturalmente, pelas contas que sâo apresentadas. Eu nem discuti se sáo certas ou náo. Mas, mesmo por aquelas projeçôes, a Previdência, strictu sensu, é superavitária. Creio que existe urna grande ilusáo de reformismo. Há uns dois anos atrás, o presidente de urna associaçâo de classe fez urna proposta, que depois foi encampada pelo deputado Roberto Campos, que era a absoluta liberdade de mercado para o sistema previdenciário. Cada um teria a liberdade de prover a poupança para o seu futuro como bem entendesse. Entáo, uns juntariam um dinheirinho, outros entrariam para um fundo privado, e os que náo quisessem poupar morreriam de fome depois que ficassem velhos. Ora, imaginar urna coisa como essa num país como o Brasil é de urna insensiblidade brutal. Além dessas propostas que desconhecem ou que fingem desconhecer essa realidade, acho que há urna grande ilusáo de reformismo, que, muitas vezes, atinge pessoas interessadas em melhorar o sistema. Acho que urna dessas ilusôes é esse problema a que o Celecino fez mençâo, da vinculaçâo das fontes. Acho que a vinculaçâo das fontes é um grande equívoco. Os nossos companheiros da área médica, que trabalharam conosco naquele período, lutaram fortemente para conseguir urna fonte própria para a Saúde. O pessoal de Assisténcia Social, na esteira desse movimento, também queria urna vinculaçâo de fontes ou, pelo menos, um percentual fixo do orçamento para a área de Assisténcia. Eu acho que isso é um grande equívoco. Porque nao garante aquilo que se quer, que é a disponibilidade de recursos para os programas da área de Saúde, de Assisténcia e mesmo de Previdência. E, além disso, cria urna camisa de força para a política social. A idéia de um Orçamento da Seguridade, com fontes definidas, urna agenda e urna pauta de despesas também definidas, é o melhor. Porque ela dá urna certa liberdade. Quai é o 48 problema? O problema é que há urna carência de recursos efetivos - e eu diria que por mais catastróficas que sejam essas projeçôes, isso é um fato real - para se sustentar programas ñas áreas de Saúde e Assistência Social. E isso é urna necessidade. Esta terá que ser urna opçâo da sociedade brasileira, e urna opçâo de natureza politica. E o meu problema é que a situaçâo é insustentável com a recessâo e com a inflaçâo que a gente tem. Nâo há horizonte possível de equilibrio financeiro, e nâo haverá disponibilidade maior de recursos fiscais se a situaçâo do pais permanecer como está. Mas essa é urna questâo que transcende a Previdência, mas que diz respeito a todos nós, como servidores públicos, como servidores da Previdência e da Seguridade e, também, como cidadâos. Temos que batalhar para que isso mude. Vincular fontes, nâo é apenas consolidar a fragmentaçâo do sistema mas, também, criar urna camisa de força e gérar urna ilusáo, cujo resultado nâo será positivo. Este foi um ponto que o Celecino destacou, e sobre o quai eu quería frisar a minha opiniâo. Sou a favor do Sistema de Seguridade tal como está. Quanto à contribuiçâo - o fato de que na Constituiçâo existe a expressáo mediante contribuicáo - essa é urna questâo complexa. O Celecino é testemunha de que talvez eu tenha sido o primeiro, neste período mais recente, a formular urna proposta escrita para eliminar a contribuiçâo dos trabalhadores. Nós discutimos muito isso no Rio de Janeiro e em Brasilia - o Celecino era contra. Todavia, eu achava que isso daria um formato mais consistente ao que seria um Sistema de Seguridade. Na minha proposta, constava a limitaçâo dos beneficios a 5 salários-mínimos, e a eliminaçâo da contribuiçâo dos trabalhadores. Com isso, se criando urna capacidade de poupança para que aqueles que recebem mais de 5 salários-mínimos poderem se filiar a um sistema de previdência complementar, fosse ele público ou privado. Essa minha proposta foi pessimamente aproveitada nos tempos em que a gestáo deste Ministério andou um pouco atrapalhada. A minha proposta visava ao aprofundamento do Sistema de Seguridade. Achando que eia estava sendo utilizada por interesses que, na verdade, queriam destruí-lo, eu a recolhi. Hoje, mesmo quando abordo isso, falo de um ponto de vista estritamente conceitual. Mas esta nâo é urna questâo na quai eu esteja trabalhando atualmente. O nosso objetivo principal deve ser a consolidaçâo do sistema, o seu aprofundamento. Numa próxima rodada de discussóes, essa questâo deverà voltar a ser discutida. A minha proposta era boa, porque criava um regime geral, válido para quem ganha até 5 salários-mínimos, o que corresponde a aproximadamente 80% da nossa força de trabalho, e que, ao mesmo tempo, criaria condiçôes para que um sistema de previdência complementar, e, particularmente, um sistema público, pudesse se viabilizar e se constituir num fundo importante, nao apenas para sustentar um programa de previdência complementar, mas para alavancar projetos de desenvolvimento. Portante, aquela era urna proposta boa, apesar de pouco adequada ao estágio atual da discussáo. Essa é urna questâo que aceito discutir, mas nâo como um problema que esteja na minha cabeça, na ordem do dia, pronto para ser mudado. A gestáo unificada é um problema grave porque, evidentemente, a constituiçâo de um Ministério da Seguridade cria um gigante. O fracionamento da Seguridade em vários ministérios, ainda que se constitua um Conselho de Seguridade com efetiva capacidade de gestáo, gera um 49 conflito interburocrático insolúvel. Assim, náo sei o que é pior: ter um Ministério de grandes dimensôes, com todas as dificuldades de gestáo decorrentes, ou urna gestáo ineficiente, devido ao fracionamento e ao conflito interburocrático que isso gera - esse ponto merece muita discussáo. Na verdade, o projeto que passava pela questáo da Seguridade tinha urna contrapartida de descentralizaçâo de açôes de Saúde e de Assistência Social, que era vital para o seu funcionamento. Esse imenso ministério seria encarregado da gestáo, planejamento, controle e fiscalizaçâo de açôes de Saúde, e de Assistência Social, nâo tendo, todavia, peso executivo nessas açôes, tal como se mantém até hoje. Se houvesse avanços na consolidaçâo do SUDS, se tivéssemos efetivamente acabado com a LBA, o CBIA, o INAMPS, e essa coisa toda, poderíamos ter criado um sistema mais racional e eficiente. É impossivel, de Brasilia ou de qualquer locai onde esteja sediada urna burocracia central, dirigir políticas de saúde ou implantar açôes de assistência social, num país com as disparidades do territòrio brasileiro. Iríamos gerar um monstro, uma ineficiência gigantesca, focos imensos de corrupçâo. Se as coisas tivessem avançado nessa direçâo, pode ser que esse ministério, mesmo grande, nâo tivesse a dimensâo elefantina que teria se todas as açôes executivas nele permanecessem. Existe um problema de gestáo, como o Celecino apontou, que ainda devemos discutir bastante, a firn de ver quai o formato institucional que a Seguridade deve ter. Ainda sou defensor do Ministério da Seguridade, embora considere esse um problema complicado. No que se refere aos outros regimes, concordo com o Celecino. Náo falei sobre isso, mas é um absurdo a aposentadoria precoce dos parlamentares, dos juizes, e considero que os militares devem ser tratados como servidores públicos, tal como nós todos, e o que valer para nós, deve também valer para eles, e vice-versa. O servidor público poderia perfeitamente participar do regime geral de previdéncia e ter acesso a uma previdência complementar, tal como qualquer outro cidadâo brasileiro. Nâo tem porque se conceder privilégios a nós, que somos funcionários públicos, e financiar isso com recursos de toda a sociedade e, em particular, com recursos que têm como destino a Seguridade. Marcelo Viana Estevâo de Moraes (Coordenador) - O Celecino vai ratificar um dado fornecido por ele. Celecino de Carvalho Filho - O Aloisio me deixou emocionado e eu me enganei nesse dado que considero da maior relevância. Eu falei inicialmente em 7%, e depois me corrigi. Em 1982, que foi um ano reconhecidamente de alta recessâo, a arrecadaçâo bancària que corresponde basicamente à folha de salários, foi de 5,91 % do PIB e a despesa com beneficios naquele ano foi de 3,89%. Agora vem a conclusâo que é exatamente na linha defendida pelo Aloisio. A previsâo do cenário otimista, que ele apresentou é de 5,8% no ano 2010. Quer dizer, grande maravilha: 30 anos depois nós estaremos com uma participaçâo da folha de salários no PIB inferior à de 1982. E a despesa com beneficios seria de 4,2%, ou seja eia teria crescido très 50 décimos e pouquinho, motivo insuficiente para justificar a reforma da Previdencia. Entào, corno é que a Previdència está quebrando o país, se até nessa projegáo, que deve ser considerada estúpida... Aloisio Tebíeira (Conferencista) - Estúpida, porém isenta. Celecino de Carvalho Filho - Sim, estúpida, porém isenta, exatamente por isso. Ora, 30 anos depois, a distribuirà0 dos beneficios será praticamente a mesma. Entào, como é que a Previdència está quebrando o país? Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Vou passar a palavra ao Dr. Itamar. Itamar Hemes da Silva - Sou da Secretaria de Relagòes do Traballio. Prof. Aloisio, o senhor se manifestou favoravelmente à manutengo do atual sistema de Seguridade Social, como colocado hoje na Constituido. Eu confesso ao senhor que ai eu desanimei. Vou tentar fazer algumas considerares para a su a análise. O atual sistema náo distingue a Saúde pública, a Assisténcia Social e a Previdència. Ora, saúde pública è urna questáo de governo, com recursos governamentais dos trés níveis. A Assisténcia Social é responsabilidade da sociedade. Existe para o atendi mento ao carente, à crianza, ao idoso, etc.. Para isso já tem as fontes: COFINS, PIS/PASEP, etc.. Já Previdència Social é exclusivamente daqueles que participam e efetivamente para eia contribuem, para um beneficio futuro, segundo cálculos atuariais. Bem, o que resulta desse sistema misto? Urna incidencia brutal sobre a folha de salários. O senhor sabe que a incidència sobre a folha é de mais de 100%, quando nos países europeus essa incidència anda por volta de 40%. Os recursos da área social, como o senhor sabe, sáo precaríssimos. A situado ainda é pior na área da saúde pública. Onde váo esses recursos, se nós sabemos que a arrecadad 0 da Previdència Social só é superada pelo Ornamento da Uniáo? O que resulta disso ai? Resulta que a Seguridade Social é de todos os brasileiros indistintamente. Ai nós temos o clientelismo, temos situares extraordinárias, e tudo se joga na Previdencia Social, às custas da arrecadad° que deveria ser do contribuinte. E ai temos a aposentadoria aos 8 anos dos congressitas, temos o juiz classista, o anistiado, etc.. Como é que poderemos consertar essa situad 0 se mantivermos essa atual estrutura que nao está servindo a nenhuma das très partes envolvidas? Estou apresentando esta questáo à sua consideraQào: se eu tenho razào em perceber que as deficièncias do nosso Sistema de Seguridade decorrem exatamente dessa falta de discussào sobre o tema? Aloisio Teixeira (Conferencista) - Queria agradecer-lhe pelas suas observapòes, e quero declarar o seguinte: eu tenho o maior respeito pelas opinióes que sào diferentes da minha e nào tenho nenhuma intengào de me apresentar como dono da verdade, que, na realidade, é algo que ninguém domina. Se os problemas fossem simples, certamente estariam resolvidos. 51 O conceito que está implícito na sua observagáo é bastante diferente do meu. Quero frisar, destacar essa diferenga conceitual para que possamos inclusive nos entender. O senhor disse aqui que saúde pública diz respeito ao governo, que assisténcia social diz respeito à sociedade e que previdéncia é urna questáo daqueles que participam do sistema e para ele contribuem, fazendo jus a um beneficio. Eu acho que náo. Acho que a sociedade brasileira tem urna estrutura extremamente complicada. Esse conjunto de problemas é, na verdade, simultaneamente, do governo, da sociedade, e dos diferentes individuos que a compoem. O terreno que une esses diversos atores é exatamente o terreno da protegáo social ao cidadào, e, em particular, ao cidadáo que trabalha. Quando se tem um país com um perfil de distribuito de renda extremamente cruel e com um grau de informalizagáo enorme, restringir a protegáo previdenciária ao individuo que contribuí, significa ter um sistema de Previdéncia para urna minoría. Veja bem: e náo é porque a maioria náo trabalhe. É porque a maioria, trabalhando, náo tem acesso aos mecanismos formáis que lhe permitam ter acesso aos beneficios. Essa é urna realidade com a qual temos que nos defrontar. Eu náo quero um Sistema de Seguridade direcionado exclusivamente para o lado moderno deste país, mas um que dé conta do lado moderno e que se dirija, principalmente, para o atendimento às necessidades do imenso lado atrasado que compóe este país. Esse é o grande drama do capitalismo. Conseguimos, em 30 anos de industrializado, elevar o Brasil ao nivel da 8 o ou 9 o economia do mundo. Talvez nenhum país, fora talvez os da extinta "cortina de ferro", tenha tido urna trajetória de crescimento industrial táo intensa como a do Brasil, durante os anos que váo da metade da década de 50 até o final da década de 70. E, no entanto, completamos esse processo de industrializado básica da nossa economia, maniendo todos os tragos da sociedade que nos antecedeu no que respeita á questáo social. Mantivemos um país que é um primor de atraso, um primor de má distribuido de renda. Há uns 100 anos éramos urna minoría de senhores e urna massa de escravos sem nenhum direito, escravos que tinham urna cultura diferente, falavam urna lingua diferente, que tinham urna cor diferente e que se vestiam com roupas que eram diferentes das roupas da elite. Essa situado de desigualdade é urna situado que, 100 anos depois, ainda permanece. Se cada um de nós andar de ónibus, frequentar os lugares onde esses 80% da populado que recebe menos do que 5 salários-mínimos vive, verificaremos que eles tém urna cultura diferente, urna lingua diferente e que vestem roupas que náo sáo iguais ás que nós vestimos. Eu compro um temo de linho que custa 5 salários-mínimos, enquanto eles vivem o més inteiro com muito menos. Queremos um sistema de protegáo social para nós, um sistema social para esses 80%? Porque, dependendo do que quisermos, das políticas que formulamos, das instituigoes que forem montadas, poderemos agravar ainda mais esse fosso existente na nossa sociedade, com urna riqueza cada vez mais concentrada de um lado e urna misèria cada vez mais difundida do outro. É com isso que temos que acabar, porque ainda que inconscientemente, somos sócios - minoritários, é claro - desse processo brutal de concentrado de renda e de riqueza que existe neste país. Por piores que sejam os nossos salários, por mais que a gente reclame, temos sido sócios minoritários desse processo. Ou a gente introjeta a necessidade de fazer mudangas, ou 52 pode nào existir país nenhum no ano 2010, o ano das projegóes com as quais estamos trabalhando. Existe um problema de natureza conceitual que temos que atacar e discutir. Nao podemos estar satisfeitos com essa situagào só porque temos urna conta remunerada no banco que nos protege da inflagào. Nào podemos estar satisfeitos porque podemos participar de um sistema complementar de previdéncia, para o qual devemos contribuir a firn de fazer jus ao beneficio, quando 80% deste país nào sabe se trabalha hoje numa coisa, amanhà em outra, quando hoje tem carteira assinada, amanhà nào tem e vive numa confusào de relagóes trabalhistas que nào sào próprias de um país que construiu a 8° maior economia do mundo. Nós vivemos no meio de um atraso que é um atraso destrutivo, o qual nós temos que mudar. Fago questào de marcar minha posigáo porque pode parecer que sou um defensor do status quo deste país. De maneira alguma. O Sistema de Previdencia que nós construímos foi pèssimo. O Sistema de Seguridade que ainda nào foi construido certamente è pèssimo. Mas nào se resolve isso considerando o problema da Previdéncia como um problema individual, o problema da assisténcia um problema da sociedade - até porque a sociedade, nesses 100 anos pós-libertagáo dos escravos já demonstrou sobejamente que eia nào trata dessa questào - como nào se pode dizer que saúde é um problema do governo. O sistema de Previdéncia é pèssimo: ele se constituiu de urna forma equivocada, ele foi sistematicamente, em toda a sua história, um instrumento de clientelismo. Em primeiro lugar, um instrumento de clientelismo de base sindical. Quando veio a ditadura, eia introjetou isso no sistema político. As decisóes foram tomadas e as nomeagóes foram definidas por critérios exclusivamente políticos, sem nenhum respeito à técnica; é urna coisa clientelista, um foco permanente de corrupgào. E é claro que isso tem que acabar. Mas isso nào acaba se a gente segue o seu preceito, mas se a gente enfrenta a situagáo, concebendo tudo como um sistema público, e lutando para mudar coisas que vào muito além da Previdéncia e que dizem respeito a urna cultura arraigada no Brasil, particularmente por parte das suas elites, que nào leva a lugar nenhum. O que faziam os senhores de escravos há cem anos atrás? Mandavam os seus filhos estudarem na Europa. Eles tocavam piano nos saraus, e falavam francés. E era tudo gente ilustre. E o que faz hoje a nossa elite? Que compromisso eia tem com o nosso país? Eia tem urna mentalidade estrangeira. Eia quer tudo hoje, aqui, agora. E, podendo, alavanca o que faz aqui dentro para ser VIP là fora. Eia quer ter urna casa em Miami, urna filial de sua empresa na Europa ou nos Estados Unidos, e nào tem nenhum compromisso com o projeto nacional. Ou a sociedade assume que isso tem que acabar, ou nào vai ter solugào para nenhum problema deste país. E nào adianta privatizar ou considerar que esse é um problema de natureza individuai e que, contribuindo, faremos jus a um beneficio. Nào teremos beneficio algum. Teremos que viver ilhados, murados, com seguranga na porta para poder sobreviver. Marcelo Viana Estevào de Moraes (Coordenador) - Passo a palavra à Conceigào. Conceigào - As minhas perguntas foram quase todas roubadas pelo Celecino. Talvez porque já trabalhamos muito perto um do outro, entào a sua palestra despertou mais ou menos 53 as mesmas dúvidas em ambos. Sobrou-me apenas a defesa do Ministério da Seguridade Social, embora com medo do elefantismo, como todo mundo tem. É preferível um Ministério da Seguridade Social, enfrentando o elefantismo com todos os mecanismos que já utilizamos anos atrás no nosso INPS gigante do que a fragmentado que temos hoje. Essa fragmentado é que desmembrou e destruiu toda a Seguridade. Outra questáo é a ingovernabilidade que seria causada pela Constituid 0 - Vocé comegou a sua conferéncia afirmando que o Presidente da época teria dito que o país era ingovernável por causa do capítulo da Previdéncia Social. Eu fíz urna pesquisa rápida, mas parece-me que nao foi só pelo capítulo da Previdéncia que ele teria falado da ingovernabilidade do país. Nós estamos provando, aqui nesses debates, que, realmente, a Previdéncia é distorcida mesmo. Eu nao me apresentei no inicio mas vou me apresentar agora. Tenho 32 anos de Previdéncia Social, completados dia 6 de fevereiro. Sou do tempo dos IAPs, do Instituto de Aposentadoria dos Marítimos, acompanhei a unificado, ou seja, a criad 0 do gigante; depois acompanhei também o desmembramento do gigante, com a criado do SINPAS. E tudo isso me faz crer que o Ministério da Seguridade Social ainda é a grande solugáo. Quanto ao SUDS, gostaria de falar um pouquinho. Eu náo sou contra os SUDS. Inclusive, eu participei da sua elaborado. Sou contra a forma como ele se desmembrou. Sou contra, por exemplo, termos urna autarquía no Ministério da Previdéncia e repassarmos recursos para o Ministério da Saúde através da administrado indireta. Isso náo está certo. E, naturalmente, vocé me dirá: nós custeamos, mas nao temos o controle. E eu me lembro de que o Celecino disse que um fato gerador de grandes dificuldades para o Ministério é que, ás vezes, o Ministro é de um partido e o Presidente é de outro. Imagine lá na ponta, os governos estaduais e as prefeituras? Como é que chegam os recursos que sáo enviados? Chegam ou náo? Daf eu ter dito que o SUDS está urna negado: náo como ele foi concebido, mas como está sendo gerido agora. Porque a responsabilidade pelo custeio continua sendo toda da Previdéncia Social. Esse negócio de dizer que o municipio dá 1 % e que o Estado dá "zero vírgula náo sei quanto" é pura balela e todos nós sabemos disso. Deixo a vocé a imcumbéncia de comentar essas minhas observagoes. Aloísio Teixeira (Conferencista) - Vou falar duas coisas: primeiro, que concordo com vocé sobre a organizagáo do sistema estar péssima. Porque o SUDS e o SUS náo foram a lugar nenhum. Continua sendo um sistema altamente centralizado, onde existem problemas na transferencia de recursos de um Ministério para outro, náo existe controle algum. Na verdade, acho que se a gente está se preparando para um processo de discussáo maior com a sociedade, deveríamos repensar qual o modelo ideal ñas condigoes atuais. Do meu ponto de vista, acho que deveria haver um Ministério da Seguridade, com um Conselho que funcionasse efetivamente, com urna burocracia baseada nesses critérios que eu enunciei aqui e com as políticas de Saúde e de Assisténcia Social descentralizadas, o que significa o desmonte do INAMPS e da LBA, que sáo estruturas extremamente complicadas. E acho que se fizermos esse desenho ideal e se nos pusermos minimamente de acordo sobre ele, pode ser até que tenhamos influéncia nesse processo de discussáo. 54 Quero falar sobre a governabilidade. É claro que, naquela época, todos nós estávamos apaixonados pelas conquistas da Constituido, e pode ser até que o entendimento e a lembranga tenham tornado a expressáo utilizada pelo Presidente muito mais exagerada do que a que foi realmente dita. Mas essa nào é a questáo relevante, porque o Brasil enfrenta urna crise de governabilidade que nào decorre especificamente deste ou daquele ponto da Constituido. Na verdade, no Brasil, os fundamentos estruturais da governabilidade encontram-se profundamente abalados. Este foi um país que durante décadas cresceu sem parar. Eu falei anteriormente que na década de 60 a renda per capita havia dobrado, o que também teria ocorrido na década. E esse crescimento acelerado nao resolveu nenhum de nossos graves problemas sociais, pois o pròprio dinamismo desse crescimento criava condigòes para que estes problemas fossem amortecidos. E o país dava urna impressào de governabilidade. Quando parou de crescer, devido a urna profunda crise estrutural, iniciada nos anos 80 e que se prolonga até hoje, decorrente do pròprio éxito do processo anterior e das mudangas que estáo acontecendo no mundo, essa impressào se dissipou. De repente, fizemos urna industrializagào intensivissima durante 25 anos, mas que tinha a seguirne característica: a sua dinámica, a sua lógica, foi inteiramente comandada por um processo crescente de internacionalizagào da economia mundial. Os setores líderes do crescimento aqui dentro, as empresas líderes, eram todas grandes empresas intemacionais e algumas grandes empresas públicas. Esta situagáo mudou inteiramente nos anos 80. Houve urna mudanga no chamado paradigma tecnológico. Isso tem um efeito de exclusáo da periferia muito forte. Ocorreu urna crise financeira global de grandes proporgòes e a base dofinanciamentoque se fez em cima do endividamento externo cessou da noite para o dia. Nào há mais acesso para países como o Brasil ao mercado voluntário de crédito internacional. Os Estados Unidos, que era o nosso pai e que foi um grande exportador de capitais durante todo este século, náo só deixou de ser exportador de capitais, como se tornou o grande mercado receptor de capitais do mundo todo. A geografía do chamado investimento externo mudou inteiramente nos anos 80. E nós, que haviamos crescido segundo um padráo, de repente, náo temos como continuar a crescer. As multinacionais nào investem mais no Brasil. Elas tem que resolver os problemas lá no primeiro mundo. E o que acontece em virtude dessa cessagáo dos mecanismos de crescimento? A inflagáo dispara. O processo de fragmentagáo da sociedade brasileira vai se evidenciando, a questáo social e a questáo regional váo se agravando, e fica evidente que a elite económica náo tem nenhuma relagáo com a elite política. É inútil citar nomes de alguns deputados muito conhecidos como representantes da nossa elite empresarial paulista, ou da elite agrària do Nordeste. Entáo, isso representa um processo de fragmentagáo geral da sociedade brasileira. E nisso é que está a base da nossa ingovérnabilidade. Nenhum governo, na década de 80, conseguiu governar este país. Os militares nào conseguiram governar, e foram obrigados a passar o governo adiante; o Presidente Sarney enfrentou enormes dificuldades; aquele que se seguiu teve dificuldades maiores ainda e o atual, que é um Presidente bem intencionado, preocupado com as questóes que afligem o povo brasileira, também enfrenta gravíssimos problemas de governabilidade. E náo foi por acaso que isso se deu. Isso está associado ao processo de fragmentagáo da sociedade brasileira, que abalou as bases estruturais da governabilidade. 55 Ou repensamos isso tudo e passamos a ver a questào inflacionária, a questào do erescimento, etc., como partes de um processo maior, ou tentaremos resolver problemas ¡solados, e nào conseguiremos resolver coisa alguma. ' Marcelo Viana Estevào de Moraes (Coordenador) - Passo a palavra à Sra. Sandra Almeida. Sandra Almeida - As pessoas que falaram antes abordaram a maior parte das minhas dúvidas. Na verdade, o que eu senti quando o Aloisio estava expondo, è que, ao tentar defender urna posigào de manutengào do conceito de Seguridade Social diante dos incessantes ataques que esse conceito vem sofrendo no periodo recente, ele se armou de algumas informales que eu dina que, de certa forma, vào contra a sua intengào. Nào é que vocè defenda a manutengào da atual Previdencia Social. É claro que eu entendí que vocè tem propostas de mudanga para o atual sistema , de forma que ele possa se transformar para ser coerente com o conceito de Seguridade Social que está na Constituigáo. Mas vocè usou algumas informagòes retiradas de trabalhos que mostravam um déficit enorme na Previdència Social. Essas pessoas, ao demostrarem esses problemas financeiros, partiram para a defesa de urna proposta de privatizagào. Vocè quería defender o conceito de Seguridade Social e apresentou os mesmos dados, com algumas revisòes, mostrando que a Previdència Social é viável. Ai eu diría que nào concordo inteiramente com esta afirmativa. A Previdència precisa ser alterada. Além dos dados utilizados, eu trabalharia também com a relagào Contribuigáo sobre a folha de salários/Despesas com Beneficios. Essa relagào, que ficava em torno de 60% em 1985-1986, particularmente após a Constituigáo, e principalmente depois de 1991 - quando foi para 85% -, vem sendo alterada. Em 1992, foi quase 90% e, em 1993 se estima que chegue a 100%. Isto é, espera-se que a despesa com beneficios venha a comprometer 100% da arrecadagáo com base na folha de salários - era de se esperar. E isso nào è culpa da Constituigáo. A Constituigáo estabèleceu os direitos, os principios. A lei ordinària è que definiu com detalhes a regulamentagào daqueles principios e aumentou alguns direitos. Vou até citá-los. O piso de um salàrio-minimo contribuiu para que a despesa com o beneficio minimo passasse de um percentual de 12%, que eia tinha no total de beneficios, para 20%. Mais, dobrou-se o valor da aposentadoria rural para a maioria dos trabalhadores. A corregào de todos os salários de contribuigáo envolvidos no cálculo do valor do beneficio, aliada aos aumentos das taxas de reposigáo, criou também urna situagáo difícil. Por exemplo, a aposentadoria por tempo de servigo, hoje, atinge 100% do valor do salàrio da ativa, amigamente era 95%; a aposentadoria por invalidez também atinge 100%. Conjugando essas duas medidas, é possível que urna pessoa que ganhe menos de 10 salários-mínimos se aposente com um valor maior do que a última remuneragáo. 0 recálculo dos beneficios concedidos após outubro de 1988, aliado à possibilidade das pessoas acumularem beneficios - aposentadoria com pensòes, duas aposentadorias - tudo isso fez com que aumentasse a participagào da despesa com beneficios na Contribuigáo sobre a folha. A Previdència é viável, mas dentro de outros parámetros. Nós precisamos rever certas coisas. Acho que no afa de rever injustigas, pode-se ter caído na posigáo oposta. Realmente, os 56 salários nào eram corrigidos e, em fungáo disso, os beneficios eram demasiadamente baixos em relagáo às últimas remunerares. Quanto à sua proposta de um teto de contribuigào de 10 salários-mínimos, eu a considero inviável para a instituido de urna previdéncia complementar pública. Tive a preocupagáo de examinar na RAIS quantas pessoas, com carteira de trabalho assinada, recebem mais de 10 salários-mínimos. Sáo basicamente 2 milhòes e 400 mil pessoas. Segundo informagòes da ABRAPP, 2 milhòes de trabalhadores estáo vinculados a entidades de previdéncia fechadas, ou seja, já teriam urna protegào da previdéncia complementar. Propondo um teto de contribuido de 10 salários-mínimos para a Previdéncia Social, náo há porque se criar e custear despesas extremamente elevadas para instituir a previdéncia complementar pública, e atender a 400.000 pessoas. Eu gostaria de sugerir para a sua proposta urna redugào do teto da Previdencia Social, para algo em torno de 5 salários-mínimos. Com isso, poderiamos, inclusive, viabilizar esse instrumento, que seria importante como captador de poupanga e financiamento a longo prazo. Aloisio Teixeira (Conferencista) - Agradego as suas observagòes. Particularmente, quanto a esta segunda observagáo, eu tendo a achar que os dados da ABRAPP sáo um pouco exagerados. Mas certamente náo devem ser táo exagerados a ponto de a gente dizer que sáo falsos. A sua observagáo. reforga a minha idéia de baixar o teto, um assunto que voltarei a estudar. Quanto à primeira parte da sua pergunta, eu, na verdade, usei essas projegòes, que acho muito problemáticas, exclusivamente com aquelafinalidadeque explicitei, de mostrar que é um argumento falacioso, esse de dizer que a previdencia é inviável. E esse argumento falacioso a gente deve descartar. Se dei a entender alguma coisa diferente disso eu me penitencio e deixo bastante claro: acho que o sistema tem que ser profundamente reformado. E considero também que certas medidas que foram tomadas posteriormente à Constituigáo, que náo dizem respeito exatamente ao texto constitucional, foram exageradas algumas e equivocadas outras. Acho que essa questáo da indexagáo ao salàrio-minimo é muito problemática. Piso de um salário-mínimo, hoje, já implica na maioria dos casos um beneficio superior ao salàrio da ativa. E náo acho que deva haver nenhum prèmio pela inatividade. A regra que se estava estabelecendo era a de 92% do salário-mínimo, com a qual se estabelecia urna equivaléncia entre o beneficio da inatividade e o salàrio real recebido em atividade. A regra que eu defendia era de que os beneficios fossem corrigidos pela inflagáo ou pelos índices da política salarial, o que fosse mais alto, já que os trabalhadores na ativa tém urna capacidade de recuperagáo futura das perdas que o pessoal inativo náo tem. Se a política salarial fosse restritiva, os beneficios seriam reajustados pela inflagào e náo haveria perdas; se a política salarial fosse frouxa, se estivessem concedendo aumentos de salàrio acima da inflagào, as aposentadorias poderiam acompanhar. Existiría, portante, urna regra dupla, que náo seria prejudicial à estrutura das aposentadorias. Hoje, a política salarial é muito complicada, embora urna regra parecida com esta pudesse ser adotada. 57 Nao me espanta o fato de que neste ano a despesa com beneficio corresponde a 100% da receita sobre a folha. Nao espanta, tanto pelo lado do crescimento das despesas com beneficios como pelo fato de que o país está numa brutal recessáo e a arrecadagáo sobre a folha de salários tende a diminuir. Quando o país nào cresce, tudo fica difícil. Porém, náo é urna razáo suficiente para que eu coloque em dúvida, nem a justeza do sistema de Seguridade, nem a sua viabilidade a mèdio e longo prazos. Evidentemente, temos que tomar urna sèrie de medidas corretivas no plano administrativo, no plano organizativo e no plano da gestáo fmanceira desses recursos, para que ele possa ser adequado. Mas o cerne da minha exposigáo nao está fundamentado na utilizagáo de informales inadequadas, ao contràrio, eu trabalhei propositalmente com elas para mostrar que as mesmas eram inadequadas. Portanto, julgo que o cerne da minha argumentado prevalece. E é urna posigáo inteiramente defensável em qualquer auditòrio, a de que o sistema de Seguridade deve ser preservado, aprofundado, e consolidado. E isso é o que de melhor pode acontecer neste país. Marcelo Viana Estevao de Moraes (Coordenador) - Como estamos com o tempo praticamente esgotado, pedirei ao Adinaldo que seja o mais breve possível. Adinaldo Luiz - O Prof. Aloisio passou rapidamente sobre a questáo dos trabalhadores rurais. Com a aprovagào da Lei 8.540 no ano passado e a regulamentagáo que está para sair por estes dias, estamos nos deparando com um problema: é que a contribuido do trabalhador rural deve ser descontada do seu vencimento e recolhida à Previdència Social. Só que acontece o seguinte: se o trabalhador rural tiver 2 filhos menores de 14 anos, ele tem direito ao saláriofamília. Entáo, ao invés de ele pagar à Previdència, ele irá receber em torno de oitenta mil cruzeiros. Na área rural, a Seguridade Social seria financiada, entáo, só pelo lado da contribuido de 2% do produtor rural e daqueles 3% do segurado especial. Quanto à inflado, esse è um mal que vem corroendo o desenvolvimento económico, mas acontece que hoje eia acaba sendo um mal necessàrio para ofinanciamentoda Seguridade Social. Em 1992, as receitas de aplicado fmanceira giraram em torno de 20% das receitas totais. É claro que isso è no curto prazo, náo discordo, mas è algo que deve ser registrado. Tem outra questáo: compartilho da sua preocupado com a aposentadoria por tempo de servigo. Eu concordo que eia deva ser revista e que seja extinta, desde que respeitados os direitos adquiridos e as expectativas de direito. Mas discordo da previdència complementar pública. Por que o governo deve complementar o pròprio governo? Se cair ñas máos do governo, o que náo poderá acontecer esse fundo? Porque pode acontecer o mesmo que aconteceu com o FGTS. A gente sabe que os fundos de previdència das empresas estatais, mesmo náo sendo administrados pelo governo, tèm sido influenciados por ele. Entáo, discordo plenamente de urna previdència complementar pública. Existem problemas também na administragáo privada, náo discuto. Mas se o governo fiscalizar, è melhor que esse segmento da previdència fique no setor privado. Seriam só essas as consideragóes. Obrigado. Aloisio Teixeira (Conferencista) - Eu agradego e concordo com o senhor. Também acho que o problema dos trabalhadores rurais é um problema grave. 58 Quanto à previdència complementar pública, acho até o contràrio. O exemplo histórico de gestào de previdència privada no país é pèssimo. A experiéncia dos montepíos é pèssima. Quanto a esses fundos das estatais, é urna bomba de efeito retardado, em cima da qual estamos montados. Isso ai mais dia menos dia vai comegar a explodir. Sou favorável à previdència complementar pública, porque estabelece urna norma de concorrència mais saudável, porque facilita a regulamentagào dos fundos privados de previdència, e pela possibilidade de se ter um fundo de financiamento. Quanto ao exemplo do FGTS, ele já nasceu morto. Nasceu morto porque tinha urna obrigagào de remunerar o seu passivo por urna taxa que ele, necessariamente, nào conseguía para o seu ativo. Desde que se criou o FGTS que essa questáo foi levantada. Tinha-se um beneficio definido na remuneralo das suas con tas passi vas, e nào havia como equiparar a remunerato das suas contas ativas a esse valor. Ao contràrio, pode-se constituir um fundo público, até aproveitando a experiéncia do FGTS, que nào se estruture na regra dos beneficios definidos. É inteiramente inviável, num país com a instabilidadefinanceirado Brasil, ter fundos de previdència com beneficios definidos. Marcelo Viana EstevSo de Moraes (Coordenador) - Para encerrar, eu também gostaria, embora sendo da mesa diretora, de fazer algumas perguntas. Nós sabemos da grande dependéncia que a Previdència Social, que a Seguridade Social, como um todo, tem em relagào à contribuito sobre a folha de salários. E o que marcou o debate de hoje foi a preocupado humanística do Prof. Aloisio, em relato à criato de um Sistema de Seguridade Social que possa reverter ò estigma da regressividade que marca grande parte das políticas públicas. Entáo, tentamos gerar um sistema que permita superar a marcante heterogeneidade social brasileira. Quando se olha para o cenário internacional, a gente se assusta um pouco. Porque, à parte os problemas tradicionais do mercado de trabalho brasileiro, a gente vé urna tendéncia no sentido, nào de a gente importar padrees de homogeneizagào social, mas, pelo contràrio, parece que os países centráis estào exportando modelos de heterogeneizato social. Entáo, vemos urna tendéncia crescente nos países centráis de informalizato do mercado de trabalho, de quebra do pacto fordista, como alguns--denominarti o desenvolvimento com proteggo social, que marcou os 30 anos que se sucederam á Segunda Guerra Mundial. Entáo, todos esses problemas parecem cada vez mais limitar a possibilidade de conseguimos desenvolver, aqui, na periferia, modelos inspirados no welfare state. Vejo isso com grande preocupagáo, porque parece que há urna tendéncia de mudangas estruturais no mercado de trabalho, e a esse respeito existe até urna publicado da OIT, com um relatório que mostra o crescimento das desigualdades sociais. Parece que, a nivel internacional, isso sinaliza para um agravamento das desigualdades, quando o ideal, atendidos os grandes problemas que nós temos no país, seria caminharmos no sentido da homogeneizagào. E eu me pergunto se isso nào implica numa dificuldade cada vez maior de financiar o nosso pròprio sistema de Seguridade Social, colocando ai urna questáo aditiva para a discussào dos cenários que foram apresentados aqui. Por outro lado, sou defensor da tese de que deveríamos acabar com a contribuito sobre folha, pelo menos por parte dos empregados. No entanto, a contribuigáo tem um forte papel 59 psicossocial que teria que ser explorado quando do desenvolvimento de urna ou mais formas alternativas de gestào pública da Previdència Social.. Ou seja, se a gente pensar numa Previdència em que se estimule o controle social da sua gestào, è importante que o segurado perceba que ele è partícipe daquilo, para evitarmos cair em políticas paternalistas que acabam estimulando o clientelismo, o fisiologismo, ou seja, tudo aquilo que impediu, de certa maneira, que a nossa Previdència, quando foi superavitária, pudesse ter-se capitalizado para pensar agora em cumprir com obrigagóes cada vez maiores. Aloisio Teixeira (Conferencista) - Existem ai duas questòes. Primeiro, temos essa tendència internacional, que é algo evidente. Na verdade, o que essas tendèncias internacionais nos mostram è urna redugáo do chamado trabalho assalariado, com o crescimento da "informalizagáo", que è um fenòmeno inteiramente diferente do nosso, e que eles chamam de terceirizagáo, quer dizer, as empresas, cada vez mais, procuram transferir para fora da sua estrutura de organizagáo atividades e custos que melhor serào feitos fora do que dentro. Aconteceu um processo de fracionalizagáo de custos que decorreu desse fenómeno. E essa è urna tendència universal nos países do Primeiro Mundo. Ao contràrio do ciclo expansivo do capitalismo no pós-guerra, que foi um ciclo altamente incorporador em termos de países, de empresas, de classes sociais, a partir dos anos 70 aconteceram mudangas fantásticas. Esta terceira revolugáo industrial tem sido e, certamente, o será, nos próximos anos, altamente excludente em termos de empresas, em termos de países e em termos de classes sociais. Esse trago da modernidade que è a flexibilizagáo, em particular, a flexibilizagáo do trabalho, resulta exatamente nisso: em se despedir trabalhadores assalariados e recontratá-los sem direito nenhum, inclusive os previdenciários. Os nossos problemas náo sáo da mesma natureza dos países capitalistas mais adiantados; eles tèm sociedades mais homogéneas, apesar do agravamento da questáo social, tém um perfil demográfico com urna estrutura muito mais envelhecida do que a nossa. Nós, embora estejamos mudando o nosso perfil demográfico, nesse horizonte, a chamada populagáo em idade ativa ainda está crescendo, quer dizer: reduz-se a populagáo infantil, cresce a populagáo idosa, mas também cresce, percentualmente, no conjunto da populagáo, a populagáo em idade ativa. Isso em primeiro lugar. Em segundo, os nossos problemas de informalizagáo náo advém tanto do impacto da terceira revolugáo industrial como das vicissitudes de um sistema económico que deixou de crescer. Entáo, aqui temos um problema de natureza diferente. Em terceiro lugar, mesmo lá e o exemplo americano talvez seja o mais fantástico nesse sentido - todas as políticas que induziram ou criaram facilidades para que esse fenòmeno ocorresse comegam a ser revistas, ou pelo menos discutidas: a questáo do papel coordenador do Estado, a questáo da misèria e da desigualdade, a questáo da política social. Portanto, náo há porque nós, que temos problemas que sao de natureza diferente, muito mais ligados ao atraso do que á modernizagáo, nos aprofundarmos nessa discussáo, e querermos aceitar o paradigma dos anos 80, quando esse paradigma já está sendo posto em cheque lá nos países onde ele foi aplicado. Digo isso, náo para ocultar as grandes dificuldades, inclusive financeiras, que temos pela frente, parte délas pela natureza do sistema que temos que gerir, e parte délas em fungáo de urna crise que transcende esse sistema. Por isso, è importante chamar a atengáo para o fato de que 60 se nào buscamos, nessas discussòes, modelos de protegió social adequados à nossa realidade, as coisas podem piorar ao invés de melhorar. Temos que discutir, apontar os problemas, e tentar resolvé-los, mas na ótica da construgáo de um sistema de protegáo social e nào na ótica de sua destruigáo. Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Agradego, mais urna vez, a presenga do Dr. Aloisio Teixeira. Está encerrado o debate. 61 A PREVIDÊNCIA SOCIAL E A R E F O R M A FISCAL DÉRCIO MUNHOZ E SÉRGIO WERLANCT Marcelo Yiana Estevâo de Moraes (Coordenador) - Estamos dando inicio a mais um evento do Ciclo de Debates "A Previdencia Social na Revisào Constitucional." Está aqui hoje, o Dr. Dércio Munhoz, economista, professor de Economia da UnB, ex-Presidente do Conselho Federai de Economia, e ex-Presidente do Conselho Superior de Previdência Social do extinto Ministério da Previdência e Assistência Social. Também está conosco o Dr. Sérgio Werlang, economista, Diretor de Ensino da Escola dé.Pôs-Graduaçâo em Economia da Fundaçâo Getúlio Vargas no Rio de Janeiro, e que foi membro da Comissâo Executiva de Reforma Fiscal, presidida pelo Dr. Ariosvaldo Matos. O Dr. Dércio Munhoz iniciará o nosso debate, e em seguida teremos o Dr. Sérgio Werlang. Depois, haverá um espaço para comentários. O Dr. Sérgio comentará a exposiçâo do Dr. Dércio, com direito à réplica, e, posteriormente, haverá um comentário do Dr. Dércio sobre a exposiçâo do Dr. Sérgio, também com direito à réplica. Após os comentários mutuos, abriremos a palavra à platéia para as perguntas que se fizerem necessárias. Passo a palavra ao Dr. Dércio Munhoz. Dércio Munhoz (Conferencista) - Parabenizo o Ministério e o Ministro Britto por este Ciclo de Debates porque, no mínimo, ele fornecerá matèria-prima para discussòes. Como essas questôes de natureza fiscal em geral sáo polémicas, a contradita de propostas nos fornece um arsenal de consideraçôes sobre diferentes aspectos para que cheguemos à conclusâo do que se deve fazer na Previdência Social. Particularmente, fico um pouco preocupado porque saímos de reformas recentes na Previdência Social, de todo o sistema de custeio e de financiamento, e, muito rapidamente, nos defrontamos com urna aparente necessidade de que se faça urna reforma de urna reforma. Mas como a Constituiçâo prevé urna revisào geral, isso estaría dentro de um contexto mais ampio. *l Palestras realizadas em 30 de março de 1993. 63 Temos discutido o problema parafiscal da Previdência e da Seguridade Social dentro de urna discussáo maior, o urgente e indispensável ajuste fiscal no País para que se possa ter a estabilidade e urna retomada de crescimento. Acho que se colocarmos esse ponto centrai numa reforma, isso implica em urna responsabilidade muito grande porque envolve urna série de hipóteses, de premissas, necessárias para urna reforma fiscal conseguir realmente remover as dificuldades presentes. Tenho notado, mais recentemente, que o Governo coloca como centro da reforma fiscal a existéncia de um excesso de gastos públicos, gerando a necessidade de seu financiamento, e isso explicaría, as emissôes monetárias ou lançamento de títulos. As emissôes monetárias, evidentemente, desequilibrariam o mercado por excesso de demanda agregada e teríamos problemas de inflaçâo. Lançam-se títulos, pressiona-se o mercado de crédito, aumentam-se os juros e provoca-se um descontrole maior das finanças públicas. Entào, quando o Governo gasta muito e se diz que esse desequilibrio fiscal é um dos responsáveis pela permanéncia das altas taxas de inflaçâo, entendo que por trás disso estariam esses raciocinios. Um outro raciocinio que se coloca é que sem um Banco Central independente, que nâo financie mais o déficit do Tesouro, também será impossível superar as dificuldades. E, terceiro, que um Governo sem credibilidade, na medida em que tenha déficits e emita papéis, tem de pagar altas taxas de juros para colocar os seus papéis. Agora nâo é o momento de se discutir política fiscal, mas esse é um tema que estarei discutindo em outro evento em Sao Paulo, mostrando que o Governo gasta menos do que arrecada, e que se pedirmos a reduçâo de gastos públicos estaremos reduzindo os já minguados cinco bilhóes de dólares destinados, hoje, ao custeio. e aos investimentos, exclusive folha de pessoal. Se, com cinco bilhóes de dólares, temos tantos problemas na área de transportes, sem possibilidade até de conservaçâo de estradas, na áreas de educaçâo, de saúde, etc., como se poderia reduzir ainda mais as despesas do Governo? Realmente, os gastos estâo excessivamente comprimidos, e nâo há condiçôes de se manter um nivel mínimo de normalidade. Se formos para o segundo ponto, rapidamente para nâo tomarmos tempo do tema principal, a afirmativa de que o Banco Central financia o déficit, verificamos que as relaçôes Tesouro/Banco Central indicam exatamente o contràrio. Quer dizer: o Tesouro faz grandes repasses para o Banco Central. Tanto é que o Banco Central géra enormes receitas num orçamento paralelo, sem controle do Congresso, sem controle da sociedade, e transfere apenas o que sobra para o Tesouro e, ainda, com a obrigatoriedade de que esses recursos liquidem títulos do Governo. E depois, a questáo de que o Governo nâo tem credibilidade, é outro ponto que contesto. Porque quem nâo tem credibilidade é um Governo que altera as regras no meio do jogo. Entâo, é só mudar de indexador nos títulos públicos, e pagar juros competitivos a nivel internacional. Vejam que a reforma fiscal, na qual se insere a reforma da Previdência, está baseada em premissas que a realidade contesta. Mas isso tem que ser urna discussáo mais ampia porque, de fato, estamos abordando a questáo da Previdência em si. E vemos que as propostas de reforma fiscal afetam a Previdência. Se descartamos a proposta do Deputado Benito Gama, que aparentemente ficou no meio do caminho, já que hoje se fala na proposta do Deputado Luís Roberto Ponte, por exemplo, temos a eliminaçâo da contribuiçâo sobre os salários, da COFINS, da contribuiçâo sobre lucros e do PIS/PASEP. Isso dá aproximadamente 25 bilhóes de dólares 64 de redugáo das contribuii;oes sociais. Estaríamos colocando no lugar um novo imposto sobre movimentalo financeira. Esse, pelo menos, é o projeto que tinha sido aprovado pela Comissáo Especial, se nào estou enganado. O Projeto Ponte retira da Seguridade 25 bilhòes de dólares e coloca 8 bilhòes do imposto sobre movimentato financeira. Agora tenho ouvido que se colocaría, também, o imposto sobre valor adicionado como reforjo. O imposto sobre valor adicionado é urna questáo complexa, porque ele vem se juntar a um imposto do valor adicionado estadual, o ICMS, que é da ordem de 17%, sem discutir a questáo da constitucionalidade ou nào, face à bitributato. Em esferas diferentes do Governo temos o problema de que o imposto do valor adicionado passaria, se tivesse urna incidencia ampia, para 24%. E pagar 24% de imposto do valor adicionado é um incentivo muito grande à sonegato. Mas, de todo modo, o Projeto Ponte tem um problema que me parece muito delicado, que é o fato da Seguridade passar a depender de um ornamento global. Também náo se teria mais os vínculos da empresa com o sistema. E eu sempre fui contra contribuigoes táo altas das empresas para o sistema. Agora, acho que eliminar o vínculo nào é o melhor caminho, náo é a melhor soluto. O Projeto Ponte coloca a Previdencia em urna situato igual áquela na qual a agricultura ficou, quando desmontamos a política de finánciamento agrícola, já que, em tese, os recursos vinham de um bolo único. Depois, náo fizemos um fundo de capitalizado das empresas estatais, o que poderíamos ter feito; eventuais repasses do Tesouro para aumento de capital das empresas acabaram sendo negados quase sistematicamente, inclusive para os setores de tecnologia de ponta, que sáo da maior importáncia para o setor privado. Entáo, como vamos jogar a Previdència em um ornamento em que, volta e meia, um setor é responsabilizado pelos desgastes? Ora é a agricultura, ora sáo as estatais, ora sáo os funcionários públicos, etc.; e amanhà será a Previdència. Entáo isso enfraquece muito, politicamente, a Previdència, na medida em que náo tivermos os recursos em sua maior parte carimbados, em que náo tivermos um ornamento realmente á parte. Aliás, se fizermos um retrospecto, veremos que a Previdència Social vem mantendo um equilibrio de receitas e despesas. Pelo contràrio, ao invés de receber recursos do ornamento fiscal, eia transfere. A Previdència nao tem recebido os repasses normáis que o Tesouro deveria fazer, destinados a cobrir as despesas administrativas. E mais recentemente, o FINSOCIAL passou a ser utilizado para outros gastos, que deveriam ser do Ornamento Fiscal. Entáo, a experiéncia da Seguridade e da Previdència, em especial, de dependència do ornamento fiscal, náo é urna experiéncia boa, e enfraquece muito politicamente. O projeto de reforma do Deputado Luís Roberto Ponte me parece muito preocupante, porque a Previdència dependería de repasses, e sabemos que os repasses do Tesouro sáo arbitrários por diversas razóes. Primeiro, porque os contingenciamentos mutilam o ornamento, que acaba sendo executado de forma arbitrària; segundo, porque nem o Congresso nem o Executivo quiseram aceitar, até agora, que se devesse ter o ornamento indexado, mensalmente, 65 o remanescente de cada verba. Com isso temos um ornamento que em 31 de dezembro tem o valor de 100 e que é publicado em 1 0 de janeiro com o valor 400, em fungào de urna inflado futura. Conseqüentemente, nao se tem controle do dispèndio no primeiro momento, já que está tudo inflacionado. Só depois vamos saber, em relagáo aos 400, a que momento do tempo e a que poder de compra se referem. A partir dai, suas verbas ficam congeladas, o que significa que mais urna vez a execugáo orgamentária é totalmente arbitrària. Como a Previdència pode entrar em um esquema desse? No ano passado, por exemplo, tivemos os valores superestimados dentro desse modelo e quando foi mais ou menos em maio, em determinado dia, vimos que as verbas ornamentarias remanescentes tinham presos daquele dia. Era, naquele dia, o ornamento real. A partir dai o ornamento fica como a árvore que olhamos pelo retrovisor - cada vez menor. As verbas ficaram paradas em maio e, a partir dali, qualquer verba orgamentária náo atualizada dependía de favores, da boa vontade da administrado. Realmente acho que os riscos sáo totais. A outra proposta que tem sido discutida é sobre a limitagáo da contribuido da Previdència a 3, 5 ou 10 salários-mínimos. No Congresso, aparentemente, tem havido um consenso de que 10 salários-mínimos seriam um limite. E preocupa-me a alternativa de que na reforma devemos reduzir o limite de contribuido da Previdència para 3 salários-mínimos, por exemplo - se mantida a aliquota de 20% e as demais condigòes constantes -, porque este limite provocaría urna queda de aproximadamente 36% das receitas da Previdència, ou melhor, das receitas da arrecadagáo bancària, que è a sua principal fonte de recursos. Se reduzirmos o teto de contribuigáo a 5 salários, mantendo a aliquota de 20%, teremos urna redugáo de receitas em torno de 28% a 30%. Entáo, quando se reduz os limites, perdemos receitas, porque elas tèm urna participagáo muito grande das faixas de salários mais altos. Vejo essa proposta com certo cuidado porque pode provocar um desequilibrio no sistema. Alguns falam do modelo chileno como urna alternativa viável, mas sentí que o problema deste modelo surgiu de urna discussáo num momento em que, de repente, percebeu-se que seria muito importante e bom fazer urna privatizagáo da Previdència com a criagáo da Previdència Complementar. Porèm, eia requer urna coisa muito importante: quem fica com o passivo previdenciário quando se introduz um sistema de capitalizagáo? Introduzimos o sistema de capitalizagáo e o nosso sistema é, como diremos, mais ou menos consagrado como um contrato de geragóes. Ora, se as geragóes presentes, os contribuintes presentes, pagam os beneficios daqueles que contribuíram no passado, quando eu corto e coloco as contribuigóes do presente num sistema á parte de capitalizagáo, quem entra com recursos para cobrir os compromissos daqueles que tem beneficios que dependem da receita corrente, e contribuíram no passado? Essa interrupgáo cria um passivo previdenciário. No Chile, ele foi assumido pelo Governo e representou, a partir de 1982, mais de 5% do PIB chileno, e chegou a representar algo em torno de 6,5%. Em 10 anos, o déficit acumulado do Fundo de Seguridade Chilena ficou em torno de 55% a 60% do PIB. O que significa que, se o Fundo de Seguridade teve tal déficit, foi necessàrio um grandé esforgo fiscal, para cobrí-lo com aumento de tributos ou cortes de gastos, que, nesse período todo, se falarmos em 60% do PIB, representaría, no caso do Brasil, uns 250 bilhòes de dólares, no mínimo; que seria quanto o Governo teria assumido, em apenas 10 anos, para pagar a transigáo do sistema. Assume-se o passivo e náo se tem a contribuigáo do trabalhador ativo. 66 O anterior modelo chileno indicava que - há vários estudos mostrando isso - era falho, parcial, etc., enquanto o brasileiro, se diría de sucesso, embora tenha urna série de problemas: excesso de contribuido sobre a folha de salários, unlversalizado do atendimento médico a partir de contribuidles de urna parcela mínima da populado, etc.. A sobrecarga dos contribuintes no sistema brasileiro e a evasáo, devido á aliquota elevada, fizeram com que tivéssemos urna pensáo mensal vitalicia e assisténcia médica unlversalizada, sustentadas por um número pequeño de contribuintes, deixando a desejar quanto ao valor real dos beneficios e quanto ao nivel de atendimento médico. O caso chileno, fora o passivo previdenciário, ainda está sendo analisado, existe um estudo recente da OIT que mostra que as dúvidas sáo muito grandes; inclusive a de que a percentagem dos que vém contribuindo regularmente, dentro do sistema, é muito pequeña. Várias hipóteses sáo apontadas para justificar o fato. Urna délas é a de que as pessoas de menor renda quando chegam a um determinado momento descobrem que é preferível ter, sem muitos problemas, a pensáo mínima do Estado, que é concedida de qualquer maneira, a continuar contribuindo. Além disso, o sistema chileno chegou a trabalhar com taxas de administrad0 correspondentes a 25% da receita, e existe urna despesa muito grande que náo é proveniente dos gastos com beneficios, nem administrativa: o estudo da OIT aponta urna enorme despesa com propaganda, promod° de .vendas, que chegou a representar cerca de 30% das despesas. Vemos que é um modelo que deve ser olhado com mais calma, durante mais tempo, e que me parece que náo seria a melhor soluQáo para o Brasil. Mas temos que procurar alternativas para melhorar a Previdencia brasileira. Em primeiro, lugar, porque o FINSOCIAL surgiu de urna discussáo colocada por um grupo do IPEA, no inicio dos anos 70, coordenado pelo Bacha, que chegou a publicar um relatório de pesquisa sobre encargos trabalhistas. Depois, quando o Ministro Waldir Pires assumiu, almejou-se rediscutir esse tema, e um dos pontos que veio á tona foi o da substituid0'- reduzir a sobrecarga na folha de salários, criando-se contribuidas náo vinculadas aos salários. Supostamente, poderiam ser menos sensíveis ao ciclo, mas a vantagem maior é que se poder reduzir a penalizado parafiscal sobre a folha de salários. No meio do caminho, entretanto perdeu-se o objetivo inicial, e o FINSOCIAL acabou ficando como urna contribuid 0 a mais. Estamos com urna sobrecarga que chega a 27% sobre a folha de salários, embora parte seja contribuido para o SESC, para o SENAC, salário educado, etc.. Mas urna contribuido de 27% sobre a folha de salários é brutal; isso sem contar com o Fundo de Garantía, cuja aliquota é de 8%, fora outros encargos. Ainda que tenhamos alguns trabalhos com cálculos, que mostram que o custo final é de mais de 100% sobre a folha de salários, podemos admitir que, sobre a folha, o percentual a ser recolhido é de 35 % e, realmente, era isso que se procurava evitar. Com essa sobrecarga, temos tido um mínimo de 40% dos empregados sem registro na Previdencia. E esses empregados estáo nos setores mais fracos da economía, tanto é que eles tém um salário médio que é a metade do salário daqueles que estáo contribuindo. Entáo, se houvesse urna redudo nessa sobrecarga da folha de salários, e se déssemos um tratamento especial ás pequeñas empresas, ás pequeñas prefeituras, poderíamos trazer urna parcela bem maior de contribuintes. Na situado presente, nem a polícia vai conseguir registro desses empregados, porque as 67 empresas sào realmente frágeis para isso. É preciso, portanto, reduzir a sobrecarga da folha de salários. Outro ponto é a forma como essa contribuigáo é feita, já que na empresa eia é calculada sobre todos os salários, sem limite de 10 salários-mínimos, dificultando a consolidado de um sistema de Previdencia Complementar no Brasil. Se eia dificulta, náo abre espago, inclusive, para qualquer mudanza na política monetària. A política monetària que está implantada, em grande parte, está um tanto amarrada na questáo da sobrevivéncia do sistema financeiro. Sempre vejo o Banco Central, quando ele mantém os juros altos, com medo de quebrar os bancos. Ora, acho que temos um sistema bancàrio com um nivel de modernidadè como poucos países e que demonstrou eficiència no passado, mas que foi levado a traba!har na especulado. Como podemos resgatar esse sistema? A Previdència Complementar é um elemento chave para isso, para a mudanga da política monetària, para que o sistema bancàrio possa ter urna fonte de recursos de longo prazo e com custos menores. E ai poderíamos, com urna politica diferente, sair dessa recessào. Agora mesmo, que parece que a demanda aumentou um pouquinho, já se discute, na área do Governo, a possibilidade de elevado das taxas de juros, porque senáo teremos problemas de inflado, etc.. O nosso destino é ficar com esse nivel de emprego mínimo? A alterado no limite de contribuido para a Previdencia abre espago para mudanga de política económica, e para alguma coisa diferente que fortalega as empresas, e jogue o sistema financeiro para a intermediagáo da poupanga. O que se propòe? A partir das simulagóes que tenho feito, evidentemente, com limitado de dados, se tivermos urna aliquota de 15%, no máximo, e um limite de 10 salários-mínimos na contribuigáo das empresas, isso gera urna perda de receita de arrecadagáo da Previdencia, que calculo próxima de 5 bilhóes de dólares. A COFINS como está, sob contestagáo judicial, tem um potencial de arrecadagáo mínimo de 10 bilhóes de dólares, mais a contribuigáo sobre o lucro, alcanga-se 12 bilhóes de dólares. A COFINS poderia até absorver a contribuigáo sobre o lucro ainda que tivesse urna parcela de arrecadagáo um pouco maior. O que se deveria ter é o repasse pleno para a Seguridade. Desse repasse a Previdència deveria ter urna recomposigào de "x" por cento da sua receita permanente, para cobrir os 5 bilhóes de dólares. Assim, a Previdència estaría, outra vez, dependendo de repasses aleatórios, pois o Ministério da Fazenda arrecada a COFINS e a contribuigáo sobre o lucro. O repasse pleno para a Seguridade iría assegurar à Previdència urna parcela como compensagào à perda dos 5 bilhóes de dólares; poderíamos manter a Previdència em equilibrio financeiro, e poderia faltar alguma coisa para a Saúde. Mas a questáo è a seguirne: o que faltar para a Saúde e a Assistència Social tem que vir do Orgamento Fiscal. Nao há razáo para que o Estado se negue a repassar recursos fiscais para o servigo de saúde - seriam recursos complementares. Que reflexos poderíamos ter a partir de tal proposta de mudanga? Os reflexos positivos seriam sobretudo, a redugáo da sobrecarga sobre a folha de salários, que è fundamental. Hoje eia é altamente punitiva. Da populagào economicamente ativa, 60% nào contribuem para a previdència dos empregados, creio que os dados mais recentes devem estar indicando 45%, alguma coisa assim, de empregados que nào tem registro em sua carteira. Poderíamos, com o aumento de empregados registrados, ter um aumento ou recuperagào de arrecadagáo. Nào digo 68 que vamos conseguir que estes 45% da PEA passem a ter registro, a partir da redujo das alíquotas para 15% do limite para 10 saláríos-mínimos, e de um tratamento mais favorecido às pequeñas empresas e às pequeñas prefeituras. Mas poder-se-ia ter até um bom aumento de arrecada$3o, porque num universo de 100 empregados, estamos com 55 contribuindo, contra 45 que náo o fazem. Quando reduzimos a aliquota, agregamos urna parcela, que nào seja a metade, mas 1/3 em termos de número de contribuintes. Em termos de valores arrecadados, é claro que daña menos, porque os que estào fora tèm um salàrio menor. Um outro aspecto importante é o da expansáo da Previdéncia Complementar porque eia deve ser um elemento fundamental para o financiamento da economia. Atuaimente, temos urna situado esdrúxula: recursos parafiscais sao destinados ao BNDES, para capitalizá-lo, a fim de que ele possa financiar as indústrias, através de urna parcela de 40% do atual Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Deveríamos é ter recursos da Previdéncia Complementar. Mas como? Baseada no modelo chileno? Segundo informales mais recentes, grande parte das empresas seguradoras, no Chile, já estáo sob controle externo. E nem baseada no modelo brasileiro do passado, no qual algumas empresas fracas quebraram no meio do caminho, por mil razdes. Devemos trabalhar com urna dúzia de grandes consórcios financeiros, associando bancos pequeños, grandes, estaduais, etc., para fortalecermos realmente o sistema e urna parcela disso deve ser destinada a financiar a economia. Muitos dizem que se o teto de contribuido ficar em 10 saláríos-mfnimos, o potencial da Previdéncia Complementar é mínimo. Eu digo que nào. Somente a Previdéncia Oficial estaría abrindo mío de 5 bilhSes de dólares, e o potencial mínimo da Previdéncia Complementar no Brasil, calculo que seja de uns 7 bilhdes de dólares anuais. Nesses consórcios deveríamos limitar a participado individual para que nào tivéssemos dois ou très grandes bancos • Banco do Brasil, Banespa, Itaú e Bradesco - dominando isso sozinhos. Por qué? Porque se náo colocarmos limites eles seráo mais fortes do que o pròprio Estado. Finalizando, quero dizer que toda essa questáo da Previdéncia tem de ser dissociada do problema fiscal, que deve ser discutido de forma mais caima, mais transparente. O fato de o Tesouro náo ter assumido, até hoje, os recursos da recomposido real dos valores depositados, o seu float o reamen tário, é um absurdo. No ano passado, o Tesouro náo tinha dinheiro para a merenda escolar e, no entanto, chegou-se a novembre com 60 bilhdes de cruzeiros, representados por valores que eram recomposido do saldo mèdio no Banco Central. Se formos verificar a parcela de corredo monetària náo incluida no Ornamento, que o Tesouro náo pode utilizar, e se consideramos que, no mfnimo, metade é float de execudo or$amentária, essa metade corresponde a toda despesa de custeio e de investimento, fora pessoal, ou seja, sería permitido dobrar o custeio e o investimento. Entáo, quanto à reforma fiscal, temos que partir do principio de que os dados indicam que náo há necessidade de ampliar a carga fiscal. Mesmo porque temos arrecadado no ornamento fiscal cerca de 26 bilhòes de dólares ao ano e, neste ano, está havendo urna recuperado, a receita deve chegar a 32 ou 33 bilhdes de dólares. Na área de Seguridade, sem contar a receita financeira, deveremos ter 30 bilhdes de dólares, enquanto tínhamos o máximo de 26 anteriormente. Ora, estamos com urna melhora substancial nos dois ornamentos e temos condigòes exatamente de aliviar a carga fiscal e náo de ampliá-la. 69 A minha preocupaçâo é de que a reforma fiscal seja discutida nâo como se pensava no inicio, filosóficamente - dizendo que alguns setores estâo com peso muito grande, que outras nâo pagam, tal e tal -, mas como algo que tenha que gerar um superávit de tanto. Por que se tem que fazer um superávit de tanto? Para pagar que tipo de despesas? Como iríamos gerar este superávit? Primeiro, cortando despesas nâo posso resolver este problema, urna vez que estou com despesas ridiculas no orçamento. A segunda opçâo é através do aumento de receitas. Nâo tenho soluçâo para este problema que, na verdade, é muito simples. Os documentos oficiáis indicam que estávamos pagando, no ano passado, 30% de juros reais no giro da divida pública. Só no Banco Central, 100 bilhôes de dólares, menos 20 bilhóes que náo pagam correçâo, 80 bilhóes, o que significa, considerando-se os 30% de juros, 24 bilhóes de dólares ao ano. Se os juros da divida pública nâo fossem táo altos nâo haveria necessidade de urna reforma fiscal. Muito obrigado. Marcelo Viana Estevâo de Moraes (Cóordenador) - Agradeço ao Dr. Dércio Munhoz a exposiçâo, e passo a palavra ao Dr. Sérgio Werlang. Sérgio Werlang (Conferencista) - Vou começar do problema da evasâo. Muito do que vou falar, na verdade, já foi abordado pelo Prof. Dércio Munhoz, e náo é de se espantar, porque esses problemas estâo cada vez mais salientes, embora as pessoas acabem por chegar a um diagnóstico relativamente semelhante quando analisam os mesmos dados. Falarei, primeiro, sobre a crise enfrentada pela Previdéncia, depois, sobre alguns pontos que devem ser mudados a nivel constitucional e, por fim, sobre o conceito de Seguridade Social e as enormes distorçôes que se tém criado. Na verdade o Prof. Dércio Munhoz mencionou todos esses tópicos, tal vez nâo necessariamente nessa ordem, e vou abordar ainda alguns outros pontos que ele nâo mencionou. Até há uns très anos atrás, quando se ia a urna palestra sobre a Previdéncia, era muito comum que as pessoas dissessem que a Previdéncia náo tinha problemas - o problema era a fiscalizaçâo. Quando conseguirmos arrumar tudo, fiscalizar, organizar e parar de pagar essas pensóes, essas aposentadorias ilícitas, esse problema vai se resolver. Isso era urna constante ñas palestras dos ex-Ministros Waldir Pires e Raphaël de Almeida Magalháes, pessoas extremamente sérias, e que realmente acreditavam naquilo. Eles diziam: olha, nâo há problema, esse é o problema central, o resto é detalhe. Felizmente o Stephanes e António Britto sáo pessoas que entendem da área. O Reinhold começou e o António Britto está levando adiante, com bastante rapidez, a revisâo desses problemas administrativos que podem ser resolvidos através do aumento de fiscalizaçâo. E o que se está verificando é que, de fato, há um aumento de arrecadaçâo. Esse aumento, contudo, náo vai continuar ocorrendo todo ano. Esse aumento propicia urna melhora do sistema que, a longo prazo, continuará com um problema potencial. Esse é o ponto essencial. Quer dizer, já se constatou que as modificaçôes que foram ou estâo sendo implantadas vâo ter efeito, mas esse efeito náo será suficiente para equilibrar, a longo prazo, a Previdéncia. 70 Agora, a discussáo nào é mais se o problema é a fiscalizado ou a corrup?ào, pois existe, de fato, um grande desequilibrio entre a capacidade de financiamento e o total de beneficios oferecidos pelo sistema hoje conhecido como de Seguridade, que inclui a Previdència. Esse problema surgiu pela mesma razào que surge em todos os países do mundo: quando se tem um sistema de repartido simples, em que ao entrar dinheiro, este sai para pagar os atuais beneficios, todos os governantes se sentem muito tentados a aumentar os beneficios. Por qué? Ora, aumentando-se um pouquinho o imposto da gerado que agora está pagando, aumentam-se os beneficios da classe que está aposentada, e isso garante o apoio de ambas as classes, pois, aquela que está pagando, desde que nào esteja pagando substancialmente muito mais do que estava antes, sabe que terá assegurados, no futuro, aqueles mesmos beneficios, ou seja, é urna espécie de ganho para todos. Isso náo é exclusivo do Brasil. Em absoluto, isso aconteceu desde a criado do Primeiro Plano de Pensào Organizada, na Alemanha, que desde a Primeira Guerra Mundial vem tendo problemas. Depois da Segunda Guerra Mundial praticamente nenhum país do mundo tem um sistema de capitalizado, adotado universalmente, a única excedo recente é a do Chile. Como o Prof. Dércio Munhoz notou é urna experiencia interessante, temos que ficar de olho, mas, por outro lado, náo se pode negar também que é urna experiència muito nova. A verdade é que é urna experiència nova que está numa diredo que parece boa. Mas existe urna quantidade muito grande de outras experiéncias no mundo que náo estào tào boas assim, mas que estáo funcionando, e temos que ver como fica o meio termo. O que tem acontecido no Brasil? A contribuido sobre a folha de salários - vou discordar um pouco do Prof. Dércio Munhoz - alcanza índices bem mais elevados do que os que ele mencionou. Eu conto a contribuido do trabalhador também, e ele está olhando somente para o salàrio líquido, mas acontece que em cima desse salàrio líquido ainda incide o imposto de renda. A contribuido sobre a folha de salários no Brasil é de cerca de 45,6%. Este ano ainda teve um pequeño aumento por causa do SEBRAE. Essa contribuido sobre a folha salarial é de 20% para a Previdència, 2% para o seguro de acidentes de trabalho, 2,5% para o salàrio educado, mais 8% do FGTS, mais contribuido para SENAI e SENAC, além de 8,5% a 10% do salàrio do trabalhador. Muito bem, tudo isso chega a cerca de 45,6%, índice esse só encontrado em alguns países da Europa e na Argentina. Esses níveis de contribuido sobre a folha salarial sáo muito elevados comparados com os mundiais. Isso é ruim por que sáo elevados em relado aos níveis mundiais? Náo necessariamente. De repente, estaría tudo funcionando bem. Aparentemente, na Alemanha, esse sistema funciona bem. Náo há ninguém reclamando dele. O problema é que se náo há urna fiscalizado alemá, realmente germánica, acontece exatamente o que o Prof. Dércio Munhoz notou: urna enorme informalizado do mercado de trabalho. Se temos que recolher tudo isso, o incentivo à informalizado é imenso. Vou citar alguns dados que acho interessantes: desde 1979, até hoje, o número de pessoas, o número de trabalhadores sem carteira assinada é praticamente estável, é de cerca de 50%. Esses sáo, aproximadamente, os números que constarci do trabalho do Kaizó Beltráo, do Francisco Oliveira e companhia. Em 1979, foi possível medir os níveis de evasáo da contribuido sobre a folha 71 salarial. Como? Bastou consultar os valores da RAIS - documento que as empresas tém de preencher, dizendo qual é a folha salarial e que nao pode ter efeito fiscal; nao pode ser usado para fiscalizado, e no qual os empresários tendem a ser mais sinceros ao reportar os valores pagos - e aplicar os percentuais legáis e verificar o quanto deveria ter sido recolhido. É relativamente simples, nao tem muito mistério. Duas pessoas fizeram isso recentemente: além do Kaizò, outra pessoa do IPEA, e o resultado indica a mesma diretto do traballio do Kaìzò com o Francisco, por isso vou citar apenas os números deles. Em 1979, a evasáo era de cerca de 14%, e em 1987 passou para 24%. A evasáo aumentou cerca de 10 pontos percentuais em praticamente 10 anos. Isso antes da Constituido de 1988 que, sabidamente, introduziu muito mais ònus para a Previdéncia, indiretamente, por conta do aumento dos beneficios dos funcionários públicos e dos gastos com a Saúde. Esta é a situado que temos. Realmente é fundamental, hoje em dia, desonerar de alguma forma a folha de salários. Para que se tenha urna idéia, na Argentina, o Ministro Domingos Cavallo resolveu, recentemente, trocar toda a contribuido argentina, que é de 43 %, por urna contribuido de valor adicionado. Note bem: a contribuido de valor adicionado nao tem nada a ver com aqueta contribuido de valor agregado, proposta na última reforma constitucional, que tem urna base esdrúxula. Ele está falando, simplesmente, em urna contribuido de valor adicionado usual, é um IVA usual ou um IPI, digamos, com urna aliquota uniforme. É importante dizer que se a Argentina fizer isso, todos os países do MERCOSUL, todos os países que irüo se integrar na América Latina, vào ter que corrigir seus sistemas tributários, porque vai acabar urna enorme carga que incide sobre as exporiagdes. O imposto de valor adicionado náo incide sobre as exportagòes e desonera completamente o setor exportador. Dessa forma, isso vai representar um ganho de competitividade para a Argentina, a curto prazo, muito grande. Na verdade, os argentinos estáo fazendo isso, porque eles já nào tém mais como desvalorizar o càmbio deles em termos reais, entáo, vào aumentar competitividade via desonerado completa de todos os tributos. Isso vai deflagrar urna mudanga substancial em toda a estrutura tributària dos países que estáo se integrando ao MERCOSUL. De forma que, inicialmente, vamos sofrer esse impacto, e vamos ter que caminhar nessa diredo. Esse é o primeiro problema: a evasáo causada pelas altas contribuigoes sobre folha salarial. E este, a nossa fiscalizado nào vai conseguir resolver. Talvez seja possível, se algum dia tivermos um sistema germánico. Há várias amarras constitucionais no problema da Previdéncia que só poderáo ser desfeitas no longo prazo. A evolugáo do problema previdenciário, com excedo da previdéncia do funcionalismo público, é de longo prazo. Se vamos resolver este ano ou se vamos perder um ano mais discutindo, para que tudo saia bem feito na revi sao constitucional, nào faz muita diferenga. A curto prazo existem poucos problemas na parte previdenciária. O problema de longo prazo é que está explosivo, porque temos aposentadorias por tempo de servìgo, e urna populado que está envelhecendo. Assim, se requer urna decisáo agora, para que daqui a 10 anos nao estejamos numa situagáo critica. Como vamos fazer? Vamos desrespeitar os direitos assegurados de todos? Enquanto o sujeito náo se aposentar existe a expectativa de se é ou náo direito adquirido, etc.. Pode-se ainda tentar garfar alguma coisa se nào houver equilibrio. Depois que acontecer, depois que se tiver urna massa se aposentando com direitos muito elevados, a soludo é somente urna: diminuir o nivel de renda de todo mundo. E esta é a pior soludo. 72 Isto, particularmente, pode ser visto no caso do funcionalismo público, em que a Constituido de 1988 voltou a urna situado que a Constituido de 1967, muito inteligentemente, havia mudado. O que aconteceu? O funcionário público estava, cada vez mais, ficando igual ao empregado do setor privado. A Constituido de 1988 fez o contràrio. Existem brasileiros mais iguais do que os outros. Existem brasileiros que sao muito distintos uns dos outros constitucionalmente, embora a Constituido tenha um artigo que diz que todos sao iguais. Sao iguais, mas já cometa que a mulher se aposenta mais cedo que o homem. Entilo náo sao iguais. Isso é urna contradido intrínseca. O texto constitucional é contraditório de fato. Mas, enfim, n3o vamos entrar em urna discussáo jurídica sobre se é ou nto contraditório. O fato é que no caso do funcionalismo público podemos observar isso diretamente. Para a Uniào, isto náo é tío problemático porque acabou colocando os nfveis dos salários dos funcionáríos públicos táo baixos - estáo sendo recuperados agora naturalmente. Acho que é esta a soludo que será adotada nos outros Estados. Como se tem urna ligado muito forte entre a aposentadoría do setor público e o salàrio do servidor ativo, o único jeito de equilibrar esse sistema é diminuindo o salàrio do funcionário ativo. Isso é um absurdo, é a pior soludo possível e imaginável para o problema, mas náo há outra. A folha dos funcionáríos públicos de Minas Gerais, por exempto, em 1995 será de 50% para inativos. O estado de Santa Catarina, se nào adotasse um projeto que o ex-Ministro Raphael de Almeida Magalháes e o Hélio Portocarrero fizeram, no ano 2001, teria 95% da sua folha de pagamentos para inativos. Quer dizer, urna coisa absolutamente bárbara, é completamente fora de propósito o que aconteceu com a Constituido. Para que se tenha urna idéia, no pròprio relatórío da Comissáo, da qual o en táo Deputado António Britto foi Relator, os servidores públicos recebiam em mèdia 11,7 salários-mfnimos de aposentadorias. Se descartarmos as aposentadorías realmente absurdas, que sao algumas do Poder Legislativo, e muitas do Judiciirio, na verdade, essa mèdia chega a 10,3 saláriosmfnimos, enquanto no setor privado a mèdia náo supera 2,1 salários-mfnimos. Ou seja, cerca de 1 a 5 ou 1 a 6. É urna situado que, a longo prazo, náo pode persistir. Tem que haver urna mudanza a nivel constitucional. Outro fator importante é a indexado ao salário-mfnimo. E este é um ponto, em relado ao qual, a Comissáo de Reforma Fiscal sempre esteve em desacordo com o atual Ministro António Britto. A Comissáo dele foi realmente estupenda, o t rabal ho realizado ali é inacreditável, muito surpreendente, todos os técnicos que viram o t rabal ho ficaram realmente espantados de como, em táo curto espaqo de tempo, conseguiu-se ter um diagnóstico táo claro do problema. Mas mantiveram a indexado ao salário-mfnimo e é um grande erro. Hoje em dia náo há como se ter um aposentado indexado ao salário-mínimo por diversos problemas. Entre outros, porque o salário-mfnimo, hoje, é determinado pelo nfvel de quanto as prefeituras podem pagar. A verdade è essa. No Congresso, agora, quem manda sáo os prefeitos, que dizem que náo se pode aumentar o salário-mfnimo porque, senáo, eles teráo que cortar muito da folha de salários da prefeitura. Por isso, o salário-mfnimo permanecerá sempre nesse nivel de 60 a 65 dólares. Nao adianta o Ministro Barelli querer elevá-lo para 100 ou 300 73 dólares. Nào vai dar porque isso implicará em altos índices de inflado ou, entáo, haverá um congelamento. O que acontece é que, por um fator externo à previdencia, os aposentados sofrem com seus salários congelados quase quatro meses, com pequeños reajustes no meio. Isto impede que haja aumentos reais no salàrio-minimo, porque náo se pode dar aumento real ao saláriomínimo, por ganho de produtividade no País. Houve um ganho de produtividade recente muito grande, por sinal por conta da crise. É um ganho até ruim, de urna certa forma, porque gerou muita demissáo. Mas houve um ganho de produtividade. Daqui a um tempo, talvez, quando o País retomar o crescimento, isso possa ser incorporado ao salário-mínimo, que passa a ter um aumento real. Como iremos repassar esse aumento? Vai ser muito complicado. Sou mais favorável a urna indexagáo por um índice mensal, pronto, sem nenhuma confusáo. Pode ser com urna indexagáo pelo dólar ou, simplesmente, por um índice de cesta de consumo para quem tem 60 ou 65 anos, ou mais que isso. Sáo detalhes para se discutir a posteriori. Há um ponto importante, que é um pouco secundário, porque hoje em dia ele náo é táo problemático, que é a pensáo vitalicia e hereditária. Sabemos que estas pensóes sáo herdadas pelas filhas, principalmente dos militares e dos servidores do Poder Judiciário. Isso tem que ser resolvido. No caso dos militares isso está aumentando como urna bola de neve. No caso do Poder Judiciário náo tenho dados para verificar, mas existem dados no caso dos militares. Existe urna proposta, apresentada pela Comissáo de Reforma Fiscal para resolver o problema, de fato, de muitos brasileiros, a partir de urna certa idade, que náo tèm acesso à Previdència. Hoje, existe urna proposta de que se deve estender o beneficio a todos os brasileiros, etc., em idade de se aposentar. Só que ele nunca será estendido. Ninguém irá regulamentar esse artigo da Constituido se tiver que dar um salário-mínimo. A proposta da Comissáo de Reforma Fiscal é de que, ao invés de dar um salário-mínimo, dessem o suficiente para que urna pessoa consiga sobreviver de acordo com a linha de pobreza - a linha de pobreza da ONU, mas a maioria da populado brasileira está abaixo do nivel de pobreza absoluta. A Comissáo que estudou o salário-mínimo calculou isso: cerca de 35 dólares por pessoa - náo é por familia, é por pessoa -, por més, sao suficientes para deixá-la no nivel de pobreza, o que é bastante bom porque pelo menos sabemos que no nivel de pobreza a pessoa se sustenta, tem lazer, ele náo sobrevive apenas. Entáo, consegue-se dar aos brasileiros - hoje tem-se urna massa incrível da populado numa situado absolutamente ridicula - urna situado de decéncia mínima. Esse sistema custa no inicio, considerando-se todos os aposentados, pessoas com mais de 65 anos e inativos, cada urna recebendo 35 dólares por més, cerca de 0,8%, do PIB, aproximadamente 3,5 bilhóes de dólares. Esse percentual cairia ao longo do tempo com o crescimento natural do PIB que iria acontecer. Esse conceito de Previdència Universal é muito importante, porque todos os brasileiros teriam direito a isso fossem ricos ou pobres, todo brasileiro teria direito a 35 dólares por més quando se aposentasse. Esse conceito resolvería, em parte, o problema da assisténcia social dentro da seguridade social que está definida na Constituido. A Constituido de 88 quis inovar enormemente e vinculou recursos ao que se chama de Seguridade Social. O Prof. Dércio Munhoz já comegou a apontar parte dos problemas que 74 ocorrem. Os beneficios de saúde cresceram muito. Simplesmente isso significa "roubar", retirar dinheiro dos beneficios previdenciários. Mas existe algo que é muito mais grave ainda, quando no nome "Assisténcia Social" incluem-se coisas que sao absolutamente malucas, sào completas excrescéncias do sistema de gastos brasileiro. Como "Assisténcia Social" sao incluidos, hoje, os dìspèndìos com o Ministério do Bem-Estar Social, parte do Ministério de Integrado Regional, que incorporou a Secretaria de Desenvolvimento Regional. Isso tudo é incluido como gasto social. Se queremos dar Assisténcia Social, muito mais eficiente do que se ter LBA, do que se ter CEME - veja bem, a confusao que é para a CEME -, do que dar merenda escolar - que hoje os municipios já estáo dando -, muito mais eficiente do que fazer isso, do que construir obras, é dar dinheiro diretamente para a pessoa. Essa Previdéncia Universal seria urna forma de assistencialismo direto muito mais barato do que o desses Ministérios. Só o Ministério da Ado Social tem um ornamento de cerca de 1,2% do PIB, fora esses outros gastos ditos sociais do Governo Federal. Nem estou falando nos gastos dos Governos Estaduais e Municipais o que elevaría esse índice para entre 1,5% e 2,0% do PIB. Desta forma, o conceito de Seguridade na Constituido foi urna maneira sub-reptícia dos deputados introduzirem,, um sistema que perpetua o poder deles artificialmente. Estou convencido disso hoje em dia. Incluem sob o nome de "Assisténcia Social", com receitas vinculadas, urna enormidade de gastos que sào absolutamente imitéis. Há quantos anos se gasta dinheiro na seca do Nordeste? Nào é possível manter essa quantidade de incentivos fiscais FINAM, FINOR -, do Ministério da A gao Social e da Caixa Económica Federal, para obras e programas nào realizados. Nào teria sido bem melhor tirar as pessoas da regiào ou entào dar o dinheiro diretamente para elas? Nào teria sido mais simples fazer isso? Para que fazer essa confusào toda de ter urna pessoa que vai fazer urna obra complicada, a obra nào se completa, falta dinheiro, chega um pouco de dinheiro, mas nào o resto porque o ornamento nào permitiu, é urna confusao diabólica. Nesse sentido, também sou favorável, após urna imensa revisáo do ornamento, porque há necessidade de profundos cortes de gastos se essa proposta for aceita, a proposta do Prof. Hashimura, que estende mais ou menos à do Senador Eduardo Suplicy, que seria a de que todo brasileiro, com 25 anos ou mais, ter direito a 20 dólares por mès. A idade nào pode ser muito mais baixa para nào dar incentivo a que as pessoas tenham filhos para usufruírem do beneficio. Essas propostas sào sempre muito perigosas. As decisóes dos agentes económicos sào sempre curíosíssimas, mesmo ñas familias. Como poderíamos formular essa proposta? Acima de 25 anos, todo brasileiro ganharia 20 dólares por mès, e quando chegasse a idade de aposentadoria ele receberia o que falta, ou seja, os 15 dólares extras mínimos para todo mundo, além da previdéncia oficial. Depois poderei falar sobre a previdéncia oficial, porque nào quero me estender muito para sobrar tempo para os debates. Isto teria um impacto claro na saúde, o que também é um grande problema. Estou falando da saúde nào porque seja de interesse direto, mas porque isso tira dinheiro dos beneficios previdenciários. Os beneficios previdenciários existem pois, acabou-se á capacidade 75 laborativa do individuo, entao, ele tem que ser remunerado, porque nào tem mais condigdes de ir ao mercado de trabalho. A verdade é que a saúde é um saco sem fundo. Hoje, um dos maiores problemas no mundo inteiro é do fínanciamento à saúde, porque, de maneira geral, qualquer pessoa pode ser salva. Isso é um exagero, mas é possfvel curar, praticamente, qualquer doenga, dar urna sobrevida enorme ao individuo, mas tem um custo absurdo. A maioria dos médicos tém um problema ético muito grande com isso, a maioria das pessoas eu diría, mas, principalmente os médicos que estào no dia a dia com os pacientes deles. Ora, se eu posso salvar o individuo n9o vou salvá-lo porque ele nao tem dinheiro? O que acontece é o seguirne: isso seria muito bom se o ornamento fosse ilimitado, mas infelizmente tem que haver limitagáo no "pacote de saúde" que o sistema oficial oferece. Nao há outra escolha. Acima de tantos anos náo fago mais transplante de coragáo, e acabou. O sujeito pode ter um dia a mais de vida, mas nSo se faz tiansplante de coragào nele. É assim que funciona na Alemanha, é assim que funciona em todos os países. É impossível se ter essa flexibilidade. O que acontece é que se acaba gastando muito dinheiro com poucos, e na hora de oferecer san eamento básico, na hora de se ter as coisas que precisam realmente de agáo governamental, náo existe dinheiro. G assim é muito pior porque mone todo mundo de cólera, que é urna doenga boba, fácil de curar. Basta dar um antibiòtico ao sujeito, pode até ser preventivamente, como o Adib Jatene estava fazendo. Sai muito mais barato'do que fi car fazendo exame, verificando se ele tem ou náo a doenga. Entáo, por causa de gastos localizados muito caros, acaba-se tendo a morte de milhdes de outras pessoas por doenqas absolutamente bobas e simples de curar. É um fator ético complicado, eu sei, mas o que o País tem de decidir é quanto por ano e por habitante quer gastar na saúde. N9o há jeito da discussSo ser de outra forma. É por isso que a proposta tanto da Previdéncia Universal quanto do Assistencialismo Universal sáo muito boas, porque os gastos de saúde vSo ser reduzidos substancialmente, porque o sujeito está bem alimentado. Pelo menos isso já vai baixar muito os gastos de saúde por individuo. Falarei sobre outros pontos, embora considere os já abordados os principáis, que requerem modifícales, e que sáo importantes serem notados, hojé em dia, na Previdéncia Social. Muito obrigado. Marcelo Viana EstevSo de Moraes (Coordenador) - Dando inicio à segunda parte deste evento, passarci a palavra ao Dr. Sérgio Werlang para fazer comentários sobre a exposigáo do Dr. Dércio Munhoz. Caberá ao Dr. Dércio o direito de réplica, e o Dr. Werlang terá o direito à tréplica. Depois o Dr. Dércio Munhoz farà comentários sobre a exposigio do Dr. Sérgio Werlang, com direito de réplica e tréplica. Em seguida, abriremos a palavra a platéia. Com a palavra o Dr. Sérgio Werlang. Sérgio Werlang (Conferencista) - Vou comentar alguns pontos gerais e depois as propostas. 76 É muito importante que se diga urna coisa: o Imposto Seletivo é ruim em vários aspectos, pois ele inviabiliza as nossas exportares. Como deverá substituir todos os impostos, ou pelo menos urna percentagem significativa do total de impostos que o País arrecada, ele tem que incidir em níveis altos -, e nao ficou claro que as alíquotas que o Deputado Luís Roberto Ponte propoe sejam suficientes. Mas sim, alíquotas de cerca de 40%, o grande problema é que nao se consegue desonerar os produtos para exportagáo. Nao vamos poder exportar. Isso é algo extremamente ruim. Na década de 60, de 70, quando o mundo era mais fechado, isso nao sería táo problemático assim, diminuiría muito as exportares, mas nao iría fazer muita diferenga. Mas hoje em dia, nao, considerando que a competitividade é o fator preponderante no comércio internacional; quem náo for competitivo tem de fechar, isso nos deixará em urna situagáo de desvantagem frente ao resto do mundo. Esse é um problema que deve ser discutido. Concordo que a discussáo em relagáo ao Projeto Ponte tem sido um pouco superficial, de forma que o projeto tem alcanzado expressáo de relevancia que náo alcanzaría, em hipótese alguma, em qualquer discussáo séria, destaque que também ganhou o projeto de Imposto Unico. Sáo propostas que causam urna completa mudan ga no sistema tríbutárío, muito brusca, sem motivo por si só. Enfim, concordo que é ruim, mas acho importante ressaltar a falta de competitividade do setor exportador. Dentre as outras sugestoes dadas de passagem, que náo sáo as fináis, há urna de fundamental importáncia, que é a indexagao orgamentáría e a proibigáo do contingenciamento. Aliás, foi a única sugestáo que eu defendí e náo foi aprovada na Comissáo Executiva de Reforma Fiscal. É claro que a indexagao orgamentáría, com a proibigáo de contingenciamento, só pode ser feita se o indexador levar em consideragáo a possibilidade de que a receita náo cresga de acordo com a inflagáo. Concordo que essas duas medidas, hoje, resolveríam 90% do problema orgamentário. Acho que é muito importante que esse ponto seja bastante discutido. Por exemplo: resolvería o problema da saúde, da estabilidade de recursos para o BNDES, que hoje em dia é financiado - como o professor nota - por um imposto completamente absurdo, que é esse PIS/PASEP. O PIS/PASEP - estou agora mencionando urna das últimas propostas dele, a de que se faga, de certa forma, urna revisáo disso - é um imposto que incide sobre todo mundo, é um imposto que incide sobre o trabalhador e sobre o consumidor, e, ainda por cima, em cascata. E ele financia o que? Básicamente, 60% dele fica no Banco Central, ou seja, fica retido para financiar os gastos da Uniáo em geral, quando deveria ser aplicado no treinamento de funcionários, mas náo é isso que ocorre, e 40% vai para o BNDES. É um imposto completamente desigual. Esse imposto tem de acabar, náo tem jeito, essa situagáo é inadmissível. Tenho a impressáo de que agora que os trabalhadores tém participagao no Fundo de Amparo ao Trabalhador, eles váo ver qual o retorno do dinheiro que aplicam, mesmo no BNDES. Isso é algo importante, e o problema seria resolvido se pudéssemos ter o orgamento indexado, náo-contingenciado. Poder-se-ia ter simplesmente um subsidio direto ao diferencial de taxa de juros, de curto e longo prazo, com recursos garantidos no orgamento. Ai, se saberia 77 que ia ter os recursos atualizados, em que mès, e que nao iriam ser contingenciados, assim como resolvería a náo-vinculagáo de recursos na saúde. A desoneragao da folha salarial pode ser problemática, mas em níveis muito elevados. A proposta do Prof. Dércio Munhoz, de passar a contribuigáo dos trabalhadores de 20% para 15% e limitar a 10 salários-mínimos a contribuido da empresa, vai na diredo certa, mas é tímida. Precisamos de mais que isso. Esta proposta por si só nao teria um efeito relativamente grande a curto prazo. Aliás a curto prazo, seria difícil a obtendo de resultados significativos. Nessas circunstancias eu seria um pouquinho mais ousado, propondo o financiamento da diferenga por impostos gerais ou por um IVA federal, um IPI melhorado, ou en tao por urna contribuigáo sobre transagóes financeiras, que seria, enfim o IPMF, para financiar só o possível rombo que viesse a surgir na Previdéncia. Os recursos fiscais para a Saúde, já comentei sobre eles quando ressaltei a necessidade de indexagáo do orgamento, devem existir, ou seja, a Saúde tem de ser financiada mais por estes recursos do que por recursos vinculados. A Previdéncia, sim, deve ter alguma ligado com o Orgamento, mas náo necessariamente. Concordo plenamente que a expansáo da Previdéncia Complementar é muito importante, talvez nao necessariamente pelas mesmas razóes, mas a idéia é a mesma. Tem de expandir a Previdéncia Complementar para tirar do Estado o ònus de ter esse aumento do endividamento, que cresce como urna bola de neve. Assim, discordo do professor quando diz que o modelo chileno é ruim por conta desse problema. Deixe-me explicar qual é o problema essencial que esse relatório da OIT também menciona. O problema é que, quem é pobre recebe do Estado o beneficio mínimo, mas quem trabalha náo recebe o mínimo, ele recebe um pouco a mais do que esse mínimo. Entáo, se o individuo pode decidir entre ser ou náo informal, na verdade, se ele estiver com a renda muito próxima do salàrio que ele ganharia como beneficio mínimo, independente de contribuigáo, ele prefere ser informal porque, dessa fprma, náo será descontado da folha salarial dele. O problema essencial do Chile é económico, de incentivos errados. Isso lá está sendo um problema relativamente grave como apontou o Prof. Dércio Munhoz, mas, menos grave do que as pessoas aqui advogam. Por fim, a sugestáo do Prof. Dércio Munhoz de dissociar o problema da Previdéncia do problema fiscal, acho que ele tem razáo em parte. Como disse, o problema da Previdéncia é de longo prazo. A única excegáo que fago é em relagáo à previdéncia do funcionalismo público que está em níveis absurdamente explosivos. Se fosse um problema que se desenvolvesse lentamente, teríamos menos preméncia na sua solugáo. Mas neste ponto específico é necessàrio um pouco mais de agilidade, e talvez seja importante incluir isso na reforma fiscal como um todo. É importante que a discussáo do tempo de servigo versus aposentadoria por idade, seja incluida na revisáo constitucional. Muito obrigado. 78 Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Com a palavra o Dr. Dércio Munhoz. Dércio Munhoz (Conferencista) - Abordarei o tema da aposentadoria por idade versus aposentadoria por tempo de servigo, e farei outras observagoes. Um dos problemas do projeto Ponte, que o Sérgio apontou, e que me parece da maior importáncia, é que além de colocar a Previdéncia na dependéncia do Ornamento Fiscal prejudica as exportares, na medida em que diminuí a competitividade de nossos produtos. Acho que o setor externo foi urna conquista que o Brasil obteve e tem mantido, o que outros países da América Latina, que fizeram programas de ajuste externo e de estabilizado interna, nao obtiveram e se perderam no meio do caminho por más políticas fiscais ou cambiais. O saldo externo é um elemento nao somente de negociad 0 externa, mas um elemento que pode minimizar o problema do atraso tecnológico no setor industrial. O saldo comercial é um patrimonio. Tudo que se possa fazer, mas que altere a competitividade externa, deve ser muito bem pensado. A competitividade externa tem tanta importáncia quanto a adodo de medidas fiscais, ou de outra natureza que alterem os pregos relativos e, conseqüentemente, a estrutura de renda do País. Outro ponto que me preocupa nessa questáo, que o Sérgio colocou é que existe uma característica comum nesses projetos tipo o do Ponte, um projeto que reduz alguns tributos, e que coloca outro no lugar centrado em alguns itens - aparentemente náo está bem no projeto do Ponte, mas estaría no do Gama, mas eu já disse que é o do Ponte -, e que sempre se conta com um aumento de carga líquida. "Eu criei esse imposto, esses 40% sobre energia, mas retiro os impostas a, b, c e d". Ora, numa economía em recessáo, com grande número de empresas com taxas de retorno muito baixas ou negativas, é quase impossível que tenhamos, de fato, uma redudo de tributo no setor "a", compensando um grande aumento de tributos no setor "b". Possivelmente ter-se-ia apenas um repasse parcial, em termos de redudo de custos e de presos fináis, no setor beneficiado. Eu calculo que metade dessa compensagáo fiscal náo seria repassada, e todos dizem que sou otimista. Ñas circunstancias presentes, com a economía em recessáo, difícilmente esses 2/3 de empresas fracas teriam como reduzir a contribuido, quando beneficiadas por uma redugáo fiscal. Ante tal perspectiva o projeto do Ponte tem que ser muito pensado, as implicagoes podem ser muito grandes. Quanto ao ponto da dissociagáo da Previdéncia que eu tinha colocado, o Sérgio opinou que isso deveria ocorrer especialmente no setor público. Eu diría que o setor público tem que entrar na Previdéncia Social unlversalizada, porque estamos com um estoque de problemas crescentes. No mínimo, teríamos que contingenciar o passivo previdenciário do Governo. Os novos servidores, de qualquer nivel de Governo com renda de até 10 salários-mínimos, ou "x" salários-mínimos, seriam cobertos pela Previdéncia Oficial e fora disso teria uma Previdéncia Complementar. Pelo menos, teríamos um sistema que, parcialmente, seria de capitalizagáo na Previdéncia Complementar. 79 O passivo previdenciário dos estados e municipios é muito grande. Mas, se avaliarmos melhor esse passivo, teremos que pensar melhor, porque, de fato, a premissa que temos aceito ao longo do tempo é a de que os estados, economicamente mais fracos, utilizam o emprego público como se ele fosse urna medida compensatória pela falta de dinamismo da economia. Mas o que temos observado é que, geralmente, tèm-se ampliado o número de empregos com salários elevadíssimos. Nao se tem ampliado o número de empregados, mas sim os gastos com pessoal. Tanto é que o limite constitucional de 65% da receita corrente nào era para a Uniáo, que tradicionalmente tem realizado com pessoal, 1/3 de suas despesas correntes. Isso dividido em trés partes dá aproximadamente igual: 1/3 para o pessoal militar; 1/3 para o pessoal civil; 1/3 para inativos. Mas na área dos estados e municipios essa é urna questáo grave, e náo temos tido o cuidado de avaliar a politica salarial e de pessoal dos estados, avaliagáo que deveria ser feita, náo com o sentido de intervir, de quebrar a Federado, mas no sentido de exigir urna racionalidade minima. Aliás, isso também náo tem sido feito ñas empresas estatais. Acho que as empresas estatais tém sido muito maltratadas no Brasil, etc., mas independente disso acredito que deva haver algum critèrio na questáo dos salários de seus funcionários. Ontemmesmo vi a publica gao do baiando de urna empresa estatal em que a folha de salários era quase igual ao custo dos produtos vendidos, è fora de todos os parámetros. Isso significa que, na Previdència Social temos de ter urna forma de induzir os Estados a usarem o critèrio da racionalidade. A unlversalizado previdenciária para os futuros funcionários dos trés níveis do Governo reforjaría também os recursos da Previdència Social. Quanto à questáo dos 15% de contribuido e limite de 10 salários-mínimos, que o Sérgio acha um pouco timido, a minha preocupado é de que a Previdència náo perca muito daquilo que constituí sua receita pròpria, porque senáo eia se fragiliza na outra área, especialmente enquanto náo tivermos ornamento e regras de elaborado e de execugáo orgamentárias diferentes. O Sérgio lembrou que a indexagáo do ornamento resolvería os problemas. Em relado à indexagáo da receita temos tentado, há alguns anos, no Congresso, através de lei, da LDO ou do pròprio ornamento e náo temos conseguido. E as propostas sáo as seguintes: o remanescente de cada verba será corrigido dia primeiro, pela mèdia de inflado dos trés últimos meses, limitado à percentagem de crescimento das receitas. E se houver um crescimento maior do que a inflado ñas receitas, ai, sim, ter-se-á urna receita de excesso de arrecadado. Hoje tudo aquilo que náo está previsto no ornamento chama-se excesso de arrecadado, ou seja, a inflado observada sendo maior que a realizada è excesso de arrecadado. A partir dai, segura-se o ornamento que surge como um monstro. Entáo, o ornamento com indexado no lado da despesa é urna coisa que temos tentado porque a execugáo ocorreria naturalmente, como o Sérgio lembra. Agora, há urna resisténcia muito grande na área do Executivo porque tira a liberdade de algumas áreas da administrado e do Congresso, e náo sei o porqué? Mas é porque se esse é um ornamento que náo existe, do modo como é feito, esse ornamento de 250 bilhòes de dólares deveria ser de 65 bilhòes de dólares. 80 O tamanho do Ornamento depende do período de maturagáo dos títulos públicos. O Banco Central coloca títulos a curto prazo, o giro é muito rápido, o Ornamento da Uniáo vai lá para cima, abre a sanfona; nos títulos de longo prazo, o Ornamento encolhe. Entáo, é um Ornamento sanfona que náo serve para nada realmente. E nessa questáo o Sérgio coloca o problema do PIS/PASEP, que, de fato, é urna preocupado. O PIS/PASEP é importante no sentido de que representa a fonte de arrecadagáo de recursos para o Fundo de Amparo ao Trabalhador, fundamental para o financiamento do seguro-desemprego. Mas quando chega na hora de executar, 40% vai para financiamento industrial, quando se deveria capitalizar. Os recursos para a capitalizado das empresas estatais, como é o caso do BNDES, deveriam ser gerados a partir, talvez, de fundos, de dividendos do proprio setor estatal. Além disso, setores que fossem mais rentáveis nào poderiam ter, no setor estatal, a capacidade política de expansáo ilimitada para tudo. Esses, ao contràrio, deveriam contribuir para capitalizado dos outros setores. Entáo, temos urna política para as empresas estatais que náo tem sentido. Se urna determinada empresa tem boa situagào no mercado internacional, e tem um bom lucro, entáo vamos ver se entramos na área tal. Nao, isso tem que ter urna decisáo diferente. A busca de financiamento deveria ser através de fundos de capitalizado de outras empresas e náo do PIS/PASEP. Por outro lado, no programa de seguro-desemprego há um montante "x", quando esse "x" estoura, guarda-se o dinheiro para amanhá e, quando o faz, vem alguém querendo buscar, para cobrir despesas correntes, a título de empréstimo. Estamos numa situad 0 em que o Tesouro náo passa recursos fiscais suficientes para a Saúde, por exemplo, porque retira a atualizad0 monetària do float do Tesouro e, portante, sempre diz que náo tem dinheiro. Ai a Saúde tem que tomar um empréstimo bancàrio com os recursos que sobraram do FAT. É urna loucura completa isso ai. E realmente alguma coisa tem que ser feita nesse sentido. Em relado às colocagòes do Sérgio, tenho anotado alguns pontos. . . Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Um momento, Prof. Dércio. Em principio, o Sérgio teria direito a urna tréplica. Vocés preferem que se dé continuidade agora com comentários? Sérgio Werlang (Conferencista) - Deixe eu falar somente 30 segundos. Claro que eu concordo com todos os seus pontos, mas quero reforgar que o percentual de 15% é tímido, tendo em vista principalmente essa decisáo recente da Argentina. Se realmente o Domingos Cavallo fizer o que diz, que é transformar 43 % da cunha incidente sobre a folha salarial em contribuido de valor adicionado, náo vamos ter alternativas. Dércio Munhoz (Conferencista) - Essa contribuido sobre a folha de salários é preocupante, inclusive, porque ñas pequeñas empresas, quando se agrega a contribuido do pròprio empregado, a contribuido da folha de salários dos empregados, com todos os acréscimos e tal, e depois a contribuido dupla do empregador de urna pequeña empresa, que é um individuo, tem um acréscimo brutal. A carga é muito grande, e o problema do efeito em cascata tem que ser realmente examinado. 81 A Revisáo Constitucional engloba o problema da manutengo ou nao da aposentadoria por tempo de servido, que é urna discussáo muito antiga e um pouco complexa. Algumas propostas surgiram, quando eu era Presidente do Conselho Superior da Previdéncia Social, no sentido puro e simples de que o sujeito deveria chegar aos 60 ou 65 anos para se aposentar. Diría: bom, quem entrou cedo no mercado de trabalho vai contribuir durante 45 anos e outros que entraram tarde vao contribuir durante 15 anos. Entáo, no mínimo, ter-se-ia que estudar alguma forma de que o sujeito, se nao pudesse se retirar, deixasse de contribuir por algum período. Agora, quanto ao que o Sérgio coloca em relado a essa questáo dos funcionários públicos - ele dá énfase especial ao problema dos Estados, no desequilibrio financeiro potencial deles, que tem urna componente realmente muito grande devido ao peso da folha de salários -, teria que ser feito um estudo mais profundo do assunto a nivel federal. Vejo que Brasilia interfere muito, no nivel estadual, em certas coisas, por querer exercer um poder político nos Estados, como, por exemplo, no caso daquela armadilha que fizeram com os títulos públicos estaduais. Tiraram a liquidez dos títulos, os bancos estaduais tiveram que comprá-los, ficaram em situado de inadimpléncia, vieram os redescontos e os bancos foram colocados como entidades insolventes e tal. Nao é urna armadilha desse tipo o que se deve fazer. Acho que temos de trabalhar em questoes como esta. Os bancos estaduais tém de ser acompanhados pelos Estados, principalmente em questoes como essa, que sao problemas de herangas do passado. Nao adianta querermos punir no presente, como está acontecendo no problema da Caixa Económica com os estados. Entáo há pessoas que dizem assim: Dá duro no Estado, mesmo que tenha que ser urna intervengáo branca. Eu digo que nao. Se eu repassei um recurso para o Estado através da Caixa Económica, que exige corregáo mensal, mas como o Estado nao corrige mensalmente a conta de água e tudo o mais, entáo eu errei a nivel federal. Tinha de haver recursos a fundo perdido que complementassem esse diferencial entre corre?áo de ativo e passivo da instituido financeira do Estado, que tomou empréstimo junto á Caixa e náo póde pagar porque náo podia fazer a corred 0 em sua receita. Sáo questoes que o Governo Federal tem de analisar e procurar urna solutjao. O problema de falta de racionalidade na aplicado de verbas, que o Sérgio coloca, me preocupa muito, principalmente quando analiso a Seguridade, a Saúde, a Previdéncia e a Assisténcia Social. Por qué? Porque na Previdéncia tenho um rol de beneficiários, tenho um potencial, posso ter urna previsáo, etc., de dispéndios com os compromissos futuros. Se eu quero melhorar o sistema de saúde posso fazer urna programado de longo prazo com as comunidades e dentro dessa programado criar os conselhos da comunidade, etc., para se chegar a um sistema muito interessante de planejamento participativo com maior racionalidade na aplicado dos recursos. Agora, a Assisténcia Social, por tradigáo, é um negócio elástico. Na Assisténcia Social, ás vezes, há alguma coisa que é determinada pelo Ministro de urna regiáo, pelo partido tal, o que confere urna elasticidade muito grande aos programas assistenciais. Entáo, o ornamento da seguridade acaba sendo indefinido no sentido de que eu náo sei o que será destinado para a Assisténcia Social. Náo sei quais sáo os projetos, e, realmente, isto ai teria que ser definido: Bem, assisténcia social na Seguridade é isto e seráo aportados tais recursos. Fora disso, seriam recursos extras, excesso de arrecadado para que se saiba que o ornamento da 82 seguridade no global é um fazer isso, realmente. ornamento que se pode medir em termos reais. Hoje, nào se pode Tenho urna preocupagào quando o Sérgio coloca a necessidade de cortar gastos porque o Orgamento da Uniào está ultracomprímido. Temos aquí, por exemplo, na execugáo do ornamento do ano passado, urna receita global de 38 bilhdes de dólares, incluindo as contribuigòes sociais que sáo o PIS/PASEP, a COFINS e a Contribuido sobre o Lucro. Entáo, ele foi superestimado em, aproximadamente, uns 8 bilhòes de dólares. As receitas diretas do Tesouro chegariam a uns 30 bilhòes de dólares. Mas o Tesouro repassou menos, e nessas outras vinculares foram repassados 5,5 bilhòes apenas. O Tesouro sempre retém porque cometa a classificar, como sabemos, urna porgáo de coísas como Assisténcia Social e acaba repassando o que bem entende. Quanto mais coisas forem classificadas como sendo de Assisténcia Social, menor será o residuo para a Seguridade. Mas depois vemos ñas transferéncias constitucionais, por exemplo, 9 bilhòes de dólares, e em outras transferéncias para Estados e Municipios apenas 500 milhòes de dólares; pessoal, 13 bilhòes, o que representa 1/3 do orgamento clàssico, que é este com 38 bilhòes de dólares; encargos das dividas interna e externa 5 bilhòes de dólares; e nos outros custeios e investimentos, nos quais se poderia cortar, só existem 4 bilhòes e 600 milhòes de dólares. Entáo, náo tenho onde cortar. Poderia dizer: vou cortar encargos da divida. Mas cortar encargos quando estou com 13 bilhòes de dólares, e quando, na verdade o custo da divida foi muito maior que esse valor? Apenas náo sei por qué "cargas d'água" o custo da divida náo aparece no Ornamento como despesas e no estoque como juros capitalizados. O problema da divida do Ornamento do ano passado é um negócio que, realmente, merece urna investigado quase que policial. O que está acontecendo quando pago 30%, numa divida de 80 bilhòes de dólares, e só aparecem 3 bilhòes como despesa e zero como aumento da divida em termos reais? Alguma coisa houve, mas é incompreensfvel. As liberales de crédito que vemos se equilibrarci um pouco. Náo deveriam estar aquí como receitas, mas dá até um ganho para o Tesouro. Entáo, o que vejo? Que tenho sobra de recursos, e que náo é necessàrio fazer cortes de receita. Essa sobra é exatamente a parcela que subtraio para náo permitir a indexagáo daquilo que chamo de efeito TANZI II. Todo mundo indexa os impostes até colocar no Banco Central, e daquele momento até ao da aplicado é impossível indexar. Essa perda é o elemento de inflexibilidade existente nesse Ornamento. Entáo, os cortes de despesa sáo mais difíceis. Por outro lado, vemos que as receitas estáo concentradas no IPI, no Imposto de Renda e um pouco no IOF. Mas quando pego a distribuido, com as fontes de receita fiscal, dentro do conceito de receita corrente do Tesouro, fico abismado porque sáo páginas e mais páginas de receitas, e vejo que as receitas estáo concentradas em poucas fontes. Entáo, urna coisa que existe de inexplidvel é urna sèrie de receitas do Ornamento que devem ter um custo de arrecadado muito maior. Às vezes há itens de receita que sáo de 600 mil cruzeiros num ano, e, certamente, o seu custo é maior. Entáo, teríamos que pensar de que modo poder-se-ia ter, examinando a receita e a despesa, isso se tivermos a indexagáo que o Sérgio apontou como solugáo e que temos defendido urna melhoria na arrecadagáo deste ano. Precisávamos ver o orgamento com o imposto de renda de pessoas jurídicas sendo pago antecipadamente, como agora, diminuindo o efeito da perda do Decreto Lei 8.200. Com tudo isso, devemos ter um orgamento, que calculo, seja de 26 bilhòes de dólares, quando o previsto era de 30 e poucos bilhòes de dólares. Para 83 que? Nâo para que se negue a necessidade de se fazer uma revisâo orçamentâria que se impôe, inclusive, por razôes filosóficas e económicas. Porque, se um setor era uma fonte de tributaçâo importante e perdeu o dinamismo numa economía que se amplia avançando em complexidade, tenho que reconhecer que aquela é uma fonte nâo dinámica, que estou deixando de arrecadar impostos. A revisâo conceitual das fontes é desnecessária. O importante, ao que me parece e o Sérgio concordou, é que essas questôes nâo sejam colocadas assim: vamos reformar a Constituiçâo o mês que vem e temos que mexer na Previdencia ou na questâo fiscal. Temos que ter um prazo, ainda que seja mais extenso, para nâo desmontamos as coisas que vêm funcionando a partir de diagnósticos que, às vezes nâo sâo os mais precisos, os mais corretos. Concluindo, diria que a questáo da Saúde, também me preocupa. Acho que a sugestâo do Sérgio sobre esse problema de limitar o acesso à assistência de saúde é muito delicado - ele mesmo reconheceu - com implicaçôes de natureza ética. De fato, dever-se-ia limitar a participaçâo nos beneficios da Previdência a individuos com determinados nfveis de renda. Dependendo do nivel de renda, o sujeito teria que contribuir para custear certos tipos de tratamento, coisas assim. Sabemos que para certos tratamentos de saúde só quem tem acesso sâo as pessoas de alta renda. Tratamentos sofisticados e tudo o mais, o individuo de baixa renda, normalmente nâo irá conseguir, vai morrer na fila para entrar em um determinado hospital. Se tivéssemos, por exemplo, esses individuos de maior renda dando uma contribuiçâo, pagando ainda que parcialmente, talvez pudéssemos eliminar parte dos obstáculos para determinadas pessoas em funçào da idade e da renda. Sabemos que, se forem introduzidas estas modificaçôes, haverá uma discriminaçâo que vai atingir o cidadâo de baixa renda. Entâo, este é, realmente, um ponto de preocupaçâo na questâo da saúde. E outra coisa: o que queremos num programa de saúde a longo prazo? Em quanto fica isso ai? Há pouco tempo eu participava de uma reuniâo do Conselho Nacional de Saúde e ouvi o seguinte: construir um hospital é muito fácil, agora temos que lembrar que se eu gasto 100 milhôes de dólares num hospital, eu incorporo, naquele ano, 100 milhôes de dólares de custos correntes. Entáo, temos que pensar no problema da saúde em termos de investimento e no tipo de custos correntes que acabamos incorporando. Existe um plano na área de saúde que me parece intéressante, embora nâo o conheça, pois traça etapas para que se tente solucionar isso ai. Ele conféré um poder maior aos municipios, e essa pode ser uma das maneiras de se reduzir os custos, e de nâo obrigar um hospital particular a receber um doente por menos do que cüstaria o pouso no apartamento do hospital. Sérgio Werlang (Conferencista) - Em relaçâo à aposentadoria por tempo de serviço versus aposentadoria por idade, eu prefiro nâo entrar na polémica porque esta nâo é uma questáo central. Só lembro o seguinte: sáo raríssimos os países que só tém aposentadoria por tempo de serviço. Depois, nâo acho nada de mais conceder aposentadoria por tempo de serviço enquanto a populaçâo é jovem. Mas, quando há uma mudança no perfil etário náo tem jeito. Ela, hoje em dia, só beneficia quem pode comprovar que trabalhou 35 anos. Os dados existentes demonstram que cerca de 80% das pessoas com très salários-mínimos ou menos se aposentam por idade. Esse sistema que está ai só beneficia quem ganha mais, quem está com a renda na faixa superior. Ele é um sistema que nâo é sustentável a longo prazo. Agora, há tempo para se discutir? Acho que 84 sim, mas é necessàrio que se busque introduzir algum sistema que leve em consideralo a idade. A idéia de aposentadoria por tempo de servilo é o que? Quando a pessoa chega numa certa idade, a capacidade laborativa dela diminui, nào se tem mais como competir no mercado de traballio. Isso è inerente à fisiologia dos seres humanos: ele fica velho e nào pode mais para trabalhar. É claro, também que, com o avanzo da medicina, esse limite da capacidade de traballio vai aumentando. A idade mèdia dos trabalhadores no mundo, inclusive no Brasil, está aumentando. Mas è importante introduzir algum fator ai. Concordo que há espago, há tempo para fazer urna discussào mais ampia, nào há necessidade de se fazer essas mudan gas de afogadilho. Quanto aos cortes de gastos, diría que è importante perceber que os gastos, da maneira como estào no Orgamento nào permitem que se veja com clareza. Inclusive, è curioso, na Comissào de Reforma Fiscal contratamos o Raul Veloso, que disse: "náo, só podemos cortar "x" por cento em custeio e outro "x" por cento de custeio de capital." E eu disse: escuta, e o Ministério da Agáo Social? E eie respondeu: "isso è gasto de Seguridade, está ai no meio. " É aquilo que eu disse antes: vários desses gastos estào colocados dentro de um cobertor. Entào, os gastos com Seguridade Social sào vinculados, nào temos de mexer com eles. Ora, mas è justamente ai que está o problema. Se os gastos com seguridade se restringissem á saúde e ao pagamento de beneficios, esquecendo os gastos de assistència social... Hoje em dia, do jeito que estáo os gastos com assistència social, estes podem ser esquecidos? Estados e municipios hoje, depois da Constituigáo de 88, tèm muitos recursos e podem assumir os gastos assistenciais que antigamente a Uniáo fazia. Acho que existem outros gastos assistenciais, como eu mencionei propostas de aposentadoria universal mínima, programas assistencialistas universais, em que se dá dinheiro direto, etc. - que sáo, certamente, atribuigào do Governo Federal. É um tipo de assistència que só pode ser feita pelo Governo Federai. Assistencialismo locai, com dinheiro federal é ultra-ineficiente, além do que a Uniào nào tem mais dinheiro. Tinha até 88, hoje nào tem mais. Se vocès forem ver, nào se repassa merenda escolar para o Rio de Janeiro. Faz quase dois anos que náo chega regularmente merenda escolar ao Rio. No entanto, os alunos estào com merenda escolar. Por que? Porque o Municipio e o Estado estào pagando. Aliás, isso náo é somente no Rio de Janeiro, é em todo o Brasil. O que está acontecendo? Naturalmente a operagáo desmonte já foi feita. Agora é preciso desmontar de vez a estrutura que está ai, porque eia só dá margem a sumir dinheiro justamente das áreas em que o Governo Federal precisa gastar: sustentar redes de hospitais federáis, etc., etc., esse tipo de coisa. Penso que é importante dizer: tem espago para cortar gasto federal? Tem e está colocado por debaixo do pano no Orgamento. Vou dar um outro exemplo para que os senhores vejam como o problema é sèrio: trata-se da Caixa Económica Federal. A Caixa tem um problema crònico, que nào vem ao caso discutir aqui, mas eia serve como urna fonte de gastos que náo entram diretamente no Orgamento. Como eia pode gerar passivos à vontade, a descoberto, eia emite caderneta de poupanga, CDB, eia emite passivos bem líquidos e faz empréstimos. Ora, e se os empréstimos nao tiverem retorno? Náo dá para verificar isso muito bem. Só se verifica depois, se pagou ou náo, etc.. É urna coisa complicada. O crédito é complicado em todo o banco, seja privado ou público. 85 A Caixa Econòmica Federai tinha urna linha de financiamento que se tornou ridiculamente elevada, que è a linha para saneamento municipal. Obviamente que essa é urna maneira sub-reptícia de gastar. Assim, consegue-se fazer gastos locáis "assistencialistas", que nào estáo incluidos no Ornamento da Uniáo. Como isso entra no Ornamento da Uniào? Simplesmente via Banco Central, que tem que dar redesconto. E quando ele dá o redesconto, sabemos o que tem de acontecer para que as taxas de juros nao sejam aumentadas. Entáo, nao tem jeito. Tudo isso vai bater no Ornamento da Uniào indiretamente. Direta ou indiretamente, há esses gastos. Tem espado? Sim, tem muito espado ainda para fazer cortes de gastos. Agora, nao é chegar e dizer: vamos cortar essa rubrica aqui do Ornamento da Uniáo. Agora, se estivermos olhando só para o Ornamento Fiscal, excluindo-se o Ornamento da Seguridade, eu concordo com o Prof. Dércio Munhoz. O espago para cortar é muito pequeño se é que existe algum. Há urna questáo que é importante. Na verdade, mesmo olhando agregadamente, os gastos totais da Uniáo náo sáo táo elevados assim. Fazendo urna projegáo pessimista do déficit operacional deste ano, acredito que ele deva ficar em cerca de 1,5% a 2,0% do PIB. No máximo 10 bilhóes de dólares. Isso é grave? Este déficit está longe de ser um problema grave, mas em países onde o governo consegue rolar sua divida sem problema de credibilidade. Aqui, eu gostaria de ser táo otimista como o Prof. Dércio Munhoz, que acha que o problema de credibilidade nao existe. Eu gostaria, realmente, de acreditar nisso, mas vejo a dificuldade que o Governo tem para langar qualquer título de longo prazo. Vamos ver o que aconteceu no fim do ano: houve um alagamento do mercado com dinheiro. A expansáo da base monetària do último trimestre do ano passado, em termos de área, e de MI, em termos diários médios, foi a maior desde que foi criada a sèrie em 1985 - eia foi o dobro da segunda maior. Posso citar outros exemplos. Mas o fato é que a taxa de juros a curto prazo, no final do ano passado e inicio deste, estava em níveis muito baixos. Agora, em quanto estava a taxa de longo prazo? Alguém parou para olhar? Caiu de 35%, para IGPM mais 20%. Isso depois de ter ocorrido a maior expansáo de toda a história desse agregado. Na verdade, se calcularmos em termo de base, em fins de período, náo em saldos médios, foi a segunda maior expansáo da história desse agregado desde 1947, só superada pela de 1957. Isso é urna barbaridade. Alagou-se o mercado com dinheiro e, ainda assim, a taxa de juros a longo prazo continua em IGPM mais 20%. Entáo, como é que um Governo, com toda essa liquidez no mercado, náo consegue baixar mais a taxa de juros. Deve existir algum problema mais profundo. Eu acho que hoje, realmente, a credibilidade é um problema. Se tivéssemos um pouquinho mais de credibilidade náo teríamos com o que nos preocupar. O problema de longo prazo da Previdéncia irá ocorrer, e isso ai é importante, mas no curto prazo náo teríamos que nos preocupar em cortar gastos, se houvesse credibilidade, é claro. Finalmente, vou comentar o último ponto que è a proposta de limitado á utilizalo dos servidos de saúde. Veja, eu náo disse que se deva impor qualquer tipo de limitalo. Eu disse que essa limitalo é urna coisa muito polèmica, mas hoje é um problema em todo o mundo. Naturalmente, o que eu acho é que há tempo suficiente para que possamos resolver o problema previdenciário no que se refere á saúde, limitando os gastos com saúde à cerca de 80 dólares por pessoa, por ano, que é o que tem sido gasto em mèdia no Brasil, com exce^áo do ano 86 passado. Olha, vamos gastar 80 dólares por pessoa, por ano, em saúde. Tudo bem, esse é o ornamento de saúde. É pouco? É muito? Nào sei. Isso é o que o Governo Federal tem para gastar. Ai vem a questáo: deve ser mais ou menos? Esse é um ponto a ser discutido depois. Mas acho que vamos nos beneficiar, porque esse problema está causando impactos diretos nos países mais desenvolvidos. Os Estados Unidos tèm hoje urna comissáo específica para resolver isso, o problema lá é grave. No Canadá, que diziam ser o modelo dos sonhos, o problema está explosivo. Enfim, todos os países do mundo tém este problema. Nós vamos ter o privilègio de vé-los quebrando antes de nós, e poderemos observar como eles váo fazer as experiéncias locáis. Entáo, poderemos usar a melhor experiencia, adaptando-a para a nossa realidade e melhorando sempre. Era b que eu tinha a dizer. Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Com a palavra o Dr. Dércio Munhoz. Dércio Munhoz (Conferencista) - Náo teria nada a acrescentar quanto ao problema da credibilidade, sobre o qual eu havia comentado, porém, realmente, é difícil para o Governo colocar títulos de longo prazo, e o mesmo acontece com os de curto prazo, quando se tem urna inflado com tendència crescente. Quando o salário-mínimo náo estava incluido no critèrio de antecipagào bimestral, da política salarial, nós tínhamos um impacto ainda maior. Como ele era o indexador da economia, tínhamos, a cada quatro meses, o salário-mínimo influenciando, sinalizando alguma coisa para toda a economia. Ou seja, cometamos a ter sinalizagáo de inflado crescente. Ora, como posso colocar títulos pré-fixados assim, sem recompra? Isso envolve um risco total para o banco. Entáo, paga-se juros maiores por náo termos um título pós-fixado. E na questáo do longo prazo náo conseguimos por falta de credibilidade de fato. A credibilidade está muito associada ao fato de existir urna TR, que pode ser alterada administrativamente. Na hora em que eu coloco um IGPM, este sim é um indexador. Até alguns Estados poderiam ser financiados pelo pròprio Tesouro, se existisse um IGPM regional com uma base maior, para evitar oscilares provocadas pela construgáo civil. E outra coisa: os juros reais que se vier a pagar sáo juros que tem urna tributad 0 determinada ou náo tem tributado, mas o título em circulado é um contrato inalterável. Em nenhum país do mundo se conseguirá, colocar títulos a longo prazo se as regras puderem ser alteradas no meio do jogo. E o pior: náo é que elas possam ser alteradas, é que o passado recente mostrou que elas sao alteradas de fato. Pelo que alguns veículos de informado comentaram, prevé-se, outra vez mudanqas bruscas de regra. Em decorrènda disso, náo se consegue colocar títulos para trinta dias, e qualquer iniciativa nesse sentido já passa a ser um ato heroico. Agora, com uma taxa de remunerado competitiva a nivel internacional, garantías de manutengao das regras estabelecidas, e com um indexador que esteja fora do alcance do arbitrio oficial, eu acho que se poderia colocar títulos a um prazo mais longo. No caso presente é muito difícil. Tanto é que os bancos, que sabem mais que a gente, quando vèm que, se aproxima uma tempestade, logo saem da posiQáo com 87 títulos públicos, ficando numa posi?áo de terceiros. Eles se resguardam porque sabem as coisas que podem vir a acontecer e que tèm acontecido. Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Bem, agora vamos franquear a palavra ao público. Pe<;o às pessoas que forem perguntar que se identifiquem. Luciano Oliva Patricio - Bem, eu vou fazer urna provocado, mas antes quero também fazer a seguinte observado: o Dr. Sérgio Werlang falou nos resultados da Comissáo Técnica do salàrio-minimo, e citou que a linha de extrema pobreza está fixada em 35 dólares. Fui relator dessa Comissáo, embora náo fizesse parte déla oficialmente e, na verdade, os números com os quais a Comissáo trabalhou tinham urna dispersáo regional muito grande, tanto a nivel interregional quanto intra-regional. Esse número que define a linha de extrema pobreza ia de 23% do salário-mínimo de pico, de janeiro de 1992, que estava em torno de 100 dólares, na área rural de Minas Gerais e do Espirito Santo, a praticamente 80 dólares, na regiáo metropolitana de Sáo Paulo. A linha de extrema pobreza náo contempla os gastos com lazer, mas sim, os gastos com a subsisténcia do cidadáo. A que inclui alguma coisa mais é a linha de pobreza. Com relado ao problema do financiamento da Previdéncia, da transferencia ou náo de despesas do ornamento de seguridade social para outra área do Tesouro, ou simplesmente sua eliminado, trabalhei por muito tempo no Ministério da Economia com a análise daquele programa de garantía de renda mínima do Senador Suplicy. Chegamos a fazer um ornamento, um cálculo dos custos desse programa vis-à-vis o que se poderia economizar, suprimindo os demais programas sociais federáis a cargo do Ministério da Ado Social. Infelizmente, embora tenhamos tido urna grande boa vontade com aquele projeto dentro da Secretaria de Política Econòmica, a análise, pelo menos de cometo, mostrou que o programa custaria algo em torno de 5% a 8% do PIB. Quer dizer, 5%, se houvesse controle total, e ninguém levasse mais do que tinha direito, e até 8%, se as torneirinhas fossem abertas, onde se conseguiría economizar no máximo 1,5% do PIB, cortando o programa da As etários de 30 a 49 e de 50 a 64, que apresentam o maior crescimento até o ano 2010. Quem sao esses individuos? Isso representa envelhecimento, porém, náo no sentido ainda da inatividade, pois esses grupos constituem os segmentos mais produtivos da populagáo. Sao pais de familia, que já chegaram aos cargos de chefia que teriam de ocupar, incluindo os que estào marginalizados. Do ponto de vista de rendimento, constituem grupos bem-sucedidos de poupadores, que empregam os recursos para pagar a escola dos filhos, adquirir urna segunda casa, etc.. Esse segmento apresenta urna taxa de desemprego menor, mas estará crescendo. Isso significa que, de 1995 a 2010, decorreráo 15 anos com um potencial de arrecadagào fantástico e do segmento mais produtivo da sociedade. Nunca na história do Brasil, nem antes nem após a transigáo demográfica se completar ao longo do século XXI, esse segmento apresentará um crescimento táo elevado, relativamente, como nesse p>eríodo em questáo. Usando a demografia como parámetro de estratégia, isso significa que qualquer reforma do sistema previdenciário, necessària para procurar anteceder urna crise demográfica, deve ser implementada nesse período, comegando o mais rápido possível para angariar os beneficios do sistema. Esse é um cenário demográfico puro, ignorando a década perdida de 80, do ponto de vista de crescimento econòmico. Se a economia registrasse entre 1990 e 2000, ou entre 1995 e 2005, as taxas de crescimento verificadas durante o chamado milagre brasileiro, de 1968 a 1978, o potencial de jxiupanga individual, de poder aquisitivo e de arrecadagáo previdenciária seria muito maior do que no pròprio período do milagre, exclusivamente, em fungáo desse fato demográfico. No futuro, em um cenário de crise, tudo isso acaba condicionado ao grau de cobertura, às taxas de evasáo e ao arrocho do rendimento mèdio. Para a demografia, esse é o ponto potencial. Se esse potencial será realizado ou náo, essa é outra história. E a sua náo-realizagáo se torna lamentável, pois significa jogar fora urna chance histórica, que jamais se repetirá do pronto de vista do fenòmeno comp>ortamental, que é a transigáo demográfica. Para o planejador, esses parámetros e facilidades constituem restrigòes ambientáis, determinadas pelo ambiente. Essa facilidade náo existirá mais. Marcelo Vianá Esteváo de Moraes (Coordenador) - Para ficar mais claro, seria como ter, no inicio, urna grande populagáo nova e jovem e pouquissimos velhos? Seria urna pirámide, que está virando um retángulo? E, nesse processo de transformagáo da pirámide em retángulo, nunca mais haverá tantos cidadáos em condigóes produtivas? 168 Eduardo Rios (Conferencista) - É exatamente isso. Qualquer reforma de transiçâo de um sistema para outro, que requer mágica para se tirar de um lugar e colocar em outro, terá um custo menor caso seja realizada nesse periodo. Mas, existe um pouco de massa de manobra. O problema é que a crise previdenciária e administrativa atual geram urna cortina de fumaça diante dessa evidência. O envelhecimento è importante e constituí um fator demográfico a ser considerado agora, mas como parte do planejamento futuro. O sistema deve ser adaptado para uma conjuntura de envelhecimento. Em termos de Previdência, considerar o ano de 2030 quase representa curto prazo, quando o envelhecimento estará concreto. De 2000 a 2020, prevalecerá a mágica, um fator extra, que náo irá se repetir. Ou se aproveita esse extra, ou se perde uma grande margem e a reforma exigirá um ônus muito maior da sociedade. Esse é o ponto. A pròpria referência à piràmide, com a base maior, pode ser verificada em 1980. Apesar da base bastante larga, em termos relativos, acima da faixa de 30 anos, náo havia tanta gente. No entanto, a proposiçào do voto aos 16 anos constituía um enorme populismo, que hoje já náo configura muita vantagem. O público alvo atual é o jovem casal, de 30 a 40 anos, preocupado com a saúde reprodutiva da mulher, em oferecer creche para quem trabalha, etc.. Isso fica bem claro quando se compara os anos 80 com a década de 90, e a pirámide começa a adquirir uma forma mais retangular. Com relaçâo ao ano 2010, torna-se surpreendente, pois até o conceito de pirámide assume um conceito um tanto estranilo. Em contraste, a superposiçâo de 2010 com 1980 demonstra que o mais estreito - em 1980 -, mesmo em termos absolutos, passa a ter uma base bem mais larga em 2010. Para a Previdência, é importante a estrutura etária e a esperança de vida, sobre a quai existe um paradoxo dentro desse modelo demográfico. Todos os dias, a imprensa registra argumentaçôes, principalmente dos políticos, contra a implementaçâo de uma idade mínima para a aposentadoria, com base na esperança de vida. Mas, como impor uma idade limite de 65 anos se a esperança de vida do brasileiro, ao nascer, é de 59 anos para as mulheres e de 55 para os homens? Isso é um fato. No entanto, essa esperança constituí uma medida demográfica estatística e incorpora uma série de aspectos. É uma medida adequada dos anos médios vividos da populaçâo que nasceu, no momento do nascimento. Por isso, chama-se esperança de vida ao nascer. As contribuiçôes para a Previdência, contudo, só começam entre os 10 e 20 anos. Para a maioria do setor formal, provavelmente, aos 20 anos. Sem dúvida, o traballio precoce pressupôe uma contribuiçâo maior. Porém, náo é esse o aspecto principal da discussáo. No caso de quem sobrevive ao nascimento e atinge os 10 anos de idade, a esperança de vida é de 53 a 57 anos, com um tempo mèdio de vida de 63 a 67 anos. Quem sobrevive até os 20 anos, tem um tempo de vida mèdio de 65 anos, considerando-se dados de mortalidade mais antigos, mas que pode atingir 75 ou 80 anos, mais próximos do limite. Se a aposentadoria mais precoce por tempo de serviço acontecer aos 50 anos, por exemplo, e o individuo morrer antes, a idade limite se torna irrelevante. Quem desfrutará do beneficio será a esposa-pensionista, em uma outra modelagem. 169 Baseado na suposiçâo de que, no limite, a aposentadoria ocorra aos 50 anos, o importante será a esperança de vida nessa idade. Sâo mais 22 ou 24 anos, para perfazer um tempo de vida mèdio entre 72 e 74 anos. Essa è a estatística relevante e nâo a que considera o limite de 55 e 59 anos. A idade limite, obviamente, nâo se aplica a quem está vivo e atinge o limite. Quem morre antes terá o beneficio social revertido para a viúva. E o paràmetro de esperança de vida è absolutamente relevante. Esse argumento estatístico se torna trivial e, às vezes, muito malentendido, intencionalmente, nas discussòes políticas. Todos os demográfos têm a obrigaçâo de explicar isso. Até por urna questâo de consciència profissional. Defender a esperança de vida ao nascer seria urna manipulaçâo estatística. Concluida a parte demográfica, o próximo passo consiste na abordagem das conseqiiências económicas desse novo padráo. Urna discussáo de planejamento estratégico, dentro de um trabalho desenvolvido para o Banco do Brasil, há quatro anos, influenciou todo o lobby da instituiçâo na Constituiçâo e depois a implementaçâo da previdéncia complementar, considerando o papel do Banco como agente oficial desse mecanismo. O Banco discutía os rumos de seu planejamento e fui convidado a discorrer sobre demografia. O ponto era mostrar, exatamente, que existia um potencial de poupança privada individual a ser explorado. Um dos instrumentos abrangia o mecanismo institucional diante da nova Constituiçâo. O Banco deveria se preparar, pois haveria espaço. A base teórica por trás disso é o chamado "modelo do ciclo de vida da poupança". Um modelo bem americanizado. Obviamente, grande parte da populaçâo brasileira nâo só nâo poupa, como tem poupança negativa a vida inteira, e vive de crédito porque ganha muito mal. Mas, existe um segmento com retorno de rendimentos crescente, na medida que a idade e a ascençâo profissional avançam. O perfil de consumo varia muito menos com a idade. Esse modelo teórico determina que, na meia idade, entre 35 e 55 anos, esses cidadâos atingem a mais alta taxa de poupança da vida. Inclusive, porque estáo economizando para enfrentar a velhice. Entre outras coisas, é quando se tornam mutuários do BNH. Nesse modelo, chegam com zero a esse ponto. Mas, há outros que sâo desdobramentos desse e, no final da vida, o cidadáo atinge a riqueza, transmitida aos filhos via herança. Independentemente do modelo, zero ou riqueza, o ponto é que estará apresentando as maiores taxas de poupança da vida, na faixa etária entre 35 e 55 anos. De volta à pirámide antes mencionada, esse é o segmento que apresenta maior crescimento. Torna-se desnecessário ser bom em matemática para perceber que a taxa média de poupança individual da populaçâo brasileira aumentará muito entre 1990 e 2020, em funçâo de um componente estritamente demogràfico. Para se criar urna previdéncia complementar mista, ou incentivar a poupança de longo prazo, sem dúvida, dependendo da estabilizaçâo ou crescimento da economia, do ponto de vista de conjuntura favorável, nâo existe período mais adequado do que as próximas duas décadas. A mais adequada seria até a de 90. Com o Brasil crescendo, seria fantástico. Pena que esta década começou táo mal. 170 Isso tem implicaçôes do ponto de vista estatistico. Considerando os grupos etários 1960, 1970, 1980, com o crescimento económico, o rendimento mensal mèdio por idade aumentou muito. Na base da piràmide, entre 15 e 19 anos, quando se entra no mercado de traballio, houve um crescimento porque a economia melhorou. O leque, porém, nâo é muito grande. Do jovem universitario ao jovem analfabeto, o diferencial de salàrio existe, mas é muito menor do que na faixa de 30 a 39 e 40 a 49 anos, pois ainda nâo se acumularam os ganhos de experiência. Nesse caso, a abertura do leque é muito maior. Com o crescimento econòmico, o Brasil passou a ter um perfil onde a idade desempenha um papel relevante. No grupo de 30 a 39 anos, se estaría ganhando cerca de 700 e no de 15 a 19 em torno de 100 - sâo 7 vezes mais. Supondo que 100 representassem aproximadamente 1 salàrio-minimo, nessa faixa etária maior corresponderiam a 7 salários, em média, para a populaçâo ativa. Mesmo considerando esse cálculo superestimado, pois poderiam ser 5 e nâo 7 vezes mais, é possivel se ter urna idéia do potencial de poupança privado para a média da populaçâo. Nesse caso, a referéncia está na poupança privada, náo necessariamente voluntária. Pode ser urna poupança privada institucionalizada através, por exemplo, da previdéncia complementar. O ponto consiste em demonstrar a existéncia desse potencial naquele modelo do ciclo de vida. A evidéncia empírica corrobora. Em termos de salàrio-minimo, a populaçâo economicamente ativa (PEA) masculina, em 1980, apresenta très faixas: a vermelha abrange até um salàrio, a verde de 1 a 3 e a amarela 3 ou mais. De fato, ao se observar o grupo etário de 30 a 34 anos, constata-se que urna faixa relevante da populaçâo ativa ganhava mais do que 3 salários. Esse constituí o público alvo. Portante, existe potencial para as próximas duas ou très décadas, se há essa fatia e esse segmento está em crescimento, de se conquistar esse setor. Esses dados sâo do Censo de 1980. Os perfis de rendimento mèdio etário, nesse caso, tém como referéncia o cruzeiro de outubro de 1977, relacionados à populaçâo contribuirne e nâo ao rendimento de toda a PEA. Existe um perfil parabólico em crescimento, mesmo nos anos 80. Isso significa que o pico do rendimento ocorre entre os 40 e 44 anos e há esse potencial a ser explorado. É possivel fazer a comparaçâo entre as curvas nos grupos etários de 15 a 19 e 20 a 24 anos. Mais interessante ainda é a comparaçâo ao longo da curva, que representa a taxa de crescimento. Observa-se que a idade constituí um indicador de acumulaçâo de experiência, e torna-se muito importante considerar a vida na trajetória ou a média das pessoas em um período. Sâo duas perspectivas diferentes. No caso da média, é fundamental perceber que o momento atual está repleto de pessoas nessa faixa etária. Se a arrecadaçâo agora está ruim, é preciso se preparar porque depois será muito pior, do ponto de vista puramente demográfico, e ignorando a evasáo, etc.. Melhor do que está, impossível. Só faltaría o sistema funcionar bem. Se o mecanismo institucional e a economia estivessem resolvidos, o atual potencial de poupança nâo poderia ser melhor, pelo menos, nos próximos 20 anos. E esse momento deveria ser aproveitado adequadamente, para fazer face ás adversidades futuras. 171 Já na análise dos perfis por ocupado, torna-se necessàrio considerar a diversidade do mercado de traballio brasileiro. No caso dos trabalhadores com carteira assinada e dos chamados contas-próprias é possível verificar que os com carteira, contribuirne, ao integrar o grupo de 40 a 44 anos, ganham em termos relativos 4 vezes o que percebiam na faixa de 15 a 19 anos. Há muitos contas-próprias com rendimentos mínimos, no segmento de pobreza. Mas o conta-própria contribuinte - mesmo os mais jovens, apresenta um perfil onde, se incorpora menos ganhos de carreira -, percebe uma renda mais alta à medida que adquire experiéncia. Esta é uma explorado das impl¡capóes disso na interado com a demografia, em termos do potencial de arrecadado previdenciária. Esse lado mostra o que o demógrafo econòmico poderia fazer, ao tomar o rendimento e a estrutura etária e apresentar o potencial de poupanga, de arrecadado, etc.. Uma outra possibilidade consiste em utilizar o instrumental demográfico e econòmico para prever tanto a populado contribuinte como a beneficiária. No caso, a énfase recaí na populado contribuinte. Para isso, adota-se o instrumento demográfico denominado estudo da taxa de atividade masculina e femmina no mercado de trabalho, a taxa de participado. Considerando, por exemplo, o mercado de trabalho brasileiro,, do ponto de vista da populado contribuinte, prevalecem duas características. Uma, imprevisível e verificada no mundo inteiro, é o aumento da idade de entrada do homem no mercado de trabalho. Devido ao processo de desenvolvimiento, com requerimentos de treinamento, educado, etc., a idade de ingresso no mercado aumentou. Se ontem havia muitos que comegavam a trabalhar com 15 anos, hoje, há muito menos, no caso da populado masculina. A outra é a redudo da idade de saída do mercado de trabalho, que configura um grande dilema para a Previdencia. Torna-se difícil saber o que é causa e o que é efeito. Parte dessa saída mais prematura deve-se, por exemplo, ao mecanismo da aposentadoria por tempo de servilo. Isso, porém, náo constituí exclusividade brasileira. Nos Estados Unidos, o homem comegou a sair muito mais cedo do mercado desde que a seguridade social se tornou mais prevalente. Essa constituí uma característica universal, inclusive em países onde náo há a figura do tempo de servido, considerada urna excrescència, por existir apenas no Brasil e em alguns países árabes. Mesmo nos países onde a legislado é um pouco mais restrita nessa área, existe a opdo de aposentadoria com idade inferior a 65 anos, mas com beneficios menores. Ainda assim, muita gente decide se aposentar. É uma ilusáo imaginar que a criado de um mecanismo de idade mínima e a extindo da figura do tempo de servigo iráo resultar na saída da PEA, rapidamente, antes dos 65 anos. De qualquer forma, do ponto de vista de legislado, as opgóes sáo necessárias, mesmo que impliquem ganhos menores para os beneficiários. Mundialmente, está provado que muitos optam por sair mais cedo, apesar de receber menos do que se permanecessem até os 65 anos. E uma questáo de o p d ° e um ponto importante. Nem a criado do mecanismo da idade mínima, necessariamente, acabará com a saída prematura do mercado. Desde que a legislado permita, o cidadáo pode preferir sair com 50% do beneficio, conforme demonstra a experiéncia. Considerando o envelhecimento nos países avanzados, hoje, é perfeitamente razoável se ter uma pessoa de 80 anos em condiQòes de exercer uma profissáo. 172 Atualmente, urna grande preocupadlo dos demógrafos está em viabilizar um retreinamento para essas pessoas voltarem a trabalhar. Várias délas estáo descobrindo que, apesar de terem optado por sair mais cedo, náo esperavam viver mais 40 anos, de 60 a 100, por exemplo. Mesmo que ganhem menos, preferiráo trabalhar. Esse aproveitamento do idoso e o retreinamento já está na agenda dos países desenvolvidos. Eventualmente, participará da agenda brasileira por volta do ano 2010, 2015, pois o mecanismo náo é táo trivial. Outro ponto é o que a mulher faz quando entra no mercado de traballio. A taxa refinada de atividade representa o percentual das mulheres que trabalham em relado a todas as outras maiores de 10 anos. Em 1950, menos de 14% das mulheres trabalhavam, cerca de 2,5 milhóes. Em 1980, atingiu-se urna taxa refinada em torno de 27%, quase 12 milhóes de mulheres. Do ponto de vista previdenciário, isso é importante, pois aumenta a base de arrecadado. O aumento da participado feminina no mercado de traballio, desde que elas contribuam e com qual percentual, torna-se importante como indicador de um potencial de aumento de arrecadagáo previdenciária. O segmento mulher é interessante, tanto no aspecto da receita como da despesa. Sabe-se que a mulher vive muito mais e se aposenta mais cedo. Isso configura urna grande implicalo para a Previdencia. A idade mínima é 60 anos. Portante, provavelmente, gozará do beneficio por mais tempo. No projeto do CEDEPLAR em execud 0 para a Previdència, foi calculada a taxa de retorno do homem e da mulher diferenciada por sexo. E a taxa da mulher é muito maior. Portante, eia deveria ter urna aliquota de contribuido diferenciada. Há outras coisas por trás disso. Mas é bom dispor de urna estatística irrefutável como essa. Pelo menos, na primeira metade dos anos 80, houve um aumento. Conforme o PNAD de 1981, 33% das mulheres trabalhavam. Em meados da década, passou para 37%. Realmente, modelar e prever o que irá acontecer com a mulher no mercado de traballio torna-se de grande importáncia para a Previdència. As mulheres contribuem ou náo? Ganham menos e formam um público alvo muito menor do que o homem para a previdència complementar. Isso é um fato. Embora já sejam um grande contribuinte e exista potencial, por exemplo, para passarem a contribuir mais. No projeto em execudo para a Previdència, observa-se que a taxa de atividade representa o percentual das mulheres na ativa entre 15 e 19 anos, integrantes da PEA. Dados demonstram que cerca de 36% das mulheres nessa faixa etária sáo economicamente ativas. Isso é importante para a Previdència. Mais importante ainda é saber quais sáo as contribuintes. Do total de mulheres, no subconjunto das ativas, 15% sáo contribuintes nesse grupo etário. Um percentual muito grande está no setor informal, como conta-própria ou trabalhador sem carteira assinada, os náo-contribuintes. A porcentagem desempregada é grande e atinge 77%. Em comparado com os homens, o total de mulheres ativas desempregadas é muito maior, embora já com urna taxa de contribuido significativa. Em 1977, a taxa de contribuido era expressiva. As mulheres de 20 a 24 anos constituem o segmento mais ativo. Antigamente, no Brasil, a tendència das mulheres que tinham filhos era abandonar o mercado de trabalho e eventualmente retornar aos 50 anos, depois de criá-los. No 173 padreo brasileiro, a queda comega a ser suavizada. Nao só porque hoje elas tém menos filhos, mas pela pròpria legislado e por urna sèrie de outros fatores, já nao se demitem nem saem da PEA para ter filhos. Portante, o fenómeno da saída do mercado apresenta-se cada vez menos prevalente e a mulher se retira mais tarde da PEA. Em 1985, um pouco antes do Plano Cruzado, a economia comegava a se recuperar, vinda de urna crise grande, de 1981 a 1984. A taxa de desemprego registrava índices elevados entre as mulheres ativas, embora a taxa de contribuido fosse expressiva. Existe potencial para trabalhar também no setor informal, onde as mulheres sao as contas-próprias, lavadeiras, bordadeiras e desempregadas. De certa forma, o setor formal está coberto e constituí urna fonte de arrecadado. E essa elevado no status da mulher configura um potencial de elasticidade da arrecadado previdenciária. Em 1990, ano do Plano Collor, o comportamento das mulheres apresentou urna taxa de atividade em um patamar elevado, e até cresceu um pouco com relagáo a 1985. Mas, a taxa de contribuido nao sofreu muita alterado. Esse tópico merece um estudo. Em termos de potencial de arrecadado, torna-se importante trabalhar com o segmento mulher. Entre os homens, existe também determinado padráo. Ele sai mais cedo do mercado de traballio em fundo da aposentadoria por tempo de servigo e a entrada mais tardia pode ser observada com o aumento do grupo de 15 a 19 e de 20 a 24 anos. Inclusive, a taxa de contribuido na faixa de 15 a 19 é muito baixa. Trata-se de outro público alvo para a Previdéncia, cuja maioria é trabalhador empregado sem carteira assinada. Finalmente, nesse mercado de trabalho, um dos fatores importantes seria identificar o que determina a taxa de contribuigáo. Por que existem ou nao contribuintes? Isso configura a segmentagáo no mercado. Em uma tabela que soma 100, observa-se, principalmente, a divisáo dos trés segmentos seguintes: empregado sem carteira, empregado com carteira e trabalhador por conta-própria. Se o economista náo é demógrafo, a idade torna-se irrelevante para ele e o cruzamento por idade náo acontece. A única coisa que o demógrafo sabe fazer é cruzar por idade e sexo. E a segmentagáo do mercado de trabalho náo é neutra com relagáo à idade. Quem recorre á PNAD percebe que há 30% de conta-própria, 20% sem carteira, etc.. E trabalha com esses parámetros. Na realidade, um gráfico desses exprime um fator "meio sanfona." Por exemplo, trabalhador sem carteira é sinònimo de jovem. Mas, náo faz sentido referir-se, genericamente, a empregado sem carteira em relagáo á populagáo como um todo. Isso constituí ignorancia estatística. Náo há sentido em considerar empregado sem carteira, a náo ser no caso do primeiro emprego. Depois dos 25 anos, o número de trabalhador sem carteira torna-se bem menor. Conseqüentemente, aumenta o número de empregados com carteira. Por outro lado, o conta-própria sempre existe e cresce muito com a idade. Existem vários questionamentos. O que determina uma idade maior para o autònomo? Será que foi sucateado no setor formal, ou saiu por opgáo? Será que a informalizagáo é fruto da valorizagáo do jovem no setor formal e, depois de 40 anos, o trabalhador torna-se imprestável e, como náo pode se aposentar, opta por se transformar em conta-própria? Esses questionamentos devem suscitar 174 novas linhas de pesquisa. Mas, de fato, nem o conta-pròpria nem o trabalhador sem carteira é neutro em relagáo à idade. A sua prevalència na populagáo depende da idade deles. Dentro desses segmentos, a questáo final seria identificar quem sao ou nao contribuintes. O ponto crucial está no fato de que para estudar a Previdència é preciso estudar o mercado de trabalho. E por que? Pela taxa de contribuito depender da estrutura do mercado de trabalho? Quando, por exemplo, sáo considerados os empregados sem carteira, percebe-se que constituem quase um sinónimo de náo-contribuigáo, em todos os grupos etários. Nesse caso, resta pouco a ser feito. Mas, isso náo é táo grave, pois a grande maioria está na faixa de 15 a 19 anos. O trabalhador com carteira, pela pròpria definito, constituí sinònimo de contribuirne. Ao se prever a populagáo de empregados com carteira, prevè-se grande parte dos contribuintes da Previdència. Verifica-se que os náo-contribuintes sáo poucos, provavelmente, funcionários públicos. Sáo os náo-contribuintes do setor formal. No entanto, nesse grupo, o nivel de contribuito atinge quase 100%. O grande mistério, porém, sáo os autónomos. O número deles aumenta com a idade e se torna mais expressivo no grupo de 40 anos e mais. Por outro lado, a sua taxa de contribuito também cresce com a idade, mas nào chega a 50% no grupo de 35 a 39, para atingir um patamar elevado na faixa de 50 a 54 anos. Portante, ambos, o número de autónomos e de autónomos contribuintes, aumentam com a idade. Como constituem um segmento relevante da PEA, qualquer política previdenciária para aumentar a base de arrecadat 0 e cobertura, no futuro, tem de considerar esse segmento. Torna-se necessària também a realizat 0 de um estudo mais profundo sobre o que motiva ou náo o autónomo a contribuir e até mesmo um estudo de marketing, para descobrir como conquistá-lo, efetivamente, e transformá-lo em contribuirne. Do ponto de vista de contribuito previdenciária, constituí um segmento claramente subutilizado. Para concluir, seria interessante abordar um trabalho que vem sendo realizado por um aluno de pós-graduagáo do CEDEPLAR sobre o perfil demográfico e suas implicagòes a longo prazo para o sistema previdenciário. Esse estudo do impacto do perfil demográfico, num sistema de beneficios fixos, pesquisa qual seria a aliquota ou prèmio a serem cobrados para proporcionar o equilibrio do sistema. O trabalho cobre o período de 1950 a 2250, para demonstrar que, se o fator demográfico náo é táo importante no curto prazo, pode vir a ser a longo prazo. Foram simuladas tres aposentadorias, com idades mínimas de 60, 65 e 70 anos. Observase que, quanto menor a idade limite, maior o prèmio a ser pago. Inicialmente, considerando o ano de 1950, pode-se verificar urna mudan ga muito pequeña na aliquota de contribuigáo. Nesse ano, todos estariam pagando menos do que 10% do salàrio, o que correspondería a menos de 10% da folha salarial. Quando foi criado, havia superávit no sistema porque se cobrava urna aliquota de contribuigáo elevada e se pagava um beneficio fixo. Portante, o sistema arrecadava mais. Como se sabe, foram instituidos entáo os investimientos em IAPI. Se o sistema estivesse funcionando conforme o modelo de repartigáo teórico, considerando um beneficio fixo, o corolário estabeleceria urna aliquota de contribuigáo pequeña e as pessoas contribuiriam com muito pouco. 175 No ano 2000, por exemplo, isso ainda nào seria tao grave. Nesse caso, se apenas o lado demográfico estivesse em questáo, a aliquota de contribuito ultrapassaria pouco os 10%. Por isso, existe urna boa margem de manobra até o ano 2020. Mesmo com a idade mínima de 60 anos, a aliquota seria de 13%. Mas, entre 2020 e 2050, subiría para mais de 20, 25%. No entanto, se a idade mínima passasse para 70 anos, a aliquota cairia para 10%. Ainda dentro da idade limite de 60 anos, em 2100, o cidadáo teria de descontar 65% do salàrio para financiar o sistema de repartido. É urna perspectiva catastrófica. Para os próximos 30 anos, porém, a situa<;ào é extremamente otimista, embora isso represente curtíssimo prazo, quase conjuntura para a Previdencia. Considerando o cenário demográfico, na perspectiva do século XXI como um todo, será necessàrio pensar numa mudanga de aliquota de 11 % no inicio do século, para 65% no final do século, dentro de um modelo demográfico puro. Isso é absolutamente inviável, pois ninguém aceitará descontar 65% do salàrio para pagar urna aposentadoria que nem sabe quando irá receber. Isso demonstra a necessidade de reforma, do ponto de vista demográfico, na perspectiva de longo prazo. Constitui também urna grande oportunidade de se realizar a reforma a curto prazo, ou seja, nos próximos 30 anos. E até promover urna transito, obviamente, caso se conclua que a repartito simples é inviável. Portante, neste século, será preciso executar urna transito de repartito simples para capitalízate. Ainda é possível e deve-se continuar com o processo de repartito até o ano 2020. Mas, torna-se necessàrio planejar a transito para o século XXI. Muito obligado. Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Agradego a exposigáo do Dr. Eduardo Rios. Infelizmente, o tema é vastissimo. Um curso só para demografia e previdència consumiría vários meses para estudar as conseqüéncias das variáveis demográfica e económica e da variato do mercado de trabalho na Previdència. Mas, com certeza, o panorama ainda que sucinto apresentado pelo professor Rios mostra a importáncia de se considerar a variável demográfica na elaborato de um modelo de Previdència Social viável para o país. Antes de abrir a palavra, farei um esforgo para procurar sintetizar essa massa de informagóes, recebida ao mesmo tempo, numa área em que estamos pouco familiarizados. Pelo que entendí, a perspectiva seria de que a Previdència teria urna base contributiva potencial maior ñas faixas de níveis de renda mais altos, ñas próximas duas ou trés décadas, em fungáo do fenómeno da transigáo. Logo depois, a situato da Previdència iria se agravar, considerando que haveria urna redugáo dessa faixa privilegiada. A preocupagáo diz respeito a essa discussáo em torno da mudanga estrutural do mercado de trabalho no mundo. Hoje, fala-se em crise da sociedade de trabalho, com um processo mais lento ou menor de incorporagáo da populagáo economicamente ativa ao mercado. Isso produz impacto náo só a nivel de emprego e de rendimento, mas também em fungáo do padráo de informalizagáo e do processo de terceirizagáo. Considerando a contribuigáo sobre folha de salários, emprego e renda sáo fundamentáis para o financiamento da Previdència. 176 Gostaria de conhecer a sua avaliagáo se, apesar desses riscos do cenário do mercado de traballio, as perspectivas permaneceriam tao promissoras. Eduardo Ríos (Conferencista) - Esse è um bom ponto e também urna incògnita, que talvez até altere esse otimismo. Urna das situagòes bem claras sobre a parábola do perfil rendimento/idade é que eia configura um reflexo do papel da experiència. A idade e a experiéncia no traballio sáo praticamente a mesma coisa, a partir do fato de se estar empregado. Há discussòes indicando que o "conta pròpria" também acumula retornos por experiència. Se isso for verdadeiro, constituí um cenário. Acredito que acumula, mas talvez náo tanto como outros segmentos. De acordo com dados apresentados aqui, o "conta pròpria" acumula retornos maiores dentro do grupo etário de 30 a 35 anos. Mas, quando ingressa no período em que cometa a melhorar para a Previdéncia torna-se horizontalizado, enquanto o empregado com carteira continua crescendo. O mercado formal tradicional, como uma industria siderúrgica, tende a valorizar o que era denominado mercado interno de trabalho, os planos de carreira. Na medida que a flexibilizagáo reduz esses planos, provavelmente, parte desse lado positivo irá se diluir. Na proporgáo que o Brasil deixar de ter planos de carreira do tipo existente, por exemplo, no Banco do Brasil, na Caixa Económica e no setor terciário moderno, e passar a adotar planos voltados para o sucateamento ou a subcontratado macina, parte desse otimismo deverà ir por água abaixo. O perfil de rendimento mèdio mais parabòlico está muito relacionado aos planos de carreira dos empregados com carteira assinada do setor formal. Embora náo tenha conseguido comprovar isso, a intuid 0 diz que é um modelo tipo exército - o Banco do Brasil constitui um caso típico. O funcionário pode náo ter mérito, nem precisa provar sua competència ao longo do tempo, para ter acesso a uma carreira. Isso náo significa que náo haja mecanismos de mérito para que um funcionário ascenda profissionalmente mais do que outro. Mas, o empregado já terá um pouco daquela parábola só por estar envelhecendo. Esse é um caso típico de mercado de trabalho no sentido mais tradicional, denominado fordista. Isso muda de certa forma, em fundo desse novo cenário. A grande questáo está em determinar qual será a prevalència desse novo cenário, se haverá mudanga no fluxo ou em toda a prevalència. Caso eia náo mude, ainda será necessàrio conviver com o mercado de trabalho tradicional, por algum tempo. Marcelo Viana Estevào de Moraes (Coordenador) - Ao abordar a prevalència, isso significa que as mudangas comegariam ñas faixas etárias mais jovens e a situagào estaría estabilizada para o setor? Eduardo Rios (Conferencista) - Exatamente. O demògrafo adora a idade, que serve para marketing político, eleigòes, etc.. Ao analisar na Universidade Federal de Minas Gerais a estrutura etária dos funcionários públicos na RAIS, para conhecer o seu impacto ñas eleigòes, ficou bem claro que o funcionalismo público configura um caso típico do modelo tradicional, onde melhora com o tempo de servigo. Isso se ele ganhasse bem, porque o problema do arrocho é táo grande que alguém no topo da carreira pública ganha, eventualmente, o mesmo que um 177 iniciante no setor privado. Existe urna estrutura de carreira no funcionalismo público, mas comprometida pelo problema da crise fiscal. E, no setor público, nào ocorreu a terceirizagáo. Urna situagáo curiosa é a da análise da piràmide etária do funcionalismo do Estado de Minas Gerais. Nào existe ninguém no grupo etário de 20 a 30 anos. Nem sei como isso aconteceu. Se os concursos permaneceram fechados nos anos 80, o mesmo deve ter acontecido no setor federal. Apesar disso, as promogòes continuam e logo s<5 existiráo chefes, pois, do ponto de vista da piràmide etária, que é toda distorcida, decorreu toda urna década sem contratares. Sem embargo, os beneficios deles também váo envelhecendo. No setor informal, o "conta pròpria" também tem ganho de experiéncia, mas náo muito em relagáo ao futuro. Enquanto prestador de servilo, quanto mais servido prestar, mais eficiente será. Isso, de certa forma, permanecerá. Mas a relagáo idade/renda é meio institucional e meio capital humano. A parte relacionada ao capital humano continuará existindo. Mesmo com a terceirizagáo, os profissionais expelientes permanecerào atuando por mais tempo no mercado. Pelo menos, há um patamar mínimo. A prevaléncia náo mudará muito repentinamente, e mesmo mudando restaráo sobras. É mais urna questáo de fluxo. Já os empregados sucateados do setor formal no plano de carreira, tipo Banco do Brasil, Usiminas, e CSN, conhecem tanto o equipamento que o tempo se torna experiéncia. Na medida em que ocorrerem mudan gas, eles enfrentaráo grandes dificuldades de adaptagào a outro tipo de emprego. Será necessàrio o treinamento em capital humano geral em polivalencia. Esse capital humano requer que o individuo tenha bom nivel educacional, urna formagáo básica em matemática, e conhecimentos para operar computadores, etc.. Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Seria urna reciclagem profissionai voltada para a multifuncionalidade. Eduardo Ríos (Conferencista) - Sem essa reciclagem, a situagáo se torna crítica. Com eia, é possível até pensar em manter a situagáo. O treinamento será extremamente importante para a adaptagào a esse novo mundo, e condigào de sobrevivència para esses individuos, enquanto contribuintes. Marcelo Viana Estevào de Moraes (Coordenador) - Como condigào de sobrevivència enquanto contribuintes e, também, como possibilidade de postergagào no momento da requisigào do beneficio. As dúvidas estào sanadas. Na verdade, nào se pode prever tudo, muito menos num mundo repleto de paradigmas. Eduardo Rios (Conferencista) - Realmente, até há pouco tempo a idéia de se trabalhar em casa com terminal de computador era ficgáo científica. Esse é um trabalho a domicilio flexibilizado. A primeira coisa a se aprender consiste em realizar a logonal, a conexáo. Quem náo souber digitar estará fora desse padráo. O treinamento deve ser orientado nesse sentido. Um trabalhador de boca de forno, por exemplo, náo tem condigòes de trabalhar a domicilio de um dia para outro. Náo foi treinado para isso e requer urna reciclagem. 178 Marcelo Viana Estevao de Moraes (Coordenador) - Agradego, urna vez mais, ao Prof. Eduardo Rios, que trouxe novas luzes dentro do enfoque específico da demografía. Espero outras oportunidades para a troca de idéias, inclusive em fungáo do trabalho que o CEDEPLAR realiza para o Ministério da Previdencia Social. 179 AS EXPERIENCIAS CHILENA E ARGENTINA D E R E F O R M A DA PREVIDENCIA SOCIAL BEATRIZ AZEREDCV Marcelo Viana Estevâo de Moraes (Coordenador) - A economista Beatriz Azeredo, do Centro de Estudos de Políticas Públicas e assessore do deputado José Serra, abordará hoje as experiéncias chilena e argentina de reforma da Previdéncia Social, corno especialista no assunto. Com a palavra, a professore Beatriz Azeredo. Beatriz Azeredo (Conferencista) - O convite para discutir esse tema constituí urna oportunidade excelente para a troca de idéias. Principalmente, dentro da abordagem de urna perspectiva cpmparada, objeto de estudos e, portanto, inacabada. A escolha específica do Chile e Argentina tem urna justificativa. O desenho do sistema chileno j á é bastante conhecido. Com ceno otimismo, esse nâo é o modelo a ser adotado pelo Brasil. No entanto, ao se considerar as propostas de reforma da Previdéncia brasileira, observase urna recorréncia ao caso chileno nas mais diversas formas. Ou é a proposta do modelo andino como um todo, ou a mençâo a pontos específicos. Sem qualquer dúvida, essa posiçâo surgirá de forma muito nítida na revisáo constitucional. A preocupaçâo está exatamente ai; Torna-se necessàrio avançai na discussáo dessa perspectiva, sem ater-se à configuraçâo do modelo chileno, mas na realizaçâo de um balanço desse modelo, dez anos após a sua implementaçâo. Quai a sua perspectiva? Ai está a preocupaçâo cotidiana da pesquisa. A escolha da Argentina apresenta outra justificativa. O modelo previdenciário é bem semelhante ao brasileiro, em vários aspectos: rigem histórica, fragmentaçâo institucional, movimento rumo à centralizaçâo, mecanismo de financiamento, crise desde a década de 80, e questáo dos beneficios deteriorados em seu valor. A experiéncia está bem próxima da brasileira - é até mais grave. A Argentina vive, atualmente, um processo de reforma. Existe um sistema antigo ainda em vigor e o Congresso discute urna proposta enviada pelo Executivo, em julho de 1992, que vem sendo modificada desde entáo. Nesse sentido, esses dois contrapontos sao importantes para a discussáo do caso brasileiro. */ Palestra realizada em 27 de maio de 1993. 181 No Chile, a questâo básica consistía na privatizaçâo e na absorçâo de toda a populaçâo trabalhadora pelo mercado. Isso ocorreu em maio de 1981, quando o sistema era extremamente complicado e atravessava urna crise financeira. O pròprio país estava em crise. Fragmentado institucionalmente, o sistema sofría urna pulverizaçâo de caixas previdenciárias, os beneficios eram diferenciados de acordo com as caixas e os valores superdeteriorados. Isso configurava um problema. O sistema público foi substituido, entâo, por um sistema privado. Mas houve um movimento de racionalizaçâo, de unificaçâo e de homogeneizaçâo dos critérios de concessâo dos beneficios, de maior visibilidade do trabalhador em relaçâo ao beneficio futuro, e de maior garantía de pagamento desses beneficios, independentemente da politica econòmica, através do estabelecimento de contrato com urna instituiçâo privada. Essas sâo as virtudes bem visíveis desse processo. Mas, é preciso referir-se aos problemas que isso têm provocado na economia chilena. De imediato, logo após a reforma, houve urna adesáo praticamente maciça dos trabalhadores ao sistema privado. Em geral, permaneceram no setor público os trabalhadores cuja idade se aproximava da aposentadoria. No inicio, a adesáo nao era obrigatória. Depois tornou-se compulsoria para os novos integrantes do mercado de trabalho. Apesar de optativo, houve um estímulo em termos de ganho no salàrio real, na época. Independentemente da crítica ao antigo sistema e da perspectiva de melhoria com o novo sistema, os trabalhadores obtíveram logo um aumento na renda mensal. Portante, a adesáo foi maciça, imediata. Nos 18 primeiros meses, as Administradoras de Fundos de Pensâo (AFP), que sâo instituiçôes do setor privado, sociedades anónimas, já cobriam 40% da força de trabalho. Com exceçâo de um residuo que permaneceu no setor público, apesar dessa ampia cobertura, com todos os trabalhadores filiados, nao se pode ter como base a estatística do número de filiados às AFP, para inferir que isso é cobertura. Simplesmente, porque existe urna margem de 60 a 70% dos filiados que nâo contribuent. Portante, dé inicio, faz-se necessàrio descontar a populaçâo filiada que, na verdade, nao está coberta e nem aportando. Um dado atual revela que metade da força de trabalho no Chile náo contribuí para sistema algum. Em 1970, no regime antigo, essa estatística atingía 40%. Em urna conjuntura de crise, naquela década, evidentemente, registrava-se urna fuga em funçâo do desemprego e da informalizaçâo de 40%, que nâo integravam sistema algum. Na década de 90, com toda a evoluçâo da economia chilena, metade da força de trabalho ainda permanece fora de qualquer sistema. Esse é um dado crucial, porque na época da reforma o grande argumento pregava a privatizaçâo, baseado na identidade imediata do contribuinte com o seu beneficio, o que gera maior interesse e visibilidade. Portanto, há interesse na filiaçâo ao sistema. A incorporaçào dos autónomos, no entanto, permanece como problema, pois très em cada quatro desses trabalhadores nâo estáo filiados a sistema algum. O valor dos beneficios surgía como outro argumento central na época da reforma. Evidentemente, esse valor no sistema privado é muito maior. Atinge cerca de 34% na aposentadoria por idade e 100% nos casos de invalidez. Porém, nâo significa muita coisa, pois o beneficio que está sendo pago é muito pequeño. Atualmente, existem 95 mil beneficios pagos 182 pelos fundos de pensâo privados no Chile, número esse que nâo chega a 2% dos fundos acumulados. Portante, configura um sistema que nâo está funcionando ainda. Existe urna clientela inativa muito pequeña e urna grande clientela ativa contribuindo. Para se ter urna idéia, o setor público continua com 900 mil pensionistas sob sua responsabilidade, hoje. Outro ponto crucial da privatizaçâo chilena está no chamado impacto sobre as contas públicas. É sabido também que a reforma no Chile provocou um impacto financeiró enorme, imediato e prolongado para o setor público. A perspectiva é a de que, decorridos 35 anos de funcionamento do sistema, esse impacto continuará presente, sendo pago pelo setor público. Esse rombo advém, básicamente, de très pontos. Do ponto de vista do setor público, há urna reduçâo imediata da receita, pois a massa de trabalhadores ativos se transferiu para o setor privado. Portanto, registrou-se urna queda brutal na receita. Em termos de despesa, ao setor público restou a manutençâo da massa de inativos da economia, que já estava nesse setor e ai permaneceu, além do pagamento das aposentadorias subseqüentes, pois os trabalhadores com idade próxima à aposentadoria também permaneceram no setor. Afora isso, no desenho da reforma, o Governo se comprometeu a pagar urna aposentadoria mínima aos trabalhadores que contribuíram para o setor privado, mas cujos recursos nâo eram suficientes para proporcionar esse mínimo, no momento da aposentadoria. Dessa forma, o setor público tornou-se responsável pela manutençâo de umapensáo assistencial, a chamada pensâo mínima. O outro ponto é o chamado bônus de reconhecimento. A massa de trabalhadores que se deslocou para o setor privado contava com um direito adquirido, relativo às contribuiçôes passadas ao sistema público. O Governo comprometeu-se a pagar de urna só vez - esse detalhe é importante -, no momento da aposentadoria do trabalhador, um volume correspondente às contribuiçôes passadas. Portanto, estabeleceu um compromisso financeiró. No sistema antigo, os beneficios eram pagos ao longo da vida do trabalhador e depois da aposentadoria. Como o trabalhador ingressou no sistema privado, o Governo passou a dever a ele as contribuiçôes feitas no passado e, em determinado mês, por exemplo, teve de pagar nove anos de pensâo de urna só vez. Essa queda brutal na receita e a pressáo permanente na despesa resultaram em um déficit previdenciário enorme. Em 1982, segundo ano de vigência do novo sistema, o rombo chegqu a cerca de 8% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 1990, era de 5% do PIB, incluida a parcela dos funcionários públicos. Atualmente, o déficit previdenciário do setor civil atinge em torno de 3,5% do PIB. Para financiar esse déficit, o Governo captou recursos das AFPs, que vem atravessando, evidentemente, um processo brutal de acumulaçâo de recursos, e emitiu títulos do Tesouro Nacional, vendidos básicamente para essas instituiçôes, além da venda de açôes das empresas estatais, através do processo de privatizaçâo. O Chile experimentou um processo violento de 183 privatizaçâo e, de inicio, contou com a contribuiçâo das AFPs. Por outro lado, o Governo também promoveu um profundo ajuste fiscal na década de 80, exatamente, nesse período da reforma. O ajuste macroeconômico chileno foi liberalizante. Houve a desoneraçâo do setor produtivo, com a reduçâo da carga fiscal, num primeiro momento, e do gasto público como um todo, com exceçào da Previdência, evidentemente. Verificou-se um movimento intéressante na economía chilena, com um profundo processo de reforma do Estado e de reduçâo do seu papel. A observaçâo das estatísticas indica urna queda brutal dos gastos em todos os ítens, enquanto os da Previdência cresceram enormemente. Portanto, o resto do setor público gerava superávit para cobrir o rombo da Previdência. Em funçâo da reforma previdenciária, esse déficit que atinge hoje cerca de 2% do PIB deverá persistir por mais 35 anos, pelo menos, pois o Governo ainda mantém as pensóes anteriores, além de incorporar as dos funcionários que permaneceram no sistema antigo, e continua pagando o beneficio mínimo e o bonus de reconhecimento. Do ponto de vista das contas públicas, a contrapartida dessa situaçâo catastrófica está na excelente saúde financeira das AFPs. Só nos très primeiros anos de vigéncia do novo sistema, as instituiçôes privadas de previdência acumularam fundos da ordem de 9% do PIB. Evidentemente, isso está relacionado ao ganho de receita a curto prazo, pois prevalece o recebimento da massa de contribuintes e muito pouca despesa, até o momento. Outro ponto importante é a questâo da poupança para a economía. A privatizaçâo dos fundos de previdência teria gerado um aumento na capitalizaçâo da poupança e, portanto, dos investimentos. Considerando a economía como um todo, por um lado, o setor privado registra aumento de recursos, nâo necessariamente de investimento produtivo e, por outro, o setor público apresen ta um rombo. Só um balanço revelará até que ponto a privatizaçâo, efetivamente, promoveu o aumento da poupança para a economia chilena. A eficiência operacional é outra questâo. Um sistema privado mais identificado com um universo pequeño de trabalhadores, de quem recebe taxas de manutençâo, etc., seria mais racional, barato e organizado. Alguns dados, no entanto, demonstram que é mais caro do que qualquer sistema no mundo, e existem estatísticas sendo trabalhadas com relaçâo a isso no Chile. Outro dado é que, durante um longo período, vem ocorrendo duplicidade na máquina administrativa. Como a reforma nâo determinou o desmonte do setor público, pelo contiário, os sistemas previdenciários foram duplicados. Portanto, tanto o custo do setor público como o do privado estâo sendo pagos pelos trabalhadores, evidentemente, através de impostos ou das comissóes para as AFPs. As AFPs constituem um mercado concorrencial. Algumas agências de previdência privada disputam a captaçâo de trabalhadores no mercado, gerando um custo muito alto de propaganda, cerca de 30%. Esse é um item novo na administraçâo previdenciária, e sugere urna pista para o fato desse sistema ser mais caro do que qualquer outro no mundo. 184 Já o sistema previdenciário argentino, por sua vez, atravessa neste momento um processo de reforma. Desde 1992, tramita no Congresso um projeto nesse sentido. Na época de seu lançamento, o presidente da Argentina imaginou que processaria a reforma dentro de um més, sem prever as dificuldades que encontraría no Parlamento. O próprio projeto nao indica, claramente, como seráo operacionalizadás cada urna de suas diretrizes. Ele ainda está sendo discutido e modificado. De qualquer forma, existem semelhanças entre o sistema argentino e o brasileiro. A origem do sistema portenho está ñas caixas previdenciárias, por categoría profíssional. Existe um movimento histórico de centralizaçâo, unificaçâo e homogeneizaçâo dos beneficios. Na década de 60, urna grande reforma centralizou as diversas caixas. Hoje, na configuraçâo institucional, prevalecem très caixas básicas de previdéncia: urna para os trabalhadores do setor privado, em gérai; outra para os do setor público; e a terceira para os autónomos, separada. Esse é o resultado de um longo processo de centralizaçâo e unificaçâo das diversas caixas, cuja origem apresentava urna absoluta fragmentaçâo. Há alguns regimes independentes um pouco parecidos com os brasileiros, incluindo os militares, a policía federal, os governos provinciais e os municipais. A dimensáo da Previdéncia na Argentina indica que um terço do gasto público social, cerca de 7% do PIB, representou urna despesa de 4,9 bilhóes de dólares em 1988. Em termos de cobertura, a estatística oficial revela que sáo beneficiados dois terços da populaçâo económicamente ativa. Essa cobertura, porém, nâo é homogénea, sendo esse dado genérico para o pais. Em algumas cidades mais importantes, a cobertura é maior. Ñas mais atrasadas, evidentemente, é menor. O principal beneficio está na chamada aposentadoria comum. O critério de acesso prevé 30 anos de serviço, 1S anos de contribuiçâo, no mínimo, 60 anos para o homem e 55 para a mulher. O valor do beneficio tem como referéncia a média dos très melhores anos de remuneraçâo dos últimos dez anos de trabalho. A partir disso, retira-se um percentual de 60 a 70%. Portante, existe urna regra de cálculo referente à remuneraçâo anterior do trabalhador. O detalhe importante é que o sistema argentino assumiu o compromisso legal de que os beneficios previdenciários acompanharâo a remuneraçâo da economía. Cada vez que o salário médio da economía aumenta 10%, o Governo tem 60 dias para equiparar as pensées e as aposentadorias. Isso é algo explosivo. Considerando a conjuntura e o contexto macroeconômico da Argentina, de 1980 para cá, o Governo enfrentou um problema considerável para acompanhar o crescimento do salário, e transferí-lo para a massa de trabalhadores inativos. O financiamento do sistema é parecido com o brasileiro. A principal fonte de receitas está na massa salarial. As empresas contribuent com 16% da folha de salários para a Previdéncia e os trabalhadores com 10%. No caso argentino, essa contribuiçâo para a Previdéncia refere-se apenas a pensées e aposentadorias. Existe ainda um sistema de beneficios familiares - salários-família, maternidade, auxilio, reclusâo - e as obras sociais, a saúde. Portante, há urna diferenciaçâo e nâo urna alíquota única. Em comparaçâo com 185 a Previdéncia brasileira, por exemplo, haveria urna alíquota de 16% para as pensoes e aposentadorias e outra de 9% para os beneficios denominados familiares. Além dessa contribuigáo sobre a folha de salários, principal fonte de arrecadagáo previdenciária, urna parcela do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), e outra menor do Imposto sobre o Lucro, também sao destinadas á Previdéncia. Recentemente, o sistema ganhou também urna pequeña parcela do imposto sobre bens públicos, combustíveis, energia elétrica, etc.. Portanto, o setor público tem procurado equacionar as dificuldades financeiras da Previdéncia através de outras fontes externas á folha de salários. ,Com a evolugáo recente, qual o sistema que está sendo reformado e qual é o objeto da reforma? O paño de fundo dessa evolugáo argentina é idéntico ao brasileiro. Desde a década de 80, ocorre estancamente, processo recessivo, queda no nivel de emprego e de renda, aumento na informalizagao do mercado de trabalho e tentativas fracassadas de estabilizado económica. Nesse contexto, verifica-se urna tremenda redugáo no valor dos beneficios. O Governo, simplesmente, passou a náo pagar o que devia em termos de beneficios previdenciários. E a populagáo comegou a exigir esse pagamento na Justiga, desencadeando urna onda de demandas judiciais. As causas foram ganhas e isso configurou urna monstruosa divida previdenciária, a ponto do Governo declarar a chamada "emergéncia previdenciária," em 1986, pela qual reconheceu legalmente a divida, mas decretou a emergéncia por náo dispor de recursos para efetuar o pagamento. Depois procurou negociar, emitiu títulos para os aposentados e acabou com um passivo acumulado em relagáo a essa divida. Enquanto tenta pagar, ao mesmo tempo, gera novas dividas, pela falta de pagamento do que deve aos aposentados. É sobre esse barril de pólvora que o sistema previdenciário argentino está assentado atualmente. O modelo é muito semelhante ao brasileiro, mas com um grau de agravamento da crise bem maior, porque a situagáo é considerada insolúvel. Em termos de financiamento do sistema e de redugáo do valor dos beneficios, o Governo promoveu urna tentativa radical, em 1980, de acabar com a dependéncia da folha de salários, algo também bem próximo do sistema brasileiro. Simplesmente, decretou o fim da contribuigáo do empregador para a Previdéncia. A partir daquele momento, a cobertura seria realizada com parte do Imposto sobre o Valor Agregado, compartilhado com as provincias e os municipios. É interessante observar esse movimento, pois seu significado imediato está na redugáo da dependéncia. O resultado é a distribuigáo do sistema previdenciário para o resto do setor público, porque entra também no Orgamento Geral do Governo. A idéia de federalizar náo é bem essa, repartindo o problema com as provincias e os municipios. O recurso compartilhado com os diversos níveis de Governo também o é com a Previdéncia, que constituía um "problema" do Governo Central, até entao. Houve urna mudanga muito significativa na forma de financiamento e de equagáo desse sistema previdenciário. 186 Isso nao deu certo. Para honrar o compromisso com o gasto previdenciário, a Previdéncia passou a avanzar muito nos recursos destinados às provincias. Em 1980, quando acabou a contribuito sobre a folha de salários, 10% dos recursos transferidos destinavam-se a eia. Em 1981, pularam para 39% e chegaram a 47% em 1983. É um imposto enorme, que estava sendo compartilhado com outros níveis de Governo, e cuja metade servia para cobrir a Previdéncia. Essa situato terminou em 1984, com o restabelecimento da contribuito do empregador sobre a folha. Foi urna tentativa meteòrica de mudar a base de ñnanciamento do sistema. A questáo da evasáo de receitas também constituí um problema muito significativo para os argentinos. A última estatística aponta para urna evasáo de receita e de arrecadato potencial da ordem de 45%. Esse é o sistema que está sendo reformado, com essa divida previdenciária e o problema do ñnanciamento. O país, no entanto, vem atravessando um processo de privatizato e existe um ambiente favorável à reforma da Previdéncia. Há um programa e urna política macroeconòmica voltados para a privatizato. Em linhas gerais, o Governo estabelece um sistema dividido em dois. O sistema público, obrigatório, é financiado pelas empresas, sobre a folha de salários, com urna aliquota um pouco menor, e paga urna pensáo básica, única, igual para todos. A estimativa prevé que isso totalizará cerca de 30% da remunerato do salàrio mèdio da economia. E, no sistema privado de Administradoras de Fundos de Pensáo (AFPs) - como no Chile, sociedades anónimas, fundos de capitaliza?áo obrigatória -, só o trabalhador contribuí. É um fundo de capitalizado onde o beneficio mantém urna r e l a t o direta com a contribuito do trabalhador. No Chile, estabeleceu-se um bònus de reconhecimento. Na Argentina, nesse processo de reforma, procura-se criar urna pensáo para quem já contribuiu, além da pensáo básica, igual para todos, paga pelo setor público. Essa pensáo complementar seria determinada em f u n t o das contribuigóes anteriores, mas dentro de um limite. O somatório náo pode ultrapassar 75% do salàrio mèdio da economia. Esse mecanismo de transito è um pouco diferente do modelo chileno, que paga de urna só vez o beneficio para os contribuintes do sistema antigo, no momento da aposentadoria. No caso argentino, o Governo complementa a pensáo, dividindo o encargo ao longo do tempo. Outra diferenga em r e l a t o ao sistema chileno está no fato de que todos os trabalhadores argentinos tém, necessariamente, de ingrossar no sistema privado. Eles contam com a pensáo básica, única e universal, mas devem aportar ao sistema privado. A transito è resolvida através de pensóes complementares, onde o Governo reconhece as contribuigòes anteriores e o empregador continua contribuindo. É um detalhe importante. No Chile, o empregador parou de contribuir para a Previdéncia. Mas, esse constituí um problema do trabalhador, a ser resolvido no mercado. No caso da Argentina, tal como está desenhado, recusar è possível, pois o trabalhador já contribuí para a pensáo básica e universal. Acima disso, ele terá de buscar no mercado e contribuir. O Governo continua arcando com o estabelecido - há previsào de 187 mudanzas nos impostos para aumentar as receitas do sistema previdenciário - e os empregadores e trabalhadores prosseguem aportando. É urna diferenga crucial para o sistema argentino. Apesar das diferengas e de urna transigao mais suave, existe urna expectativa de desequilibrio ñnanceiro do setor público argentino, que perde de imediato a contribuigáo de 10% dos trabalhadores. O aporte do empregador permanece, mas numa alíquota um pouco menor do que a anterior. E o Governo tem de arcar com a pensáo única para todos, além da complementar, relativa á transigao e ao chamado direito adquirido. As estatísticas demonstran) que, até o ano 2020, prevalecerá o desequilibrio ñnanceiro do setor público, caso a reforma seja adotada conforme desenhada. Mais urna vez, veriñca-se o impacto sobre a poupanga da economía. As agéncia privadas cobigam esse mercado de demanda permanente. Existe um lobby muito forte pela privatizagáo parcial, pelos 10% da folha de salários da economia. O argumento defende que, em troca, haverá um aumento na poupanga da economia. Mas, com isso, o setor público está sendo desfinanciado. Em termos de poupanga e de impacto no investimento, qual será o balango para a economia como um todo? Quatro outras questoes sáo também importantes. Em primeiro lugar, a dificuldade da experiéncia argentina recente de reduzir a dependencia da massa de salários. Houve um movimento preciso e vigoroso nessa diregáo, que durou quatro anos até ser interrompido. Em todas as discussdes sobre financiamento da Previdéncia, aborda-se a famosa massa de salários, a redugao da dependencia e a diversificagáo. No entanto, essa náo é urna questáo táo simples, a despeito até do reconhecimento dos vicios e virtudes dessa base. A tentativa de se livrar déla, ou diminuir a dependéncia, pelo menos parcialmente, constituí urna complicagáo. A experiéncia chilena demonstra que, quando se reduz a dependéncia da folha de salários, a Previdéncia é atirada na vala comum, passando a disputar parcelas importantes do Orgamento público como um todo. Tradicionalmente, a folha de salários é preservada para despesas dessa natureza. Naquela época, na Argentina, os governos locáis ganharam a "queda-de-brago" na busca para manter as receitas provenientes do Imposto sobre o Valor Agregado. Isso é muito complicado. Significa sair de urna base históricamente reservada ao sistema previdenciário, até por definigáo e pela sua origem, e cair na vala comum do setor público, que náo tem como atender a essa demanda, numa perspectiva de crise. A proposigáo de que o modelo chileno deve ser seguido náo leva em consideragáo questSes fiindamentais e elementares, ao mesmo tempo. O primeiro ponto está na dimensáo relativa dos dois países. No Chile, sáo 13 milhoes de pessoas e, no Brasil, 150 milhoes. Lá existem atualmente 95 mil beneficiários, e o sistema absorve recursos da massa ativa de trabalhadores para o pagamento dos beneficios. O dado elementar náo considerado, no caso, é o da dimensáo. Esse sistema funciona bem para 95 mil, sem dúvida. Além disso, se esses 95 mil representam 1 % em termos de despesa para os fundos acumulados até entáo, melhor aínda. Contudo, a conclusáo de que o sistema funciona bem, náo significa absolutamente nadare nem que seja a melhor opgáo para o Chile, no futuro. A constatagáo de que o sistema náo foi ainda 188 suficientemente testado está no número de beneficiários. Portante, nao constituí um modelo, mas um processo em implantado. Urna outra questáo refere-se à acumulado de fundos. O acompanhamento da história da Previdència Social, no Brasil e em outros países, comprova que a boa saúde financeira dos sistemas previdenciários públicos, ou privados, é urna característica-de qualquer sistema novo. Na sua origem, os fundos brasileiros dispunham de muitos recursos. Por isso, ocorreu o movimento de diversificado dos gastos, a incorporado da saúde, o financiamento da habitado as caixas previdenciárias. Por definido, qualquer sistema novo tem muitos contribuintes e pouquíssimos ínativos. Até na Europa, o movimento de origem dos sistemas previdenciários apresentava os valores dos beneficios numa escala ascendente, pois o sistema era novo. Primeiro, proporciona-se o ganho nos direitos dos ¡nativos, para depois se reverter o processo, evidentemente. Outro ponto fundamental náo considerado na discussáo do modelo chileno é o fato da privatizado ter ocorrido lá em condigòes especialíssimas. Em primeiro lugar, no plano político, vivia-se em plena conjuntura ditatorial. No plano econòmico, verificou-se um ajuste macroeconómico, denominado corte liberal em diregáo ao mercado, com a redudo do papel do Estado na economia. Houve um movimento muito forte e nítido de privatizagáo, de ajuste fiscal rigoroso e bem-sucedido, e de descentralizagáo das atividades do setor público, que teve o seu papel efetivamente reduzido na sociedade chilena - ou privatizou, ou descentralizou. Na verdade, quando se observa esse rombo no sistema previdenciário público, deixado no rastro da privatizagáo, verifica-se que tem sido financiado ás custas de um ajuste brutal no setor público como um todo. De acordo com as estatísticas, os gastos com saúde e educagáo foram reduzidos drasticamente. Portanto, o setor privado assumiu parte da Previdència, e os estados e municipios arcaram com o ònus. Isso tem de ser levado em consideragáo. No caso brasileiro, náo se pode pensar em qualquer reforma do sistema previdenciário sem se considerar o setor público como um todo. Eventualmente, torna-se impossível imaginar, no desenho, urna "mexida" apenas no sistema previdenciário, apesar da tranqüilidade razoável da vinculado da folha de salários, em fungáo do grau de interdependéncia. No caso chileno, a "mexida" efetivamente ocorreu, mas houve urna compensagáo. O gasto previdenciário subiu ás alturas, para sustentar a privatizagáo, mas o resto do setor público encolheu. Além disso, a política macroeconòmica foi bem-sucedida, a inflagáo debelada, e a economia, o emprego e a formalizado cresceram. Portanto, um conjunto de elementos compuseram essa reforma. Constituí urna experiència, no entanto, impossível de se transpor, magicamente, para outra realidade, como a brasileira. Todo esse processo acarreta um alto custo operacional. Resta saber as condigòes do setor público para sustentar essa situagáo, e da economía para arcar com a duplicagáo. No caso da Argentina, também ocorrerá urna duplicagáo do custo operacional do sistema previdenciário e da economia como um todo. 189 A questáo dos trabalhadores de baixa renda é outro ponto fundamental. No Chile, fícou a cargo do mercado. O trabalhador contribuí. Mas, e quem nao dispoe de recursos? O que fazer com os pobres? A privatizagáo pura e simples nao supera um elemento crucial, estrutural e gigantesco, que é a pobreza no Brasil. Como tampouco superou no Chile, que avangou no sentido da prosperidade económica, na última década. Certamente, o problema da pobreza e da concentragáo de renda é muito menor lá. No entanto, há urna massa muito grande de trabalhadores contribuintes do setor privado que nao dispoe de recursos suficientes para totalizar urna pensáo mínima, no momento da aposentadoria. E quem arca com esse ónus é o setor público. Portanto, a privatizagáo tem de ser entendida como um movimento que pode dar certo apenas para urna pequeña parcela da populagáo. Por último, na Europa, a tendéncia é a de nao ocorrer casos de privatizagáo como no Chile, que constituí urna experiencia única, incluindo os países capitalistas avanzados. Os sistemas previdenciários do mundo inteiro entraram em crise na década de 70. E tiveram de se reorganizar num contexto de crise económica geral. Mas, quando se observa a década de 80 e o movimento de reorganizado desses sistemas em crise, nota-se que eles nao caminharam no sentido do mercado e da privatizagáo e, principalmente, da redugao do compromisso do setor público com o beneficio para o trabalhador inativo. Esse é um dado fundamental. Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Ao iniciar a fase de debates, gostaria de encaminhar as minhas questóes. A Dra. Beatriz assinalou que um grande ponto em comum ñas experiéncias argentina e chilena foi a preocupagáo em reduzir os encargos sobre a folha de salários. No caso chileno, veriñcou-se urna aboligao total das contribuigóes dos empregadores e, no argentino, urna redugao parcial dessas contribuigóes, durante o período em que vigorou a partilha do Imposto sobre o Valor Agregado. Os efeitos disso foram mensurados em termos de mercado de trabalho? No Chile e na Argentina, durante esse período, o mercado respondeu positivamente, no sentido de ampliar a capacidade de incorporagao de máo-de-obra ao mercado formal? No caso brasileiro, a excessiva tributagáo da folha tem sido o elemento básico para a redugáo do nivel de formalizagáo do emprego. O segundo aspecto refere-se ao modelo clássico de Previdéncia, enquanto seguro social. A matriz é básicamente européia. Foi construida para sociedades mais homogéneas do que as da América Latina, e tiveram um grande incremento num momento histórico, que coincidiu com o aumento do dinamismo económico na Europa, durante os chamados "trinta anos gloriosos", marcados por altas taxas de crescimento económico, grande expansáo do mercado de trabalho formal e elevagáo dos níveis médios de renda. Ao se transplantar e copiar esse modelo em países com dualidades estruturais, como as verificadas na América Latina, sempre ocorre uma pressáo muito maior para que a Previdéncia se transforme, em grande parte, em assisténcia social. Isso porque o que era marginal, a franja, na Europa, aqui constitui um segmento expressivo da estrutura produtiva, insuficientemente incorporado ao processo produtivo formal ou representando a grande massa de marginalizados. 190 Hoje, a crise do modelo previdenciário europeu decorre, principalmente, da alterçâo em seu paradigma de desenvolvimento. Verifica-se a mudança de um modelo incorporador para outro progressivamente excludente, de um modelo que caminhava para a homegeneizaçâo, para um que acirra a heterogeneizaçâo. O sonho latino-americano sempre consistiu em partir para um modelo de desenvolvimento integrador. O objetivo estava em copiar as tendências internacionais, em repetir o padráo "fordista" de crescimento e desenvolvimento. Parece, no entanto, que sao os latinos que estáo se tornando paradigmas do futuro dos países centrais. Certamente, as dificuldades decorrentes dessas restriçôes, de caráter incorporador do crescimento econòmico, irâo se refletir no acirramento das dificuldades estruturais, características da Previdência Social nos países periféricos. No caso brasileiro, já havia esse grande número de excluidos. O modelo chileno, e talvez o argentino, estariam atribuindo a devida importância a esse aspecto? Ou seja, o elemento assistencial dentro da Previdência tem um grande peso nos países latino-americanos. No caso chileno, nao existe qualquer preocupaçâo com esse setor. Lá, nao se procurou criar um sistema público para promover o que seria assisténcia social, com contribuiçôes exclusivas do empregador? Beatriz Azeredo (Conferencista) - A príineira questáo, relativa a encargos sobre a folha de salários, é importante. Será que existe urna relaçâo táo direta e positiva entre a reduçâo de encargos e o aumento no grau de formalizaçâo? Nenhum estudo específico sobre as experiéncias chilena e argentina demonstra isso. Um estudo recente, sobre o sistema de proteçào social na Argentina, aborda em profundidade a experiência de reduçâo da folha para aumentar a formalizaçâo, mas nao menciona nada quanto ao efeito. No mínimo, pode-se duvidar se, efetivamente, ocorreu alguma coisa visível com o mercado de traballio. Até porque, o país atravessava urna conjuntura de crise, na época. Vários outros fatores movem o mercado de trabalho. Ao se tocar no ponto do encargo sobre folha, enfrenta-se a economia em crise, a inflaçâo, o desemprego. Nâo é urna situaçâo táo simples. A questáo da informalizaçâo do mercado de trabalho apresenta raízes estruturais profundas, agravadas por questóes conjunturais. No pròprio caso do Chile, por exemplo, j á se imaginava o contràrio. A folha de salários da empresa foi desonerada e a conjuntura era de prosperidade econòmica. Mas, a metade da força de trabalho nâo contribuí para nenhum sistema previdenciário, porque nâo consegue. Além, evidentemente, do grande percentual de informais, incluindo os autónomos. Desses, de cada quatro, très nâo contribuent para a Previdência. Nos dois casos analisados, houve urna reduçâo, embora a experiência argentina seja pontual e a chilena mais prolongada. De qualquer forma, a ocorrência da reduçâo do encargo sobre a folha, em situaçôes distintas em termos de conjuntura econòmica, nâo apresentou resultados aparentes de aumento da formalizaçâo do mercado de trabalho. A experiência chilena está recheada de propaganda. O Governo sempre aponta as virtudes do processo e argumenta que, naquela época, o objetivo consistía em deixar o empresárib mais livre para a economia crescer. Nâo existia urna atitude direta voltada para a formalizaçâo e a 191 redugào da informalizagáo. O modelo chileno, na definigáo do projeto de reforma, nao apresentava grandes preocupares com a questáo assistencial. E chegou a estabelecer urna pensáo assistencial para os que nào tèm acesso e nào conseguem contribuir. A expectativa era de que essa situagáo sería absolutamente marginal. E isso surgiu dentro de um movimento integrado com a reestruturagáo da economia, que se revelou bem-sucedida. Dez anos depois, persiste urna parcela que requer cobertura do Governo, para surpresa das autoridades. Sem dúvida alguma, essa questáo assistencial configura um problema que o Chile vem enfrentando. No caso da Argentina, a sua avaliagáo de se cuidar minimamente dessa massa de trabalhadores sem condigóes está correta. Arca-se com um mínimo de 30% do salàrio mèdio da economia e o resto se transfere para o setor privado - é urna tentativa. Nesse sentido, a experiència argentina é rica na idéia de aprender com a ligào extraída da experíáncia chilena, que apresenta alguns equívocos, nitidamente, entre eles, o da privatizagáo. Na verdade, apenas urna pequeña parcela foi privatizada, e o grosso da economia permaneceu no setor público. Isso, porém, nào era dito. Todo o discurso estava voltado para a privatizagáo, cujo prego tem de ser pago. Na Argentina, ao contràrio, alega-se que, de inicio, torna-se impossivel privatizar tudo. O Governo retém a parcela sem condigòes de ingressar no setor privado e os demais devem buscar suas próprias solugòes. Adolfo Furtado - Com relagáo às semelhangas entre o caso argentino e o brasileiro, a Previdència na Argentina também experimenta dificuldades de financiamento. Nào basta apenas reduzir a contribuigáo do empregador sobre a folha de salários, para estimular o processo de formalizagào da economia, conforme a exposigáo da Dra. Beatriz. O caso brasileiro é tipico. Além da contribuigáo do empregador sobre a folha, existe urna sèrie de outros encargos, como o Fundo de Garantía, o pagamento de um tergo sobre as férias e o 13° salàrio, que sáo garantidos constitucionalmente. Dai advém a questáo da flexibilizagáo do mercado de trabalho. No caso da Argentina, gostaria de saber se a Dra. Beatriz dispde de informagdes sobre o que aconteceu com a redugáo das contríbuigoes dos empregadores, e a sua substituigáo pelo IVA. Do ponto de vista do setor público como um todo, estava em andamento algum processo de ajuste fiscal mais profundo? De nada adianta reduzir determinada fonte de custeio sem substituí-la por outra. Aparentemente, o que se fez foi retirar parte dos recursos destinados aos governos provinciais. Essa questáo é muito parecida com a proposta de realizar urna reforma tributària no Brasil. O deputado Luiz Roberto Pontes, por exemplo, pretende eliminar a contribuigáo do empregador sobre a folha, e substituí-la por urna versáo leve ou pesada do IPMF - acredito que mais pesada, pois todos teriam de contribuir -, além do imposto sobre cerca de seis produtos. A variável de ajuste seria o imposto de renda para a pessoa jurídica. A questáo está em saber se a experiència argentina, muito parecida até históricamente com a discussáo em curso hoje no Brasil, registrou um processo de ajuste com elevagáo da carga tributària e de receita do Governo, para enfrentar essa situagáo. 192 Beatriz Azeredo (Conferencista) - Esse é um ponto crucial. Ao longo da década de 80, a Argentina promoveu urna sèrie de tentativas fracassadas de ajuste fiscal e estabilizado. Na época, nao ocorreu nenhum ajuste fiscal preciso, e a crise estava gravissima. Portanto, o setor público perdeu urna fonte preciosa de recursos - a contribuido sobre a folha de salários -, ficando com urna fonte debilitada - o Imposto sobre o Valor Agregado -, cuja arrecadado estava em queda, em fundo da crise, e despejou urna demanda de 40% sobre a Previdencia Social. É a históriado "cobertor curto", onde alguém, fatalmente, sairá perdendo. Evidentemente, deveria ter ocorrido urna mudanza na estrutura tributària, para gerar fontes alternativas de receita, mesmo fontes gerais. Houve urna descaracterizado nítida da contribuido exclusiva sobre salários para a Previdencia. Quando náo se pretende onerar a folha de salários, nem tampouco ter urna base exclusiva para a Previdència, torna-se necessàrio juntar isso com urna ampliad 0 da base tributària geral, para ampliar o Ornamento, que no caso da Previdència é separado, e cuja base está nos salários. Atribuir mais um componente ao ornamento sem alargar as fontes de recursos só complica a situado. Isso é o que se vé hoje no Brasil. Na experiéncia recente da reforma da Constituido, depositava-se grandes esperanzas na chamada diversificado das bases de incidéncia e na criado do ornamento da Seguridade Social, o que náo se concretizou. O motivo foi a disputa, em primeiro lugar, pelos grandes recursos a folha de salários, a contribuido sobre o lucro e a base/faturamento. Verificou-se ainda a evasáo da arrecadado do FINSOCIAL, e a contribuido sobre o lucro jamais representou algo significativo, tanto no ornamento fiscal como no da Seguridade. Na realidade, reduzir a dependencia e diversificar o financimento constituem urna equado muito complicada. Apesar de seus defeitos, é preciso considerar que a folha de salários representa um guarda-chuva para a Previdencia, e náo urna base disputada pelas despesas gerais do setor público. Tradicionalmente, pertence à política e á previdencia social e, cada vez mais, a essa. Imaginando um contexto de prolongamento da crise de financiamento do setor público, torna-se impossfvel inventar muito mais em termos de alargamento das bases de financiamento. Náo existe mágica. As perspectivas da questáo do financiamento sao pessimistas. A margem de manobra é muito pequeña. A Seguridade Social como um todo também constituí urna situado muito complicada e nem está sendo abordada aqui, pois o tema é Previdència. Mas, o que fazer com o resto, com a saúde, por exemplo? Joga-se na vaia comum? A equado na área da saúde é muito difícil. Quais as bases de recursos que irá disputar no Ornamento Geral da Uniáo? A tentativa de incluir a saúde no ámbito previdenciário continha exatamente a idéia de se preservar recursos para o setor. Históricamente, na disputa de recursos do Ornamento Fiscal, a área social sempre saiu perdendo, com excedo da área assistencial, da política assistencialista. Na época da revisáo constitucional, a palavra de ordem era a diversificad 0 das fontes de financiamento da Previdència, para resolver a equado Previdéncia/Saúde/Assisténcia. Essa experiéncia está esgotada e fracassada nesse contexto específico. Isso náo significa, necessariamente, que náo daria certo, em outras circunstancias. Em um contexto de crise de financiamento do setor público, de crise econòmica gravissima, de reforma tributària, que 193 reduziu os recursos do Ornamento da Uniào, cria-se um ornamento de Seguridade maior. Essa sobra tornou-se objeto de disputa entre as várias esferas do Governo. Essa equagào do ñnanciamento da Previdència e também da Seguridade Social causa certa perplexidade. Em primeiro lugar, constituí um desafio. Em segundo, como já disse, nào existe mágica. Na revisáo constitucional, sobravam propostas em termos de financiamento. Hoje, nao há saídas, nem para a discussào. Vai-se discutir com base em qué? No imposto sobre cheques? Transfere-se o Finsocial para os estados e municipios e se estabelece urna partilha? Essa questáo já foi levantada e estaña próxima à situad 0 argentina. Portanto, o problema das bases de financimentó da Previdéncia constituí um desafio. Maria Inés Souza Gomes - Sou da Secretaria Nacional de Previdéncia Social. No Chile e na Argentina, quando os cidadáos procuravam seus beneficios na fonte pagadora, surpreendiam-se ao tomar conhecimento de que a capitalizado de sua contribuido havia chegado a zero. Caso o Brasil pretendesse adotar esse modelo de privatizado chileno, seria necessàrio promover urna modificado na mentalidade do político e do brasileiro em geral. Primeiro, porque o político é regionalmente paternalista. Freqüentemente, sao criados novos beneficios sem que haja o custeio adequado correspondente. A última criado nessa área foi a pensáo dos seringalistas, recentemente. Dois salários-mínimos foram concedidos graciosamente àqueles que, em determinada época, partiram para trabalhar na Amazónia. O brasileiro também tem outra mentalidade. Nao se convence de que, por menor que seja a sua contribuido para a Previdéncia, eia deve ser efetiva e seqüente, nao podendo parar de contribuir porque perdeu o emprego. Na economia informal, onde o autónomo está sendo incluido, ele nào contribuí como deveria, mas apenas com a parcela mínima. E, se puder, nem com isso. Portanto, essa sèrie de problemas impede a adogào da privatizado. Caso seja implantada, irá de mal a pior, pois todo o beneficio assistencial hoje pago, na pior das hipóteses, pela Previdéncia, independentemente da Uniào honrar o compromisso por eia assumido, gera diversos problemas de caixa. Existem situagóes como a dos anistiados, por exemplo, que desfrutam de beneficios absurdamente elevados, nào honrados pela Uniào. Por outro lado, na privatizado chilena, os empregadores deixaram de contribuir, mas ficaram obligados a recolher a contribuido dos empregados e remeté-la para as AFPs. Porém, eles tém urna carencia, às vezes de um ano, para repassà-la. Isso também gera problemas e a contribuido nào chega. O mesmo ocorre no Brasil: o empregador recolhe a contribuido do empregado, mas nào efetua o recolhimento para a Previdéncia. No entanto, se houve recolhimento e existe comprovagào de que foi retirado do salàrio do segurado, a Previdéncia assume e concede o beneficio. Há urna sèrie de fatores que devem ser analisados. Um outro aspecto diz respeito à assistència médica. Em 1975, o ornamento para a assisténcia médica, para os segurados da Previdéncia, correspondía a 75% do ornamento da Uniào para o Ministério da Saúde. Quando se inventou a unlversalizado da assisténcia médica, imaginou-se que a Previdéncia poderia assumir tudo isso. E os recursos destinados à assisténcia 194 médica dos segurados foram estendidos para a unlversalizado, para todos os brasileiros. Hoje, portanto, o problema é muito pior do que antes. Havia urna assisténcia médica razoável para o segurado, nos postos de assisténcia. Atualmente, nem razoável é, mas pèssima. O segurado que está doente e precisa de atendimento e acompanhamento médico, receituário, etc., encontra-se na vaia comum como qualquer outro e depende do atendimento médico municipal. Quem sofre acídente de traballio experimenta urna situado ainda pior, pois necessita de acompanhamento médico e tratamento adequado para se reabilitar e retornar ao traballio. Portanto, todas essas mudanzas, ao invés de favorecer, só complicaram o problema da Previdencia brasileira. Hoje, as fundagdes temem ser absorvidas se a Previdéncia complementar oficial vier a se estruturar. Nao existe problema algum com a permanencia dessas fundares, pois os beneficios que venham a conceder, nao só aqueles em complementado aos da Previdéncia, mas quaisquer outros, estaráo dentro de suas possibilidades. Entretanto, na previdéncia complementar oficial como um todo, existirá oportunidade para as empresas pequeñas, que jamais teriam condigSes de se juntar a outras para constituir urna fundado, garantir a seus funcionários outra expectativa relacionada ao futuro previdenciário, pois eles teráo um valor "x" de beneficios, além da complementado. Ouve-se muito dizer que a previdéncia complementar deveria atingir apenas as pessoas com um patamar financeiro, e de vencimentos acima do patamar da Previdéncia. Isso náo é verdadeiro. A previdéncia complementar oficial trará beneficios em qualquer patamar financeiro da sociedade brasileira. Eram essas as minhas consideragdes. Beatriz Azeredo (Conferencista) - Obligada por seus comentários. Sobre a primeira observado relacionada á experiéncia chilena, em que o trabalhador supostamente contribuí para o fundo e depois encontra recursos insuficientes para cobrir a pensáo minima, existem ai alguns problemas, que sequer foram pensados na época da reforma, e tampouco aínda equacionados. As empresas efetivamente descontam a contribuido do salàrio e muitas náo a repassam para as AFPs. O Governo tem enfrentado dificuldades de fiscalizado. Imaginava-se que, através de um sistema individualizado, a fiscalizado do trabalhador em relado á empresa fosse mais imediata. Mas, isso náo tem ocorrido. Nem Governo, nem os trabalhadores estáo conseguindo fiscalizar. Evidentemente, isso acontece ñas pequeñas empresas, nos setores mais marginais do mercado de traballio. Outro ponto è que os idealizadores da reforma imaginavam que os trabalhadores teriam um interesse muito concreto em contribuir para o fundo individualizado, pois náo significaría contribuir para a vaia comum do Governo. Isso tampouco está ocorrendo. O trabalhador filia-se a urna AFP porque é obligado, mas náo contribuí. Como o beneficio só é realizado a longo prazo, o cidadáo náo visualiza, naquele momento, que deve contribuir para ter direito á aposentadoria. Portanto, isso tem diminuido o interesse, de certa forma. A fiscalizado do Governo tem sido ineficiente e náo conta com a adesáo do maior interessado, o trabalhador. Nesse ponto, o sistema chileno é um fracasso. Na época, era 195 considerado urna virtude, pois no sistema individual e privado o trabalhador seria o maior interessado. No entanto, ele náo tem auxiliado a fiscalizaçâo, pelo contràrio. Ciro Fernandes - Gostaria de maiores detalhes sobre dois aspectos da sua exposiçâo. O primeiro refere-se ao problema do ônus imputado ao Estado nesse novo equacionamento executado no Chile e na Argentina, para o financiamento do sistema. Aparentemente, muda-se de um sistema de caixa único, para custear todos os beneficios, para outro em que o Estado assume os segmentos menos intéressantes financeiramente, os de baixa remuneraçâo- O passivo do sistema, os inativos, os trabalhadores de baixa renda permanecem com o Estado. E os segmentos de maior capacidade contributiva passam para o setor privado. No caso chileno, essa segmentaçâo é total. No argentino, ainda se mantém alguma base de ñnanciamento, a partir da contribuito sobre o salàrio, para custear a remuneraçâo mínima garantida a qualquer trabalhador, mesmo que ele nao possa contribuir. Hoje, no Brasil, a discussâo está no ponto de que poderá ser um erro, com conseqüéncias profundas, abrir máo da carnada de trabalhadores com remuneraçâo suficiente para contribuir de maneira mais substancial para o financiamento do sistema. Como é visto esse ônus, o passivo transferido para o Estado, na perspectiva chilena e argentina, e essa vaia comum à quai a senhora se refere? De que forma estâo profetando a longo prazo o impacto disso nas finanças públicas? Isso nâo será um fato causador de urna possível crise financeira nesses dois Estados, a longo prazo? O outro aspecto diz respeito aos beneficios. Se for realizada urna avaliaçâo global de resultados, nos casos chileno e argentino, houve urna melhoria nos níveis de beneficio, e nos ganhos dos beneficiários nesse sistema. Em termos distributivos, ocorreu algum avanço, alguma melhoria para as clientelas do sistema previdenciário? Isso considerando o caso brasileiro, onde boa parte dos problemas atuais deve-se à tentativa, bastante louvável, de se melhorar o nivel, a amplitude e o valor dos beneficios. Nos casos mencionados, houve algum ganho ou melhoria por esse lado? Beatriz Azeredo (Conferencista) - Começando pelo final, essa questâo dos beneficios ainda nâo pode ser avaliada. No caso do Chile, como avaliar se o sistema todavía náo entrou em funcionamento? Existem beneficios na aposentadoria por idade que sáo 35 % superiores aos pagos pelo setor público, mas ápenas para um décimo do universo dos inativos desse setor. Quando o sistema estiver em pleno funcionamento, qual será o nivel desses beneficios? Isso está em aberto, mas o ponto é esse. Suas observaçôes tocaram num ponto crucial, náo abordado nesta exposiçâo, sobre a situaçâo da chamada solidariedade entre as diversas carnadas da populaçâo. Isso constituí a base do mundo capitalista avançado, onde todos pagam para tentar equalizar o mínimo para todos. Náo resolverá o problema da desigualdade, mas o atenuará, via alianças de solidariedade entre os vários segmentos da populaçâo. Essa é a base da constituiçâo dos sistemas de proteçâo social. 196 No caso do Chile, isso foi radicalmente rompido. Evidentemente, sempre se pode dizer que, no modelo chileno, o Governo paga o beneficio assistencial minimo, e extrai os recursos da economia como um todo. Em determinado limite, o Governo sempre retira recursos da populado. No Chile, a privatizagào rompeu com esse vínculo de solidariedade mais ¡mediato. Supostamente, o ornamento fiscal tem um sentido de solidariedade. Todos pagam e depois se vè para aonde vai o gasto. Na Previdencia Social, esse contexto é limitado, e estabelece urna solidariedade entre as diversas carnadas da populado e entre as geragòes. Isso foi inteiramente rompido e explícitamente desprezado no sistema chileno. A idéía de que o individuo é um individuo, interessado em resolver o seu problema, e deve resolvé-lo, de forma individualizada no mercado, que é o melhor lugar para isso, foi explícitamente descartada, embora seja essa a experiéncia histórica da solidariedade. A Argentina está no meio termo, porque existe um sistema básico. Como ainda náo há um sistema em funcionamento, o Governo tenta ficar com urna parcela da populado na qual todos pagam, pois a empresa está contribuindo e isso é repassado para os presos, sem dúvida alguma. As suas observares sintetizaram de forma bem clara a equado financeira dessas reformas. O setor público abre máo de receitas, de imediato, mas náo consegue fazer o mesmo com as despesas. Portante, configura um movimento incompleto, meio torto. Acabar com o setor público e deixar tudo por conta do mercado é inviável náo só por causa da massa anterior, mas também da pobreza. O Governo tem de arcar com a massa dos inativos, e dos eternos náoincorporados ao mercado de trabalho. No Chile, a despeito de toda a prosperidade econòmica e do processo de crescimento desde 1980, a metade náo contribuí e o setor público arca com o ònus. Náo há como equacionar. Perder receitas constituiu um lance arriscado para o Governo, que náo está conseguindo se desfazer das despesas. A expectativa consistía em sustentar a massa de inativos, e deixar todo o resto da populado - ativos e novos inativos - no setor privado. Era um objetivo integrado com urna política de crescimento - mas cresceram e náo incorporaram -, metade da populado está fora. Isso é dramático e, no Brasil, seria um escándalo. Na Argentina, o projeto do Executivo procurou resolver magicamente o problema do custo da reforma para o setor público. Nesse projeto, náo estava incluida a pensáo complementar. Havia simplesmente o calote em relado ao direito adquirido. O raciocinio defendia que o trabalhador ativo náo estava usufruindo do beneficio. Portante, nada estaría sendo retirado dele. E a contribuido para a Previdéncia constituí uma expectativa de beneficio futuro. O projeto só criou a pensáo básica, igual para todos, que comegariam da estaca zero a contribuir para o setor privado, o reconheci mento inexistia. Posteriormente, estabeleceu-se o sistema de pensòes complementares, pois a populado reclamou o reconhecimento do que já foi pago. Essa "queda-de-bra?o" ainda náo terminou. O direito adquirido deve ser reconhecido. A Argentina pretende dividí-lo ao longo do tempo, e náo como ocorreu no Chile, cujos resultados foram catastróficos. Certamente, isso náo estava 197 previsto. Nao se tinha o horizonte de agora, com 35 anos de vivència de um sistema com um rombo de 5 a 2%, no mínimo, do PIB. A perspectiva sào mais 20 anos de funcionamento, com o setor público arcando com esse déficit. Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Gostaria de tecer algumas considerares sobre essa discussáo em torno da fonte de financiamento. O Governo Itamar Franco encaminhou urna proposta de emenda constitucional propondo a substituidlo da contribuido sobre o faturamento - COFINS, antigo FINSOCIAL -, da contribuido sobre o lucro e do PIS/PASEP pela Contribuido sobre o Valor Adicionado (CVA). O argumento era que poderia calibrar as receitas da Seguridade Social, com recursos gerais da sociedade, para financiar o que é de acesso geral. Haveria urna aliquota da Contribuido sobre o Valor Adicionado para reduzir um pouco o peso das contribui$5es sobre a folha, buscando-se um ponto étimo, onde a arrecadado da contribuido sobre a folha de salários, financiaría as aposentadorias. Urna parte da CVA também pagaría os beneficios de natureza assistencial, hoje pagos pela Previdència, para incluir os marginais do sistema, nào-incorporados ao mercado formal e, portante, excluidos da Previdència Social. O restante dos recursos, basicamente, financiaría a saúde, descentralizando os encargos de assisténcia social à gestante e aos menores para os estados, considerando que já haviam sido premiados com a distribuido de recursos e teriam de abarcar os encargos adicionáis náo-assumidos até o momento. O desenho possível para simplificar tudo isso inclui a tentativa de se graduar a contribuido direta dos interessados. Isso porque nao se pode nem abrir máo da folha de salários, enquanto base de incidéncia, nem do vínculo contributivo, no que diz respeito à Previdència Social. Talvez, aumentar o piso ou definir melhor urna contribuido para superar as deficiéncias das demais contribuigòes de caráter genérico embutidas na CVA. Qual a sua análise a esse respeito, considerando o caso do IVA, que náo deu certo na Argentina, e em fundo da questáo da solidariedade inexistente no caso chileno? Beatriz Azeredo (Conferencista) - Sempre vi com simpatía essa proposta da CVA, pois acaba com a pulverizado de contribui?5es. Cada urna délas multiplica os problemas em termos de máquina arrecadadora, demandas judiciais, etc.. Portante, substitui-se urna base complicada, que incide em cascata, por outra mais limpa e se resolve o problema do faturamento e a questáo dos bens de acesso universal, muito bem lembrada. Faz-se necessàrio recordar a origem da Previdència, onde clientelas específicas incorporavam as outras parcelas de trabalhadores e as despesas, mas sempre numa vinculado entre contribuido e beneficios. De repente, a saúde se torna universal, como náo poderia deixar de ser, mas a base permanece a mesma. Isso tem de ser pontuado. Históricamente, a saúde é financiada pela base de salários, mas em outra concepdo, náo a saúde universal, que constituí um dever do Estado. Portante, tem de haver aporte de recursos fiscais, necessariamente. Porém, ocorreu o contràrio. Crescentemente, o Tesouro aportou cada vez menos para a saúde. Essa questáo da CVA constituí um bom ponto a ser trabalhado, pois talvez se consiga 198 urna troca entre duas contribuiçôes. O PIS/PASEP é um caso à parte, porque funciona bem. O antigo Finsocial e o lucro, como estáo naufragando, quiçà possam ser substituidos por urna contribuiçào mais vigorosa, corn maior capacidade de arrecadaçâo. Isso, no entanto, nâo pode ser um ato isolado, pois configura um movimento em direçâo a urna nova base. E nâo cabe a ilusâo de que isso irá cobrir todos os gastos. Nâo existe mágica possível, por exemplo, para arrecadar 4 % do PIB com essa nova contribuiçào. Prevê-se 1,1,5% para o PIS/PASEP, 1,5% para o FINSOCIAL e pouco mais de zero por cento para o lucro. Numa nova contribuiçào, que incluí toda urna fase de incorporaçâo, como arrecadar 3 % do PIB, magicamente? A folha de salários arrecada 4 % ou pouco mais. Torna-se muito difícil chegar a esse patamar. O movimento em direçâo à CVA, à simplificaçâo e à eliminaçâo da base de faturamento é correto. Mas, isoladamente, nada resolverá. Nesse ponto, a descentralizaçâo é crucial. Isso j á estava sendo questionado na época da reforma da Constituiçâo. O Governo Federal assistiu a urna reforma fiscal em que, na "queda-de-braço", estados e municipios levaram urna parcela significativa de recursos, através de transferéncias e nâo da base tributària. E o Governo nada fez para definir, minimamente, na Constituiçâo, quais as atribuiçôes de cada nivel de governo. Naquela época, j á se desenhava urna crise brutal para o setor público. Houve perda de receita, mas nâo de encargo. A pròpria Constituiçâo nâo especifica quais os encargos e os responsáveis por eles. Prevalece urna superposiçâo ñas várias áreas de atuaçâo entre os très níveis de Governo. Essa questâo é crucial para a revisâo constitucional, pois está relacionada ao equacionamento das finanças do setor público e, particularmente, ao equacionamento da Seguridade Social. É necessàrio definir melhor o aporte de recursos locáis para a área de saúde. Urna parcela disso tem, necessariamente, de ser repassada. O Governo Federal nao tem condiçôes de arcar com todo esse setor. A experiéncia argentina, simplesmente, operou essa mágica: partilhar o IVA. É possível se pensar na CVA integrada a outros movimentos do Governo Federal. A revisâo constitucional é o momento adequado, porque altera nâo só o capítulo da Seguridade para se criar a CVA, mas também as atribuiçôes e competências entre os diversos níveis de Governo. Quando se argumenta que nâo adianta alterar a Constituiçâo, é porque se partiu de um ponto errado. Essa questáo está absolutamente obscura na Constituiçâo. Por que os estados, que há 20 anos dependem de recursos do Governo Federal, tomariam a iniciativa? No Brasil, sáo os governos locáis que promovem ajustes fiscais. O Governo Federal está completamente estrangulado, nâo consegue se mexer. Os municipios obtiveram maiores receitas, com a nova Constituiçâo, em 1988. Mas, numa conjuntura de crise, promoveram um ajuste fiscal, para arrecadar mais e reduzir despesas. Portanto, na política social, as estatísticas demonstram que os municipios constituera um parceiro em melhores condiçôes financeiras do que o Governo Federal. E esse parceiro precisa ser incorporado, concretamente, nessa equaçâo. Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Agradeço a Dra. Beatriz Azeredo pela sua exposiçâo. Os trabalhos estáo encerrados. 199 OS FINANCIAMENTOS E BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS MÁRIO ALVES 1 ' Adelmar de Miranda Torres (Coordenador) - O Ciclo de Debates tem hoje corno expositor o Dr. Mário Alves, Economista, Mestre em Administrado, e autor da tese "Evasào de Contribuigòes Sociais". O Dr. Alves traz a experiència concreta de servidor da área previdenciária. Com a palavra, o Dr. Mário Alves. Mário Alves (Conferencista) - A abordagem recairá mais na questáo do financiamento da Previdència Social do que na do beneficio, que poderá ser incluida na fase dos debates. Inicialmente, gostaria de cumplimentar o Ministério pela iniciativa de promover este Ciclo de Debates e agradecer o convite para dele participar. A Carta de 1988, apesar de sua curta existencia, efetivamente já envelheceu e precisa ser revisada. O fim da bipolaridade no mundo e a queda do muro de Berlim justificam a modificado do texto constitucional. No en tanto, esse envelhecimento precoce também demonstra a necessidade de se produzir um instrumento mais genérico e de principio, e de se remeter para a legislado ordinària as especificidades e os detalhes que realmente náo cabem na Constituido. Sem dúvida, sempre existe o temor de que a auséncia dos detalhes no texto constitucional impela depois a regulamentagáo da parte genérica, e de principios contidas na Constituido, em tempo hábil. Contudo, praticamente, um tergo das leis incluidas na Carta de 1988 náo foi regulamentada. Portanto, estar ou náo na Constituido náo significa colocar em pràtica a legislado. A Previdència Social, por exemplo, experimentou um avango extraordinàrio, considerado por alguns segmentos como responsável por grandes sacrificios para a sociedade. Hoje, existem grupos de pressáo que entendem que os gastos sociais devem ser reduzidos, para náo comprometer o crescimento económico e a geragáo de emprego. A manutengáo das conquistas sociais, introduzidas na Constituigáo de 1988, requer urna solugáo que pode ser encontrada muito mais ao lado do custeio da Previdència do que do beneficio. O previsto na Carta Magna, em termos de beneficio, é o mínimo que se poderia ter. */ Palestra realizada em 03 de junho de 1993. 201 Portento, existe um campo extraordinário para se avanzar do ponto de vista do financiamento da Previdència. Considerando a questào do Estado e da Previdència Social, a solugào dos problemas da Previdencia passa, necessariamente, pela revisào do papel do Estado na sociedade brasileira. As mudanzas sociais provocadas pela industrializado e pela concentrado de capital transformaram o Estado num agente propulsor, além de estimular a coordenado e garantir o investimento. Portante, no decorrer do tempo, enquanto a empresa privada tinha como objetivo a rentabilidade do capital, o poder público criava os estímulos necessários à reprodudo capitalista. De um lado, estavam as empresas organizadas para realizar a acumulado de capital e, de outro, a a d o estatal para proporcionar as condi?oes para a reprodudo do capital. Dessa forma, a burguesía industrial definia as regras de suas relagSes com o Estado. Diante da necessidade de converter as rela?oes de produdo em rela?oes de dominado em seu beneficio, a burguesía ou penetrou no aparelho estatal ou buscou um preposto para operar a seu favor. Entre os vários interesses dos empresários, o maior deles está na obtendo de capital. Embora escasso, é o elemento necessàrio, indispensável para sua pròpria reprodudo. E, para operar ou criar novas empresas, os empresários precisam de financiamento e de empréstimos. Portante, de acordo com as vincula?óes económicas entre a empresa privada e o Estado, durante muito tempo, as grandes empresas do país permaneceram em débito com a Previdència Social. Esses débitos, a juros baixíssimos, eram utilizados para a formado de capital de giro, urna vantagem extraordinària. Otaviano Iani escreveu um livro onde aborda essa questào e mostra como isso realmente se processava. Na lògica da relad° "promiscua" existente entre o Estado e a pròpria Previdència Social, os recursos do sistema foram canalizados para a construdo da infra-estrutura necessària à acumulado do capital. E os recursos da Previdència financiaram a construdo de Itaipu, Brasilia e Transamazònica. Ao longo do tempo, o Estado brasileiro vem atuando como agente econòmico da classe dominante. Através da politica fiscal, capta junto à classe trabalhadora os recursos essenciais para a acumulado capitalista. Isso ocorreu na época em que a Previdència Social dispunha de reservas, e os recursos foram desviados ou canalizados para criar a infra-estrutura para a indùstria e o capital privado. Hoje, essa mesma classe dominante pretende que o patrimònio do Estado, e o espado por ele ocupado, sejam transferidos para o capitalismo voraz. A Previdència Social tem sido percebida nesse sentido por alguns segmentos da iniciativa privada, que véem na falència do sistema previdenciário a possibilidade de obter lucro fácil, quando se sabe que a protedo social, a dor e o infortùnio náo sáo consentáneos com o lucro. Efetivamente, o Estado brasileiro náo tem cumprido as fungóes típicas de um Estado capitalista moderno, na medida que náo enfrenta as práticas corporativistas, que impedem a sociedade nacional de superar seus problemas. A primeira délas, è a questào da divida externa. Portante, toma-se necessàrio aperfeigoar a negociado dessa divida, para reescalonar, redimensionar e redefinir o quanto se pode pagar. Essa pràtica precisa ser revista. A segunda 202 pràtica refere-se à divida interna. A supressào dos gastos impunitivos resgataria a capacidade de financiamento do Estado. A terceira pràtica a ser revista e repensada é a questáo da renuncia fiscal do Estado. É preciso eliminar os incentivos, os subsidios fiscais, que impedem a Uniáo de arrecadar os recursos necessários para implementar as políticas públicas de cunho social. Urna outra pràtica bem conhecida, com múltiplos exemplos, está na privatizagáo do Estado, em urna espécie de "agáo entre amigos". O Estado tem de ser forte, representar os anseios da populado e náo pode estar a servido de urna minoría, de interesses personalísticos, e de um pequeño segmento que procura se locupletar à custa do pròprio Estado. Tem de estar a servilo da coletividade, para construir urna sociedade que modernize o país e o pròprio Estado. É necessàrio cobrar impostas daqueles que tém capacidade de pagar, mas resistem e se omitem, para promover políticas públicas e sociais. Enfrentando esses problemas, o equacionamento da Previdència e da pròpria Seguridade Social, a curto, mèdio e longo prazos, possibilitaria a liberado de recursos para o financiamento da prote?áo social. Um traballio da Fundado Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE), de Sáo Paulo, aborda essas questòes com muita propriedade. Portante, a relado entre o Estado e a Previdència precisa ser redefinida, e está acima da pròpria questáo da Previdència. Sem resolvé-la e sem repensar o Estado, náo haverá solugáo para o problema da Previdencia Social. Sobre o financiamento da Previdència, praticamente, existe urna tradigáo mundial de financiá-la com base na folha de salários. O Brasil também adotou esse mecanismo, para custear as políticas previdenciárias. A diferenga básica entre o Brasil e os países da Europa, por exemplo, está no número de cidadáos e de contribuintes. No caso brasileiro, cerca de 50% da populado economicamente ativa náo contribuí para institutos de previdència, ao contràrio dos europeus. Esse quadro, basicamente, deve-se ao atraso no processo de transido demográfica verificado no país, á política de desenvolvimiento excludente, ao processo heterogéneo e concentrado de desenvolvimento capitalista registrado no campo e na cidade, e à migragáo no sentido rural/urbano, que gerou problemas muito sérios, de modo geral. Esse fenómeno pode ser observado, claramente, nos profundos desníveis económicos existentes ñas diversas regióes do país, e no elevado índice de rela?òes informáis de traballio no setor rural, onde apenas 17% dos empregados possuem carteira de trabalho assinada. Além disso, e da diferencia existente entre o Brasil, a América Latina, em geral, e os países da Europa, é preciso salientar ainda a questáo da baixa participado dos salários na renda nacional. No Brasil, os salários participam com 40% na renda nacional, enquanto no Primeiro Mundo essa participado atinge 65%. Há algum tempo, o Instituto Liberal apontava essa situado como um atrativo para investimentos de empresas multinacionais, esquecendo que o 203 fundamental hoje nao é a máo-de-obra barata, mas o poder econòmico e o avanzo da tecnologia. Portante, os baixos salários e o nivel elevadíssimo de rela^òes informáis no trabalho geraram um processo de desenvolvimento de cidadania parcial, onde sáo muitos os excluidos. Dessa forma, criou-se urna sociedade de mal-estar, ao contràrio da Europa, onde se construiu urna sociedade de bem-estar. Em suma, a má distribuid 0 de renda, o baixo grau de formalizad 0 do mercado de trabalho, e as insuficientes taxas de absorto e gerato de emprego no país nào permitem que as políticas essenciais, fundamentadas em contribuidas compulsórias, como a questáo da folha de pagamento, sejam suficientes para garantir a proteto social satisfatória à populato. Existe realmente urna iniqüidade muito grande no financiamento da Previdéncia Social através da folha de salários. No entanto, para reduzir a iniqüidade na vinculato existente da contribuito previdenciária com o beneficio, considerando que um segmento expressivo da populato náo está inserido no mercado formal de trabalho, a Constituito de 1988, realmente, procurou diversificar as fontes de financiamento e as bases de incidència da contribuito social. A origem do custeio com base na folha data do inicio da pròpria Previdéncia, quando as empresas mais importantes eram aquelas com maior número de empregados. Logicamente, isso se modificou com o tempo e, hoje, as mais importantes sao as que apresentam maior avanzo tecnológico. Portante, houve urna alterato desse quadro e o progresso tecnológico determinou a necessidade de diversificato das fontes definanciamento.Isso porque, quando se tem o acesso universal aos beneficios, também deveria prevalecer o custeio igualmente universal, o que efetivamente náo ocorre no país. Apesar de previsto na Constituido, considero o acesso universal aos beneficios previdenciários questionável. Em termos práticos para a Previdéncia e para a Seguridade Social, nada representou a diversificado das bases de financiamento, pois os recursos arrecadados foram insuficientes para atender as despesas e os gastos com a Seguridade. Hoje, a Saúde enfrenta um problema com a perda dos 15% de recursos arrecadados com a folha de salàrio, que eram vinculados e garantidos, enquanto os recursos advindos de lucros e do Finsocial náo eram, pois dependiam de vontade política para serem repassados. Vale ressaltar também que o lucro das empresas é maquiado e está muito abaixo das expectativas. Outro problema é que o Finsocial ainda está sub judice até hoje. Vários especialistas afirmam que o custo excessivo da Previdéncia seria responsável pelo aumento dos gastos públicos, pelo desequilibrio orpamentário, pelo aumento do desemprego e da informalizato. Em outras palavras, culpa-se a Previdéncia por tudo que é ruim. Há exagero nessas afirmares, a maior parte délas advindas dos adeptos do neoliberalismo, para quem a c r í a t o de empregos e a recuperato do ritmo de desenvolvimento econòmico requer o desmantelamento da Seguridade Social e de toda a estrutura do estado previdenciário. Existe, pelo menos, urna intento velada de se juntar ricos e pobres em um mesmo local, para que decidam quais os seguros privados seriam mais convenientes a eles. 204 A crise da Previdéncia nào se deve apenas a sua estrutura, mas principalmente à redugào da base econòmica da qual necessita para seu funcionamento. Portanto, a Previdéncia nào é a causa da crise, nem da recessào, pelo contràrio, é vitima dela. Em termos de financiamento da Previdéncia, com base na folha de salàrio, outra questào em pauta está na regressividade dessa contribuito. As alíquotas incidentes sobre os salários, combinadas com o limite máximo do salàrio de contribuito, seriam altamente regressivas. Mas, náo é só essa contribuito com base na folha que possui um caráter regressivo. A maioria dos demais impostes instituidos no país é indireta. Portanto, sáo regressivos e penalizam muito mais os pobres do que os ricos. Estudos demonstran) que 60% da arrecadato de impostos no Brasil sáo indiretos, regressivos. Entre esses, a contribuito com base na folha das empresas é a menos regressiva. Embora 2/3 das contribui$òes sobre a folha sejam de responsabilidade das empresas e repassadas para bens e servidos, 1/3 é direta, pessoal, dos trabalhadores assalariados. O principio da capacidade contributiva está no Artigo 145 da Constituito Federal e define que os impostos, sempre que possível, teráo caráter pessoal e seráo graduados de acordo com a capacidade económica do contribuinte. Portanto, em urna sociedade como a brasileira, marcada por acentuados desníveis económicos e sociais, e por urna distribuito de renda altamente injusta, a capacidade contributiva para a Previdéncia, ou para quaisquer outros órgáos do Governo, é muito reduzida. A maioria dos trabalhadores brasileiros possui urna pequeña capacidade contributiva, fruto dos salários irrisórios que recebe. Apesar da regressividade dos salários, ainda há necessidade de se manter a contribuito para a Previdéncia com base neles. Embora a lógica indique que a maioria dos trabalhadores deveria ficar isenta da contribuito ou de quaisquer outros impostos, náo é sensato retirar recursos de quem tem urna capacidade limitada de pagamento, para depois o Estado ter a obrigato de retornar e de socorrer, através das despesas, esse mesmo cidadáo. Isso porque, se o Governo arrecada cem e esse valor passa pela máquina estatal, náo retornará cem, noventa ou oitenta. Talvez, o mais racional seja a auséncia da contribuito. Mas, torna-se necessàrio manter a contribuito do trabalhador, ainda que o principio da capacidade econòmica do contribuinte seja arranhado. Isso porque, se a contribuito do trabalhador é eliminada, representaría também a perda da consciéncia com r e l a t o ao pagamento de impostos, e urna ruptura do contrato celebrado entre a sociedade e o Estado, que diz que o trabalhador tem direito a uma renda substitutiva, quando cessa a sua capacidade de traballio. Criar-se-ia, ainda, uma situato de assistencialismo, de paternalismo do Estado, onde cada programa só receberia o que fosse definido nos altos escalòes. Grabas à arrecadato vinculada entre folha de salários e beneficios, ainda é possível manter um padráo razoável da política previdenciária. Outro aspecto lembrado com freqüéncia pelos técnicos do IPEA. principalmente a economista Sandra Almeida, que subsidiou o Relatório Britto, do ano passado, é a questáo do esgotamento das fontes de financiamento da Previdéncia. Segundo o Relatório, a reduto do valor real dos salários, o aumento do desemprego, o emprego informal, a inflato, a evasáo das contribuiQòes sociais seriam responsáveis pelo esgotamento da folha de salários, como fonte de financiamento da Previdéncia. É preciso lembrar que, em urna economia há tanto tempo 205 recessiva corno a brasileira, todas as bases de incidèncias de impostos sào comprimidas e se tornam elásticas, náo é só a folha de pagamento. A relado entre a evolugáo da carga fiscal do país, em termos de PIB, ñas últimas décadas, comprova esse fato. A crise econòmica que afeta a base de incidéncia das contribuigòes sodais é a mesma que atinge a base dos demais impostos. A crise que provoca aumento nas rela?òes informáis de trabalho, e registros de salàrio nas carteiras de trabalho inferiores aos efetivamente praticados, é a mesma recessáo que omite a apresenta?áo de comprovante de pagamento dos servidos prestados. Portanto, a differenza existente entre a informalidade nas rela?òes de trabalho, com a assinatura de carteira em valores inferiores, ou a pròpria nào-assinatura, e outros tipos de sonegad 0 e evasáo, está no fato de que a matèria-prima para urna è a máo-de-obra, enquanto para a outra sáo as mercadorias produzidas por essa mào-de-obra. Um exame rápido da evolugáo das cargas tributárias bruta e líquida também demonstra a crise fiscal do país, nas últimas duas décadas. Em 1970, a carga bruta alcan$ava 26,9%. Em 1980, caiu para 24,66%, em 1985, para 22,03% e, 1988, para apenas 19,75% do PIB. A carga tributària liquida representava 17,01% em 1970, 12,0% em 1980, 9,68% em 1985, e apenas 8,89% em 1988. Portanto, de 1970 a 1988, houve urna queda de cerca de 50% na carga líquida. Isso pode ser explicado pela reducjào da carga tributària bruta e pelo pagamento dos juros das dividas interna e externa, que experimentou um incremento extraordinàrio de 1970 a 1990. E a queda da carga bruta pode ser explicada pela diminuido no ritmo do crescimento econòmico, pelo efeito "transe" na erosáo das bases tributárias, e pela expansáo da economia informal, que gera a evasao fiscal e também a evasáo previdenciária das contribuido sociais. Diante da redudo acentuada da carga tributària, nos últimos anos, era de se esperar um comportamento semelhante na arrecadado da Previdéncia com base na folha de salários, pois um comportamento diferente contrariaría a lógica do sistema capitalista, considerando que também houve urna queda substancial no crescimento das taxas do PIB, nesse período. Portanto, dentro da lógica, se o PIB registrou taxas de crescimento inferiores - em 1970, estava entre 8 e 9%, depois caiu para 2,6, 3% e hoje náo passa de 0,4, 1% - era também esperada urna redugào na participad 0 e o esgotamento da contribuido com base na folha de salários. Um outro tópico está na consisténcia do atual modelo da Previdéncia Social. O elevado nivel de rela?óes informáis de trabalho e de evasáo das contribuidles sociais incidentes sobre as folhas de salários poderia contra-indicar a manutendo desse mecanismo de fonte de financiamento para os programas previdenciários. Porém, estes dois fatores, rela?óes informáis de trabalho e nivel de evasáo de contribuidles, que explicam o esgotamento da folha de salários como base de financiamento da Previdéncia, podem levar a outro tipo de raciocinio. Demonstrariam também a existéncia de um potencial arrecadatório extraordinàrio, para ser explorado junto aos mercados formal e informal de trabalho. A Previdéncia Social náo conhece o seu potencial de arrecadado, apesar de procurar estabelecé-lo já há muito tempo. Portanto, seria necessàrio definir a potencialidade de arrecadado por atividade, com base na folha. Quando ocorresse, por exemplo, urna queda no nivel de emprego em determinada atividade, refletiria em termos de arrecadado para o sistema previdenciário e poderiam ser acionados, ¡mediatamente, a fiscalizado e os dispositivos para combater essa queda. Portanto, os 206 indicadores tèm de ser precisos e o acompanhamento constante do nivel de emprego por atividade. Há um exemplo que ilustra bem essa situagáo. A maior industria téxtil do país, sediada no Rio Grande do Norte, gerava cinco mil empregos diretos e mais do dobro em indiretos. No entanto, a industria fechou. Logicamente, a Previdència devería saber quanto deixaria de arrecadar com o encerramento dessa atividade téxtil, porém, nao dispòe desse dado. Se o programa econòmico do país criará um milháo de empregos, a Previdència teria de saber onde, qual a base salarial e quanto representaría de incremento em sua receita, mas náo sabe. Deveria haver uma atuagáo preventiva, hoje inexistente dentro da Previdència. A relado benefício-contribuinte é extremamente frágil no país. Atualmente, estaría entre 1 beneficio para 2,3 contribuintes, quando a relado ideal seria de 1 para 4. Em alguns estados, como o Rio Grande do Norte, essa relagào é de 1 para 1 e a arrecadado cobre apenas 30% das despesas com beneficios. E isso acontece na maioria dos estados do Nordeste. Efetivamente, prevalece uma transferencia de renda e de receita dos estados mais ricos, com maior potencialidade, para os mais pobres. Essa compensado é necessària e justifica também a idéia de se manter a federado. Dos 64,4 milhòes de pessoas que compòem a populado economicamente ativa, somente 38,5 milhòes contribuem diretamente para o sistema previdenciário, ou 60% dessa populad". Portante, existe um mercado extraordinàrio de 40% a ser explorado. Conforme dados de 1990, a Previdència deixa de arrecadar anualmente, devido às rela§òes informáis e à falta de vínculo empregatício, cerca de 3.6 bilhòes de dólares, só no mercado informal. E, se houver a comparado com os dados da RAIS, da folha de salários de contribuido, que as empresas efetivamente utilizam para contribuir para a Previdència, torna-se possível estimar que o nivel de evasáo, no mercado formal de traballio, atinge cerca de 30%. Isso representa mais de 8 bilhóes de dólares de perda de arrecadado. Esses dados levantados pelo IPEA sáo absolutamente confiáveis. Existe uma potencialidade extraordinària no modelo de financiamento ainda com base na folha de salários. No entanto, alguns estudiosos da área insistem que, mesmo que fosse possível a recuperado de parte dos recursos que se evadem, a mèdio prazo, o reaquecimento do nivel de atividade econòmica, o envelhecimento e o aumento da expectativa de vida da populado inviabilizam a manutendo do atual modelo de financiamento da Previdència. Os dados demográficos de alguns países da Europa e da Argentina, apresentados pela Associado Internacional de Seguridade Social, demonstram que o envelhecimento náo provocaría a falència do sistema, pelo menos a curto e mèdio prazos. Portante, esse modelo ainda é viável. O estudo "A demografia e o financiamento da Seguridade Social", também produzido pela Associado Internacional de Seguridade Social, com dados de 1987, mas atualizados em 1989, mostra a relado da populado de idade avan?ada diante da propordo da populado total. 207 No Brasil, a populado com mais de 65 anos atìngia 4,7%, e a superior a 80 anos apenas 0,6%. Na Argentina, a populado com mais de 65 anos chegava a 8,2%, praticamente o dobro. Talvez, por isso, os argentinos estenderam a aposentadoria por idade para 65 anos para toda a popula$ào. Là nào existe a diferenciad 0 , como no Brasil, do sexo feminino, que se aposenta com 60 anos, para o masculino, que se aposenta com 65 anos. A relado da populado argentina com mais de 80 anos atinge 1,3%, mais do dobro do percentual brasileiro. Nos Estados Unidos, a porcentagem da populado com mais de 65 anos é de 11,6% e a superior a 80 anos de 2,6%. Na Franca, os cidadáos com mais de 65 anos sao 13,1%, totalizando 3,3% da populado. Os franceses tém enfrentado um grande problema com a Previdencia e vém buscando urna soludo já há cerca de cinco anos. Em 1993, está previsto um déficit de 10 bilhóes de dólares. A venda de empresas públicas para financiar esse déficit do sistema previdénciário apresenta-se como urna das alternativas. Pode-se pensar nisso também, no caso brasileiro. Na Suécia, a porcentagem da populado com mais de 65 anos é de 17,6% e acima de 80 anos, 3,9%. Portante, o modelo brasileiro ainda apresenta bastante folga, quando comparado com a maioria dos países europeus e com os vizinhos argentinos. Tomando por base alguns estados realizados na Europa e nos Estados Unidos, torna-se necessària urna adaptado à realidade nacional, o que nem sempre é feito, infelizmente. No Brasil, a relad° demográfica de dependència, a propordo de pessoas com mais de 65 anos em relado às de 15 a 64 anos, é de 7,7%. Na Argentina, atinge 13,13%; na Franca, 19,9%; nos Estados Unidos, 17,5%; e, na Suécia, 27,4%. Portante, existe aínda urna grande folga e prova que a situado brasileira nào é idèntica à dos países europeus, nem à dos americanos ou argentinos. O principal problema nacional está em gerar empregos e redefinir a economia. Urna outra comparado mostra a relado demográfica de dependència das pessoas mais jovens com as de idade avanzada, considerando os anos de 1985, 2000 e 2025. O enfoque recai na propordo da populado menor de 15 anos ou maior de 65, em relado à de 15 a 64 anos. No Japào, em 1985, era de 0,47%; no ano 2000, 0,50%; e, em 2025, 0,62%. Urna situad 0 intermediària é a da Franga. Em 1985, era de 0,51 %; no ano 2000, também 0,51 %; e, em 2025, 0,59%, com um incremento positivo de 0,8%. Na Argentina, em 1985, era de 0,65%; no ano 2000, 0,61 %; e, em 2025, 0,54%, com um incremento negativo de 0,2%, no período de 1985 a 2025. Também nesse caso a situado do Brasil é confortável. Em 1985, era de 0,79%; no ano 2000, 0,59%; e, em 2025, a relado de dependència das pessoas mais jovens e de idade avanzada seria de 0,51%, com um incremento negativo de 0,17%. Esses dados, além das relagoes informáis e formáis de traballio, dáo mais ou menos urna idéia da potencialidade do modelo de Previdéncia Social financiado pela folha de salários e de sua viabilidade e sustentabilidade. Portante, os problemas estruturais de natureza demográfica náo sao tao importantes para o redesenho do modelo de financiamento da Previdéncia. O modelo 208 perverso que precisa ser revisto na Constituido é o económico, pois privilegia um pequeño segmento da sociedade brasileira, em detrimento da maioria. A Franga tem, hoje, praticamente 3 milhóes e 150 mil desempregados. No entanto, os franceses já experimentaram a sociedade do traballio e esse nfvel de desemprego se deve ao avanzo tecnológico. Li a sociedade de trabalho passou, o que efetivamente nao aconteceu no Brasil. Sobre a questáo do financiamento dos beneficios rurais, históricamente, esse fìnanciamento é deficitàrio e a arrecadagào cobre apenas 20% da necessidade de pagamento do beneficio. Prevalece, portanto, urna transferéncia de receita do setor urbano para o rural. Isso ocorre, principalmente, porque a renda da terra é muito baixa, assim como as relagóes informáis, onde apenas 17% dos trabalhadores tèm carteira assinada. Ao se comparar, por exemplo, os dados do IBGE de 1987 e 1989 fica patente a existencia de um indice de evasào altissimo, em termos de fìnanciamento dos programas rurais com base na comercializado dos produtos rurais. Cerca de 70% do potencial de arrecadad 0 com base no produto rural nao ocorrem no país. E há indicios de que a contribuido do empregador rural é ainda muito maior. Existe urna tese de mestrado brilhante que analisa todos os impostos incidentes sobre os produtos rurais, mas sequer cita a contribuido dos empregadores rurais, tal o nivel de evasáo nessa rubrica. Por volta de 1984, a contribuido sobre produtos rurais representava cerca de 5% da arrecadad 0 total da Previdencia. Hoje, representa pouco mais de 1 %. No entanto, em 1986, em estados com vocado para a área rural, como o Paraná, por exemplo, a contribuido do setor rural já representou 15% do total da arrecadado previdenciária. Na Constituid 0 , através da Lei n° 8.112, tentou-se alterar o fìnanciamento do setor rural, estabelecendo urna contribuido com base na folha de salários. Isso quer dizer que o nivel de evasáo, em relado ao potencial, deve ter sido maior ainda do que vinha ocorrendo em termos de contribuido com base na folha. Torna-se necessàrio definir o que fazer com os problemas rurais, ou manter um custeio com bases de seguro social, ou promover a distribuido de renda. É preciso considerar que o setor rural apresenta grandes riscos e, em países como a Franga, é subsidiado e recebe incentivos fiscais. No Brasil, talvez fosse o caso de náo se manter urna relado atuarial entre contribuido e beneficio. Urna visáo puramente economicista recomendaría a reversáo do quadro, em termos de beneficios rurais, pois a Constituido de 1988 elevou de meio para um salário-mínimo os beneficios da área rural. Realmente, náo seria interessante manter essa relado segura, em termos de pagar e receber. Deveria-se pensar em níveis globais, mais ampios, como a concessáo de um beneficio para a área rural, por exemplo, serviría de mecanismo de fixado do homem ao campo e de compensado pela explorado sofrida pela área rural, devido á atuado de inescrupulosos urbanos, incluindo o capital industrial e o financeiro, os banqueiros em geral. Nessa questáo rural, é preciso considerar náo só os aspectos economicistas mas, também, os sociais, pois o campo desempenha urna fundo extraordinària no país. 209 Entre outras alternativas de financiamento, o faturamento está sendo apresentado como a s a l v a f da Previdencia ou das políticas sociais. Realmente, o peso dos encargos sobre a máode-obra é muito elevado, e estaría levando os empresários a mergulhar na economia informal. Alguns empresários tém até prometido, o que náo fariam em condigóes normáis, que aumentaráo o salàrio real dos trabalhadores, se a contribuito com base na folha for substituida pelo faturamento. Basta dizer que a contribuito sobre o faturamento das empresas também é um imposto indireto e incide em cascata sobre o consumidor final. Essa itìcidència é aleatòria, pois a carga depende do número de transares comerciáis ao longo de todo o processo produtivo. Realmente, é possível que a carga efetiva alcance de très a quatro vezes a aliquota nominal. E a aliquota que tem sido apresentada é de 3%. Portante, multiplicada trés ou quatro vezes, a contribuito possível chegaria em torno de 20%. Vale ressaltar também que a contribuíqio sobre faturamento é regressiva. Isso significa que, quanto menor a remunerato do trabalhador, maior a proporto da carga tributària sofrida por ele. E para quem gasta praticamente tudo o que ganha no consumo de produtos e servidos, como ocorre com a maioria dos assalariados, a carga tributària sobre o seu ganho é muito maior do que a daqueles que poupam e investem. Nesse ponto pode estar urna intento velada de desonerar a folha de salários dos encargos sociais, para abrir campo para o avanzo da privatizato da Previdéncia Social. Desonerar a folha de salários da contribuito previdenciária náo implica, necessariamente, formalízate de traballio. Isso náo ocorreu no Chile, porque depende de outras variáveis. Apesar das deficièncias e da regressividade, ainda é necessàrio e viável manter a folha de salários como principal fonte de financiamento da Previdéncia, pois apresenta um potencial extraordinàrio. "A experiéncia tem demonstrado que a folha de salários é uma forma pràtica e relativamente segura de arrecadar os recuros necessários à manutento dos programas previdenciários. Além de dispensar sistemas complexos de contabilidade e, portante, facilitar a fiscalizato, a folha de salários apresenta flutuagòes relativamente menores do que outras potenciáis bases de incidéncia." Essa c i t a t o de Francisco de Oliveira data de 1985 e ainda deve ser mantida. Sem pretender aplicá-la na Constituito, mas para sustentar a manutento da folha de salários como principal fonte de financiamento da Previdéncia, uma outra recomendato seria estimular o recolhimento espontáneo das contribui?òes sociais, incidentes sobre a folha de salários das pequeñas e médias empresas, talvez aplicando um redutor nas contribuigoes realizadas dentro do prazo legai e considerando as implicares jurídicas da medida. Isso tornaría as pequeñas e médias empresas mais dispostas a efetuar o recolhimento das contribuìtjòes e liberaría a fiscalizato do INSS para atuar nas grandes empresas. Seria fundamental promover uma redistribuito de renda e investir na infra-estrutura social, pois os problemas estruturais da Previdéncia náo sáo da instituito, mas do país. A partir do momento em que se investir na Saúde e na Educato, a distribuito da qualificato da máode-obra será mais eqiiitativa e provocará, realmente, um aumento no rendimento do traballio. 210 Com isso, aumentaría a capacidade da sociedade de pagar impostos, hoje muito pequeña, e diminuiría também a evasào das contribuigòes sociais, conseqiientemente. Um bom exemplo é a Franga, onde existe urna preocupado muito grande com o aspecto social. Antes dos franceses cortarem os beneficios, procuram encontrar solugòes para o financiamento e o custeio. No Brasil, a mudanza do papel do Estado na economia brasileira pedería, pode e deve significar o fortalecimento de sua atuagáo na área social. Chegou o momento de se resgatar a divida social que a sociedade tem para com os trabalhadores. Isso nada mais seria do que a devolugáo do empréstimo compulsorio feito no passado, quando foram desviados recursos do sistema previdenciário para criar a infra-estrutura necessària para a acumulad 0 de capital privado. A privatizagáo, a previdéncia pública e a privada, por sua vez, podem conviver em harmonía. A previdéncia pública, básica, seria garantida pelo Estado, no sistema de repartid 0 simples. A privada, complementar, funcionaría no sistema de regime de capitalizad 0 - Existe apenas a necessidade da sociedade civil e do pròprio Governo definirem o teto a ser estabelecido para a previdéncia básica, suficiente para garantir ao aposentado o atendimento de suas necessidades básicas de alimentado, habitado, vestuário e transporte. O cálculo da aposentadoria também precisa ser alterado. Hoje, é feito com base nos últimos 36 meses de contribuido do segurado. Isso náo está atuarialmente correto. E representaría urna folga para a Previdéncia se houvesse urna modificado e o cálculo seguisse o exemplo dos países mais desenvolvidos, que calculam o período de contribuido com base em 15 anos. Para calcular o beneficio, poderiam ser consideradas as melhores contribuigòes desses 15 anos, para evitar a maquiagem e a manipulad0 dos reajustes salaríais e as promogòes ficticias, que geralmente ocorrem para se obter um beneficio maior. Isso beneficiaría também os trabalhadores rejeitados pelo sistema capitalista, antes de completar a idade ou tempo de servigo necessàrio para a aposentadoria, e atendería tanto os aposentados como a pròpria política do Governo. Em termos de revisáo constitucional, é preciso trabalhar muito mais no financiamento do que nos beneficios. Torna-se necessàrio realizar um rearranjo, urna rearrumagáo dos beneficios previdenciários e assistenciais, pois náo existe urna delimitado precisa entre a área de Assisténcia e a de Previdéncia Social. Portanto, a Assisténcia Social e a Saúde, realmente, devem ser financiadas com impostos correntes, enquanto a Previdéncia pode e deve continuar sendo financiada com base na folha de salários. Muito obligado. Adelmar de Miranda Torres (Coordenador) - Gostaria de agradecer a brilhante exposigáo do Professor Mário Alves, e abrir o debate. Adinaldo Luiz Martins - Gostaria de salientar o otimismo do senhor em relagáo á renda nacional ser composta por 40% da massa salarial. Isso até sugere urna comparagáo do que é realmente pago para a Previdéncia e o que deveria ser, considerando o potencial apresentado pelos empresários na declarado da RAIS. Estudos já existentes garantem que essa composido náo passa de 30%, 27%. Contudo, essa é apenas urna consideragáo. 211 Urna outra é um estudo, publicado no jornal "Financial Times", sobre a gestao dos impostas regressivos. Nos países desenvolvidos, a maioria dos impostas sao arrecadados sobre a renda. No Brasil, ocorre exatamente o inverso, sendo prejudicial ás pessoas de menor remunerado. Concordo inteiramente com o senhor, nesse ponto. Gostaria de sua análise sobre a questáo da previdéncia complementar pública, determinada pela Constituido, mas objeto de vários questionamentos. Mário Al ves (Conferencista) - O dado dos 40% de participado da renda dos trabalhadores foi extraído da revista "Conjuntura Económica", do ano passado. Existe um outro estudo que aponta um índice de 33%. Realmente, pode ter diminuido, basta ver a perda do salário real nos últimos anos. Os países do Primeiro Mundo, principalmente, utilizam a arrecadado dos impostas com base na renda pessoal. Urna comparado da participado no pagamento de impostas entre o Brasil e os países da Europa, por exemplo, revelará a existéncia de urna diferenga muito grande. A contribuido de impostas, como a própria Constituido prevé, deveria ser pessoal, em fundo da renda individual, mas, como vários outros dispositivos constitucionais, esse tampouco foi atendido. Sobre a previdéncia complementar pública, defendo um limite, um teto de beneficios, de dez salários-mínimos. O atendimento desse limite seria extraordinário e cobriria, praticamente, 95% da populad 0 do país, restando um mercado de 5% para a previdéncia complementar privada. Alguns países, na verdade, competem em termos de previdéncia complementar. O Estado compete com as instituigóes financeiras, privadas. Mas, seria bastante racional deixar os 5 % de potencialidade do mercado para a iniciativa privada. Existem propostas para se reduzir o teto de beneficios de dez para cinco. Isso revela a intengáo das instituigóes financeiras de atuar nesse setor. Mas, se for estabelecido um teto de dez salários-mínimos para os beneficios, a parte complementar poderia ficar, exclusivamente, com o setor privado, pois com esse teto haveria condigóes de atender ás necessidades básicas da populado, prioridade da Previdéncia. Fernando Beskow - De acordo com suas conclusóes, existe espa?o para a folha de salários continuar sendo a principal base de financiamento da Previdéncia Social. Como o senhor analisa a questáo da Seguridade Social e a eventual discussáo da especializado das fontes dentro da Seguridade, com urna fonte para a Saúde, outra para a Previdéncia e urna terceira para a Assisténcia? A segunda indagado refere-se á discussáo sobre a redu?áo das alíquotas incidentes na folha de salários. A sua considerad 0 final foi de que isso representaría a possibilidade de um avango na privatizado do sistema previdenciário. Por outro lado, existem argumentos enfáticos de que urna redugáo da alíquota de contribuid 0 sobre a folha significaría um aumento no índice 212 de emprego e, talvez, até da pròpria capacidade contributiva dos novos agregados ao processo de emprego. Mário Alves (Conferencista) - Particularmente, defendo a existència de fontes diferentes para financiar a Previdència, a Assistència Social e a Saúde. Atuarialmente, existe um comportamento diferente em termos de despesas de Saúde e de Assistència Social. Também na Previdència o comportamento é diferente, pois se contribuì hoje para usufruir o direito daqui a 25, 30 anos. Portante, prevalece um comportamento diferenciado em termos desse programas, dos servidos e beneficios que oferecem. A pròpria Constituido diz que a previdència é universal, mediante contribuido. A Assistència e a Saúde seriam financiadas, basicamente, por recursos indiretos, por impostes correntes, mais em consonáncia com a definido do que vem a ser Assistència e Saúde. Independentemente da comprovado da contribuido, teoricamente, toda a populado tem direito a receber. Portante, esse beneficio é realmente universal, existe um custeio universal e toda a sociedade contribuí e, por isso, tem direito. A Assistència Social seria financiada por impostes correntes e a Previdència por impostes específicos, considerando as características atuariais diferentes desses programas. Já a redudo de alíquotas da folha de salários, realmente, poderia aumentar o nivel de emprego e de novos agregados. Mas, numa reforma fiscal, com a proposta de aumentar a base de contribuintes, as pessoas sem capacidade e condigòes de contribuir seriam mais penalizadas. No entanto, a redudo das alíquotas nao provocaría, de imediato, um aumento de arrecadado, pois os interesses individuáis, personalísticos, sobrepòem-se aos solidários. Provavelmente, com essa redudo, as empresas utilizarían) esse ganho e canalizariam para o lucro, pois nao estariam dispostas a financiar políticas sociais. Seria necessària urna fiscalizad0 rigorosa. Nào relacionei a questáo da redudo de alíquotas com o avango da privatizado. No entanto, a redudo do patamar do salàrio de contribuido significaría um avango da privatizagáo. Existe um grande interesse das instituigòes financeiras em reduzir o teto de contribuido de dez para cinco. Nesse caso, estaria-se abrindo um mercado para a privatizagáo, mas nào, necessariamente, com a redud° de alíquotas. Essa redugáo nào implica aumento da formalizado das relagòes de traballio, a exemplo do que ocorreu no Chile. O agravante, no caso chileno, é que lá houve um embuste. Na medida que foram reduzidas as alíquotas de contribuigáo para a previdència pública, criou-se urna previdència privada, onde as alíquotas de financiamento das políticas de saúde e de previdència sao muito elevadas. Portante, a redugáo de teto e nào de alíquotas poderia funcionar como abertura ao mercado privado. Hoje, porém, nao se vé grande interesse na privatizado da Previdència, pois os níveis elevados de inflado tém garantido ganhos substanciáis às instituigòes financeiras. Basta lembrar que, pouco antes do inicio do Governo Collor, as instituigòes financeiras participavam com cerca de 16% da renda nacional. No final de 1991, essa participagào caiu para 9%. Naquela época, havia urna reclamado muito grande, urna pressáo muito forte por parte das instituigòes financeiras, que viam no mercado de salários, com o rendimento do traballio, a possibilidade de recuperar a perda de 16 para 9%. Hoje, os últimos dados disponíveis indicarci que a participado 213 dessas instituiçôes na renda nacional está em torno de 14, 15%. Portante, já náo existe tanta pressáo para privatizar a Previdência. Adelmar de Miranda Torres (Coordenador) - Gostaria, também, de fazer algumas observaçôes. Determinados pontos abordados foram bem origináis, como a questáo das transferencias regionais a nivel de Previdência, o cálculo do valor dos beneficios e a Previdência do setor rural. Com relaçâo à forma de cálculo do valor dos beneficios, o senhor observa que deveria ser mudada, considerando os últimos 36 meses, entre outros fatores, pela questáo das fraudes muito comuns nesse período. Promoçôes ficticias, por exemplo, foi urna das situaçôes levantadas. Existem outros fatores que, independentemente de problemas administrativos do INSS e da pròpria Previdência, conduziriam à modificaçâo dessa situaçâo. Nesse sistema atual de cálculo, por exemplo, persistiría urna iniqüidade intrinseca, considerando que os trabalhadores nâo-braçais deveriam se aposentar pelo pico nesses últimos très anos. A tendência é que, num mercado normal de traballio, onde náo prevaleça urna conjuntura tao recessiva como a brasileira, as pessoas que trabalham nesses setores estejam com seus vencimentos no topo, no final de sua vida ativa. O contràrio ocorre com os trabalhadores braçais. A tendência é que eles, na faixa etária média de 30, 40 anos, no máximo, tenham os salários no pico, para cair depois, em decorrènda da perda de capacidade laborativa. Sobre a aposentadoria no setor rural, o senhor considera que o papel do Estado e da sociedade nesse setor, diante dos riscos inerentes à essa atividade, deveria ser melhor revisto. Nesse sentido, uma vez definido esse papel, poderla se concluir se o setor deveria ou náo contribuir para a Previdência. Como o senhor analisa os pedidos políticos implícitos na desvinculaçâo do acesso do beneficio da Previdência ao pagamento de um prèmio, ou seja, a desvinculaçâo disso do seguro? Esse tipo de medida na agricultura náo poderia ser estendida a outros setores? Talvez, no futuro, o pagamento dos beneficios seja táo-somente uma concessáo do tipo assistencialista. No New Deal, um dos grandes pontos foi justamente a vinculaçâo da contribuiçâo aos salários, e a contribuiçâo específica para a Previdência. Isso para que fosse difundida a idéia de seguro, e náo de contribuiçôes assistencialistas de caráter estatal, que poderiam ser modificadas a qualquer tempo, a bel-prazer do Estado. Portante, a pergunta seria sobre os riscos envolvidos na atividade. O que o senhor pensa dos regimes especiáis de previdência, em particular dos servidores públicos civis, e da questáo da contribuiçâo e do pagamento dos beneficios, como se estivessem na ativa? Mário Alves (Conferencista) - Sobre a questáo do cálculo do beneficio deixar de ter por base os 36 últimos meses e passar a considerar um período maior, realmente, existe uma iniqüidade e concordo com suas observaçôes. Minha proposta para alterar o cálculo do período 214 objetiva reduzir essa iniqüidade. No passado ainda era pior, pois as duas últimas contribuiçôes nâo eram corrigidas. Também concordo plenamente com o ponto sobre os trabalhadores braçais. Realmente, sao os grandes prejudicados, pois o pico de sua atividade ocorre em torno dos 40 anos e se aposentam por volta de 60, 65 anos, considerando que a aposentadoria por tempo de serviço é mais difícil para eles, que nâo mantêm um vínculo empregatício com tanta constáncia. Portanto, existe urna tendência natural de que os seus rendimentos, quando perdem a força de trabalho, sejam menores e, conseqüentemente, a aposentadoria também. No caso dos trabalhadores nâo-braçais, que desenvolvem urna atividade mais intelectual, os dados demonstram que o pico de sua produçâo nâo ocorre aos 30, 35 anos, a exemplo dos braçais, mas aos 45, 50 anos. A proposta, portanto, é no sentido de reduzir a iniqüidade provocada pelo cálculo apenas no período menor. Os principáis países desenvolvidos adotam um período maior. Na França, urna das propostas para o equilibrio das contas está em aumentar o período de cálculo da contribuiçâo para a Previdéncia, que passarla dos atuais 15 para 25 anos, incluindo os melhores salários desse período. Nesses países, a adoçâo do período maior serve justamente para evitar a iniqüidade na concessáo do beneficio. Sobre os perigos políticos de se desvincular as contribuiçôes do prèmio, em termos rurais, praticamente, nunca ocorreu essa vinculaçâo entre contribuiçâo e beneficio. Históricamente, jamais existiu, pois o financiamento dos beneficios rurais é feito de forma indireta, com base na comercializaçâo dos produtos do campo. Isso nâo acontece só no Brasil, mas na maioria dos países, principalmente na América Latina, devido à dificuldade de fiscalizaçâo do contribuirne rural. Portanto, até certo ponto, o pagamento de beneficios sempre foi urna espécie de assistencialismo. Com a Constituiçâo de 1988, e depois com a Lei n° 8.212, tentou-se equiparar a situaçâo do trabalhador rural com a do urbano. Mas, nâo foi possível. Criou-se a contribuiçâo com base na folha de salários, porém, ninguém cumpriu. Pouco tempo depois, a Previdéncia teve de rever essa situaçâo e reduziu as alíquotas. Hoje, deve estar em torno de pouco mais de dois por cento, com base na folha. No entanto, tampouco haverá arrecadaçâo, pois o nivel de informalidade é muito grande. Esse perigo sempre existiu, portanto, requer verificaçâo. Um aspecto interessante no fato da Previdéncia ser pública é que nâo se faz a comparaçâo individual do tipo pagou, levou. O cálculo deve ser feito em termos globais, da massa total de arrecadaçâo. Seriam realizados cálculos atuariaís a curto prazo, pois, considerando a situaçâo de inflaçâo muito elevada, torna-se difícil trabalhar em regime de capitalizaçâo. É preciso trabalhar em regime de repartiçâo simples, onde entra a solidariedade do sistema previdenciário público oficial, em que algumas atividades com maior potencial de contribuiçâo financiam outras menos favorecidas. Muitos trabalhadores raciocinan) que, como pagavam sobre dez salários, deveriam se aposentar com os mesmo dez e nâo com seis ou sete. Essa relaçâo nâo existe porque nâo é direta, contribuiçâo-prêmio, contribuiçâo-beneficio, pois è preciso financiar setores como o agrícola. 215 Sobre os regimes e aposentadorias especiáis, existe um exemplo curioso. No Rio Grande do Norte, realizou-se um concurso para 30 professores. Entre os aprovados, 70% eram aposentados, que retornavam à atividade. Isso demonstra que ainda tinham bastante potencial para continuar na ativa. A revisáo das aposentadorias especiáis dever ser feita com muito cuidado, para manter um regime especial para as atividades realmente insalubres e perigosas. Necessariamente, a questáo nào é acabar com a aposentadoria especial. As pessoas que desenvolvem urna atividade mais intelectual tém o pico de trabalho em idade mais avanzada e, para ser compatível com essa situagào, algumas aposentadorias especiáis precisam ser revistas. Há muita celeuma nisso, mas essas aposentadorias nao sao tao representativas em termos de gastos e despesas para a Previdéncia Social. Se determinada categoria, como a dos servidores públicos, por exemplo, tem condigòes de manter urna aposentadoria especial, integral - embora hoje esteja um tanto difícil - nào há nenhum problema nisso, sem adotar urna postura corporativi sta. O aspecto interessante é que o Estado, no decorrer do tempo, realmente, tem se omitido no financiamento da aposentadoria, na parte patronal. Essa questào envolve mais urna disputa política, de grupo de pressáo. Deveria haver urna isonomia dos beneficios, com todas as categorías no mesmo patamar, militares, deputados, senadores, fariam parte dessa isonomia de beneficios. Isso é o que se defende. Até o funcionário público seria aposentado com dez salários e a complementagáo ficaria por conta da previdéncia privada. Nesse ponto, está outra intengáo velada de abrir mercado para as instituigòes financeiras, para o avango da previdéncia privada. Portante, seria muito mais urna questáo política do que técnica. Se querem colocar os funcionários públicos no mesmo nivel dos trabalhadores em geral, todos deveriam ser englobados, inclusive os militares. Raimundo - Por que a Previdéncia náo pode ser pública e parte déla tem de ser privatizada? No passado, comegou propriamente com o particular. Foram criadas as previdéncias, as caixas de aposentadorias e acabaram privatizadas. Quais os beneficios trouxeram as Capemis e outras? No mundo inteiro, é praticamente público. O problema é que náo existe um estudo estatístico, atuarial, que comprove a contribuigáo com determinado valor, ao longo de 10, 15, 20 anos, para que o beneficiàrio receba esse mesmo valor. Qual a sua opiniáo sobre isso? Mário Alves (Conferencista) - Realmente, faltam estudos atuariais para verificar o que se pode pagar no futuro. Sempre que se fala em privatizar a Previdéncia, surge o modelo chileno como algo extraordinàrio, porque, através da privatizagáo da parte de seguros, pelo menos, o desenvolvimento econòmico se tornou viável. Portante, argumenta-se que o carro-chefe do crescimento chileno foi, principalmente, a privatizagáo dos fundos de pensáo. O jornal francés "Le Monde", de 15.12.92, afirma que o PIB do Chile cresceu, em 1992, em torno de 9%. Alguns estudos, no entanto, demonstram que o crescimento chileno foi superior a 9%, inferior apenas, em todo o mundo, á China, cujas exportagòes e investimentos estáo em alta, com um crescimento de 17% e urna inflagáo de 13%, em 1992. 216 Os indicadores chilenos, portanto, sao realmente extraordinários, atribuidos ao modelo de privatizaçâo da previdência, que se está procurando exportar para outros países. Em termos de indicadores, a situaçâo é fantástica. Mas, o pròprio "Le Monde" trazia também um questionamento de um membro do Governo francés que perguntava pela situaçâo dos pobres no Chile. Em 1990, de acordo com os critérios da Organizaçâo Mundial de Saúde, o país tinha cinco milhôes de pobres para urna populaçâo de 13,3 milhôes, o que representa 37% do total de chilenos. Hoje, esse percentual subiu para 40%. Os indicadores económicos sâo extraordinários, mas os sociais náo. A habitaçâo e a saúde estáo tâo ruins como amigamente, quando a previdência chilena era pública. Isso constituí urna prova inconteste de que as leis de mercado nâo sâo suficientes para resolver os problemas sociais. O liberalismo econòmico orienta a produçâo para a demanda efetiva, onde só tem valor o que tem mercado. Portanto, em termos de neoliberalismo, a funçâo social seria produzir tudo que tenha preço rentável, de mercado. Dentro desse raciocinio, logicamente, supóe-se que as prioridades sociais sejam marginalizadas, porque nâo dinamizam a atividade econòmica. Haveria urna concentraçâo em termos de ganhos para a classe dominante e os mais humildes, que formam a base da sociedade, nâo se beneficiariam desse avanço extraordinàrio ocorrido no Chile e passível de ocorrer no Brasil também. Portanto, quando se propòe a privatizaçâo da Previdência, esses grupos estâo raciocinando muito mais em termos de auferir lucros, de abrir espaço para a iniciativa privada. No passado, os recursos arrecadados foram desviados para a iniciativa privada, via Governo. Hoje, pretende-se fazer o mesmo, diretamente com o trabalhador. "A iniciativa privada vé na faléncia da Previdência a possibilidade de amealhar lucro fácil, quando se sabe que proteçâo social, dor, infortùnio nâo sâo consentâneos com lucro. " Essa frase, do fiscal da Previdência do Rio Grande do Sul, Mário Fernandes, é bastante expressiva e ilustrativa, pois urna coisa é trabalhar em termos de lucro, e outra, em termos sociais. Fernando Beskow - O exame das aposentadorias especiáis na revisáo constitucional nâo seria muito pertinente, considerando a sua participaçâo inexpressiva no cómputo das despesas, conforme o senhor observou. Mas, a solidariedade é um principio básico da Previdência. Nâo haveria urna contradiçâo nisso, na medida que, para a Previdência, existem os trabalhadores que contribuíam sobre 20 salários-mínimos e que, ao se aposentar, ou sofreram um processo de achatamento da expectativa de remuneraçâo na aposentadoria ou, por força de leis posteriores, o teto foi rebaixado para dez salários e, portanto, começariam a receber apenas sete salários? Mário Alves (Conferencista) - Quando produzi minha tese de mestrado sobre a questâo da evasâo de contribuiçôes sociais, experimentei urna dificuldade muito grande para tentar separar as questôes funcionáis, de servidor público, da necessidade de elaborar um estudo técnico nâo-tendencioso, que nâo transmitisse a conotaçâo de defesa de urna situaçâo corporativista. É preciso ser o mais neutro possível, para evitar juízos de valor. Ao colocar a solidariedade como principio básico da Previdência, ambos concordamos com isso, você indaga se nâo haveria urna contradiçâo em termos de servidores públicos. Ao defender a necessidade 217 de urna definigào mais política do que técnica, estaría realmente entrando em contradigo. Até pode ser que seja esse o caminho. Fernando Beskow - A colocagào está perfeita, mas a referencia nào é específica aos servidores públicos. Pelo fato das aposentadorias especiáis náo representarem muito, em termos financeiros, para a Previdéncia, náo seria urna forma de náo considerar o principio básico da solidariedade? A solidariedade exige a inclusáo de tudo, caso contràrio, náo se estaría respeitando os direitos, por exemplo, do pessoal que contribuiu sobre 20 salários-mínimos durante quase toda a vida e, em 1989, quando a contribuido foi reduzida para dez salários, passaram a receber sobre esse montante. Essa diferenga toda constituí um contribuido histórica, onde havia um contrato entre o Estado e o individuo, que talvez tenha direito judicial de receber essa diferenga. Mário Alves (Conferencista) - Concordo com suas observagoes. Raimundo - O Estado sempre pretendeu ser paternalista em relado ao servidor público. A Lei n° 1.162, por exemplo, transferiu o pagamento da aposentadoria dos funcionários para a empresas, sem que houvesse contribuido. O servidor sempre contribuiu apenas para a pensáo. Havia o Instituto de Pensáo do Servidor Público (IPASE) para cuidar da pensáo, onde o servidor náo contribuía. Com a leí atual, o Estado persistiu no erro, pois, ao invés de criar urna contribuido para a aposentadoria do servidor, náo manteve o mesmo nivel. Tentaram estabelecer a contribuido em 12%, mas reduziram para 6%, em fundo da Justiga. O Estado aposenta o servidor e continua pagando a pensáo. Isso é um erro, pois a contribuigáo náo é suficiente para cobrir a despesa. Mário Alves (Conferencista) - Concordo plenamente. Basta comparar as alíquotas pagas pelo servidor e as pagas pelo trabalhador comum. Um estudo atuarial poderia demonstrar realmente que a contribuido do servidor estaría muito aquém, principalmente, pelo financiamento que recebe da Uniáo. Mas, se a parte do servidor fosse aumentada para 12%, ao invés de 6%, já se teria um valor razoável. Existe essa distordo entre o financiamento da Previdéncia geral e o do servidor público. Isso é incompatível e precisa ser revisto, realmente. Adelmar de Miranda Torres (Coordenador) - Gostaria de agradecer a exposido do Dr. Mário Alves e a presenga dos senhores. Estáo encerrados os trabalhos. 218 A SEGURIDADE SOCIAL £ A SAÚDE ANDRÉ MEDICI*/ Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Boa tarde. O Dr. André Medici, é economista, Coordenador de Políticas Sociais do IESP/FUNDAP, do Governo do Estado de Sâo Paulo, e Presidente da Associaçâo Brasileira de Economía da Saúde. Embora mais dedicado à Saúde, o Dr. Medici está realizando alguns estudos no ámbito do Convênio CEPAL/MPS, ñas áreas de Financiamento da Seguridade Social e de Previdência Social do Servidor Público. Vamos seguir a tradicional programaçâo do nosso evento. Após a exposiçâo do Dr. Medici, abriremos ao debate e ás perguntas da platéia. André Medici (Conferencista) - Antes de tudo, gostaria de agradecer o convite do Ministério da Previdência Social, e de começar com alguns pontos relacionados a um dos aspectos da Seguridade, que é a saúde, ou seja, como é que a concepçâo de saúde entra na discussáo, na otimizaçâo do problema da seguridade social brasileira. Para entender o que se passa dentro do sistema de saúde, como essa relaçâo se dá, seria intéressante fazermos, ainda que de forma bastante breve e ténue, urna teorizaçâo a respeito de modelos de saúde, dentro de uma concepçâo mais ampia de estratégias de organizaçâo do sistema de proteçâo social. Existem très modelos, très concepçôes e, até mesmo, très histórias relacionadas ao sistema de saúde. A primeira dessas histórias chamaríamos de assistencialismo, que é um modelo de proteçâo social voltado aos segmentos pauperizados da populaçâo, ou seja, aqueles que efetivamente nâo tém condiçôes de manter os seus próprios mecanismos de sustentaçâo de saúde, de provisáo social, e assim por diante. Podemos identificar no assistencialismo, a história clássica do inicio do capitalismo industrial ou, entáo, as chamadas Leis dos Pobres na Inglaterra, as Casas de Saúde e Trabalho, */ Palestra realizada em 08 de junho de 1993. 219 etc., que eram voltadas paia a manutengáo de mecanismos de proteggo social para segmentos pauperízados da populagáo. Até 1870, o modelo clàssico de organizado da protegió social foi esse, o assistencialista, que se permanece sempre como modelo residual, onde a questáo da assisténcia continua sendo residual, até mesmo na saúde. Haja visto que vários países, como o caso do México, por exemplo, utilizam estratégias assistenciais dentro das suas políticas de saúde. A segunda história de proteggo social, chamaría de previdencialismo. Trata-se de urna história ligada à origem, ao desenvolvimento da classe trabalhadora. Os mecanismos previdencialistas baseiam-se num contrato de protegáo ligado aos trabalhadores e às suas familias. Esse contrato de proteggo, inclusive na saúde, teve seu desenvolvimento a partir da iniciativa dos próprios trabalhadores, a partir da combinagáo dos interesses destes e de empresas e, a partir da combinagao dos interesses de trabalhadores, empresas e do pròprio Estado. Foi nesse caso que se deu o modelo clàssico da Alemanha, desenvolvido a partir de Bismarck. Era o modelo tripartite de organizagao da protegió social e dos sistemas de saúde, os quais nascerti no interior dessa protegáo social. Esse modelo previdencialista vigorou na primeira metade do Século XX, e estendeu-se nos países desenvolvidos até a Primeira Guerra, como principal modelo de organizagáo da forma de protegáo social e de atengáo á saúde. Podemos dizer, também, que, no caso dos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil e da Argentina, até os anos setenta, esse foi o modelo hegemònico, vigente até os anos 80. O problema é que, no caso dos países centráis, esse modelo previdencialista deixa de ser importante, a partir do momento em que nasce urna outra história, uma outra concepgáo, que é o terceiro modelo de protegáo social: o universalista. O modelo universalista nasce a partir do momento em que se identifica trabalhador como cidadáo, onde o Estatuto do Traballio passa a abranger toda a sociedade, os lagos de regulagáo formal estendem-se a toda a sociedade e, portanto, a relagáo entre trabalhador e cidadáo passa a ser uma só. O conceito de saúde sobre universalismo está baseado na protegáo, náo mais apenas ao trabalhador e à sua familia, mas a toda a populagào, dentro de determinado marco, onde se tem a universalizagáo das políticas sociais, e um conceito de cidadania. Esse foi o conceito que veio do pós-guerra até a atualidade e que, nos anos 70, entrou em crise, em fungáo de uma sèrie de problemas relacionados à transigào desse tipo de forma de regulagáo social atual, para um outro tipo, mais marcado pelo que se pode chamar de flexibilidade. Vamos falar um pouco sobre o que está acontecendo em termos da crise do universalismo nos países centráis, e porque eia está tendo as mais diversas solugòes, todas voltadas para a questáo específica da flexibilidade. Em primeiro lugar, a universalizagáo das políticas sociais é um atributo que se dà quando há a igualagáo entre trabalhadores e cidadáos. Isso tem um efeito fiscal bastante poderoso, porque, quando nos países centráis, se fala que trabalhadores sáo iguais a cidadáos, significa que todos contribuem ao fisco - essa é a primeira relagáo existente. Náo existe uma separagáo muito 220 grande entre trabalhadores formais, e os informais sao residuais. De forma que sâo cidadâos também porque contribuem, nâo só porque têm direi tos. No caso dos países em desenvolvimento, essa questâo é complicada, haja visto que os trabalhadores formais representam urna parcela da populaçâo ainda considerada pequeña. No caso do Brasil, quantos sâo? Quai é a percentagem da PEA que contribuí para a Previdência Social? Cerca de 50%. Metade dos trabalhadores nâo contribuì para a Previdência. Sob o ponto de vista do pagamento de impostos diretos, a sua parcela em urna economia como a brasileira representa é muito pouco representativa no total da carga tributària do país. No caso específico, a questâo do universalismo está ligada ao estatuto da cidadania, seja em termos de direito, seja de deveres. A crise do universalismo se dà basicamente nos anos 70, em funçâo de urna série de questdes. Em primeiro lugar, a questâo específica da crise fiscal, ou seja, os mecanismos de acumulaçâo no inicio dos anos 70 se esgotaram, em funçâo de crises de matérias-primas, de insumos e, basicamente, em funçâo do acúmulo muito grande de capital em determinados processos produtivos, já considerados ultrapassados. Esse processo foi gerando uma deterioraçâo das relaçôes económicas no interior desses países, de forma que o mecanimo de manutençâo da universalidade, significando basicamente os atributos de saúde, de seguro-desemprego, de seguro social no seu sentido mais ampio, começaram a representar parcelas cada vez maiores no total dos encargos da sociedade. As familias tinham que sofrer constantes pressóes no sentido do aumento de sua carga tributària, a firn de fazer face a esses encargos. E foi por causa disso que se iniciou, nâo só uma mudança no aspecto politico desses países - os partidos conservadores começaram a ganhar as eleiçôes -, como, também, mudanças nas relaçôes que se colocam no ámbito das próprias relaçôes de traballio. Ou seja, as novas relaçôes de trabalho passaram a ser baseadas num clima onde a questâo da flexibilidade era uma das tónicas específicas. O que significa esse clima voltado especificamente para as questôes de flexibilidade? Implica em determinadas relaçôes, como a informalizaçâo e a terceirizaçâo, ou seja, na contrataçâo de terceiros dentro do aspecto do trabalho. A regionalizaçâo, isto é, a transferencia de industrias para regiôes onde é menor a organizaçâo de poder sindical, passou a representar formas específicas de fugir da rigidez dos padrôes "fordistas" da relaçâo de trabalho. Ao mesmo tempo, o que se pode dizer a partir dai é que, também o Estado, começou a tentar flexibilizar algumas relaçôes referentes ao gasto específico da crise. Sob este ponto de vista, a saúde foi um dos elementos que teve uma das maiores regulaçôes. Por que? Porque os custos com saúde tiveram um crescimento muito grande nessa fase áurea do universalismo, provocado por pelo menos très fatores. O primeiro seria a pròpria expansáo horizontal e vertical de cobertura do sistema de saúde. Os sistemas de saúde nâo só passaram a cobrir a totalidade da populaçâo, bem como novos aspectos relacionados à saude. Assim, a pensâo odontológica passou a ser um atributo de cidadania, depois, a pensâo psiquiátrica, e a fisioterapia, provocando um crescimento cada vez maior da cobertura pelo sistema de saúde. Esse é um dos fatores que fez com que houvesse uma pressâo de custos. 221 O segundo fator foi a questào da mudanga no aspecto da estrutura etária da populagáo. Comegou a haver o que se pode chamar de envelhecimento populacional, provocando a elevagáo do custo do sistema de saúde. Em um estudo recente feito num hospital, na clientela de abrangéncia da USIMINAS, é impressionante a atengáo médica para a populagáo de 60 anos, que custa 2,6 vezes mais do que a atengáo médica para a populagáo entre 15 e 60 anos. Logicamente, dentro desse processo, quanto maior a parcela de terceira idade no aspecto da populagáo, maior vai ser o custo específico da atengáo médica. E esse é um fator que os países europeus, específicamente no processo avangado de envelhecimento da populagáo, comegaram a sofrer dentro do seu sistema de saúde. A rápida mudanga no perfil da fecundidade no Brasil, quer dizer, a rápida queda da fecundidade e o envelhecimento da populagáo que se coloca no horizonte dos próximos trinta anos váo fazer com que a questáo dos custos com saúde, no Brasil, tenha um comportamento similar ao que ocorreu nos países europeus, nos últimos trinta anos. O terceiro elemento que faz com que haja urna pressáo ascendente dos custos é a questáo da tecnologia. O processo tecnológico em saúde é bastante distinto do processo tecnológico que ocorre ordinariamente na industria, onde a tecnologia é sempre colocada como alternativa á substituigáo de máo-de-obra, ou seja, existe praticamente um trade off entre capital e traballio, de forma que se possa substituir traballio pela intensificagáo do uso de capital. Logicamente, isso traz efeitos no sentido de compensar e baratear os produtos. A intensificagáo tecnológica na indùstria tem sido sempre associada ao barateamento dos custos dos produtos. Acontece o mesmo na saúde? Eu diría que náo. O que acontece na saúde é justamente o contràrio, principalmente porque os processos tecnológicos na saúde sáo muito mais voltados à aplicagáo em meios de diagnósticos e de terapia, do que em meios que venham a baratear o processo interno de tratamento. A criagáo de novos equipamentos de imagem, com novas tecnologías em saúde, propicia até mesmo urna melhoria da qualidade de diagnóstico, mas náo traz urna redugáo dos custos, porque eia cria novos profissionais. Entáo, a tecnologia em saúde é um fator de encarecimiento da atengáo médica, e náo um fator de barateamento. A esses trés fatores, que sáo estruturais e levam ao aumento dos custos com saúde, deve-se somar um quarto, que é o elemento conjuntural. A crise dos anos 70, como qualquer crise, trouxe um aumento, seja por fatores psicológicos, seja por fatores sociais, do grau de utilizagáo dos servigos de saúde. De forma que muitos dos países que tiveram um forte crescimento do grau de utilizagáo dos servigos, ao longo dos anos 70, comegaram a pensar em medidas racionalizadoras. Dentro dessas medidas racionalizadoras, há aquelas que váo desde a cobranga de taxas de servigos, até a utilizagáo de tetos de limitagáo de uso de consultas, exames médicos, e assim por diante. Tais medidas, de certo modo, fizeram com que houvesse urna frenagem dos custos com saúde. Mesmo assim, quando se observa a tendéncia histórica dos gastos com saúde nos países centráis, entre as décadas de 70 e 80, verifica-se que estes continuaram crescendo. Ou seja, pode ter mudado a intensidade do crescimento, que se manteve. 222 Que soluçôes foram adotadas no contexto mundial? Estou falando bastante do contexto mundial, para depois descernios ao caso específico do Brasil, porque temos que nos situar um pouco no contexto destas transformaçôes, dado que elas influenciam, em grande parte, as tendências que podem ser seguidas internamente. No caso das soluçôes, no caminho da flexibilidade, o que se pode dizer é que algumas apontaram para questôes básicas como, por exemplo, nos Estados Unidos, onde as soluçôes adotadas nos anos 80 foram cortes nos programas, associados à privatizaçâo e ao controle central do pagamento, através de estratégias como Diagnosis Related Groups (DRGs) e outras formas de controle de pagamentos de recursos. Na França, a soluçâo básica foi dotar os serviços de saúde de maior autonomía de gestáo. Começaram a ser implantados os chamados contratos de serviços, que é urna forma específica de contrato de gestâo, voltada para estabelecimentos de serviços de saúde, onde se estabelece a autonomía, de modo a que cada serviço de saúde possa utilizar seus even tuai s ganhos, decorrentes da reduçâo de custos, como forma de aumentar a produtividade e garantir a sua especificidade dentro de urna administraçâo flexível. No caso da Inglaterra, a soluçâo passa a ser o controle da comunidade, ou seja, cada vez se coloca mais a comunidade como elemento de controle dos serviços de saúde, através de suas preferencias. O controle da comunidade permitiu fazer com que houvesse urna orientaçâo da oferta dos serviços em funçâo da demanda pudessem ser reestruturados ou até mesmo fechados. Quer dizer, o fechamento dos estabelecimentos públicos passa a ser urna açâo específica que está dentro do contexto e do horizonte da reforma da saúde na Inglaterra. No caso do Canadá, há os sistemas que crescem a partir de très carnadas: há um componente básico, que é universal, mas bastante básico, a nivel das condiçôes mais ajustadas de assisténcia; o sistema complementar, que é oferecido ao nivel regional, isto é, cada regiáo tem seu próprio sistema complementar, que completa algumas dessas açôes; e, por fim, há os sistemas privados, complementares mas de caráter optativo. Esses très sistemas seriam a soluçâo que o Canadá adotou desde os anos 70, como forma de se ter um ajuste no caminho da flexibilidade. Vamos falar um pouco sobre as conseqüéncias de cada um desses sistemas. Quando se pensa no caso específico dos Estados Unidos, pode-se dizer que a experiência nâo foi das mais felizes. Os dados mais recentes que tenho, que sáo de 92, mostram que os Estados Unidos gastaram, cerca de novecentos e trinta bilhôes de dólares com serviços de saúde, algo equivalente a 18% do PIB americano. Entâo, o crescimento dos gastos com saúde é algo estúpido dentro desse sistema. Desses novecentos e trinta bilhóes de dólares - só para se ter urna idéia, em 1990 o dado era em torno de setecentos e vinte bilhôes -, pode-se dizer que 1% da populaçâo concentrava 29% desse gasto, e que trinta e sete milhóes de pessoas, principalmente ilegais, estavam totalmente desassistidas. Portanto, um modelo baseado numa intensidade muito grande do gasto, como no caso do americano, nâo tinha as soluçôes de eqüidade que seriam ajustadas a urna sociedade como um padráo americano. A conseqüéncia mais óbvia desse processo foi justamente o fato de que Bill Clinton elegeu-se, entre outras promessas, em cima de urna proposta de reformulaçâo do sistema 223 de saúde: urna proposta atualmente em curso, na qual grande parte se move no sentido da adogáo de um modelo parecido com o canadense. No caso específico da Franga, a idéia de servigos de contrato de gestáo permite um maior ajuste em termos de autonomia. De forma que as solugdes encontradas foram, em alguns casos, bastante criàtivas. Por exemplo, servigos de saúde situados em regiSes de grande intensidade de trabalho, normalmente abriam no horário do expediente, quando havia menor demanda, já que as pessoas estavam trabalhando. A solugáo encontrada foi mudar os horários de funcionamento dos servigos de saúde. Comegaram a concentrar-se antes da entrada no expediente normal, durante o almogo, e depois do expediente. Enfim, o uso de turnos alternados, e outras solugoes desse tipo, permitiram que houvesse um ajuste na taxa de utilizagào do servigo de saúde, com urna melhoria na cobertura e na qualidade. Na Inglaterra, o controle da comunidade foi, em parte, urna solugáo para ajustar também os custos de servigo de saúde. No entanto, o que se pode dizer é que a distribuigáo da consciència de uma determinada comunidade é táo eqüitativa quanto a distribuigáo da renda, ou seja, eia tem um perfil muito parecido com a distribuigáo da renda. E náo se pode pensar que solugoes mágicas de controle social teriam, por assim dizer, resultados táo vantajosos como se poderia esperar, porque, na verdade, elas váo refletir um nivel, o estado de consciència de cada comunidade. No Canadá, esse sistema de très carnadas tem um custo relativamente baixo. Parece que o sistema como um todo absorve recursos em torno de 7 a 8% do PIB de acesso, e ele garante um grau ao servigo de eqüidade bastante alto. Essa solugáo tem sido considerada por muitos especialistas como adequada. De qualquer forma, o que se pode dizer em termos de dissolugSes globais é que nenhuma dessas solugoes trouxe grandes redugòes na tendència á elevagáo dos custos de saúde. Essa tendència é mundial, tanto que existe um processo que todo mundo reconhece, que é a chamada inflagáo médica. A inflagáo médica, a inflagáo da saúde, náo é um simples fenòmeno conjuntural, mas um fenòmeno existente há mais de dez anos, que é constatado também nos Estados Unidos onde, por exemplo, o índice de pregos relacionados aos servigos de saúde sobe pelo menos quinze pontos percentuais a mais do que o índice de prego oficial. No Brasil, a Federagáo de Hospitais do Rio Grande do Sul, que calcula um índice de inflagáo hospitalar, também fornece um dado bastante gritante. Se pensarmos em relagáo a 1992, a variagáo da inflagáo médica foi em torno de 1.260, enquanto a medida pelo IPC foi de 1.130%. Temos pelo menos cem pontos percentuais acima da inflagáo normal, o que mostra claramente que é um fenómeno real também no Brasil. Dadas essas consideragóes globais, gostaria de falar um pouco sobre o caso do Brasil. Quando se pensa nesses très modelos de evolugáo dos sistemas de protegáo social e, basicamente, do sistema de saúde, e se tenta visualizar esses conceitos na realidade brasileira, 224 a primeira questào que se vé é que o Brasil teve um desenvolvimiento incipiente, na verdade, dos très modelos. O modelo assistencialista brasileiro nunca foi efetivo, a nao ser em algumas capitais, em algumas metrópoles. E, mesmo assim, nao foi um assistencialismo calcado efetivamente no Governo, na iniciativa pública. Pode-se dizer que os movimentos filantrópicos, a Igreja, tiveram papel muito importante nessa estratégia assistencialista no campo da saúde, no Brasil, principalmente através das Santas Casas, que, sob o ponto de vista do final do Século XIX, inicio do Século XX, prestavam a maior parte de assisténcia médica à populagáo de baixa renda. Nosso previdencialismo nasce em 1923, no mesmo momento em que estáo nascendo os sistemas previdencialistas de outros contextos latino-americanos. Tal vez o Brasil até venha a ser um País tardío em relagáo à América Latina, quando se observa sob a ótica da legislagáo argentina, que, no inicio do século, já tinha a sua primeira legislado previdencialista, o mesmo acontecendo com o Chile e os outros países. O previdencialismo brasileiro nasce primeiro com as caixas de aposentadorias e pensóes, e com a assisténcia médica associada a essas caixas vai-se diversificando. Ao mesmo tempo, desde a criagáo dos Institutos de Aposentadorias e Pensóes (IAPs) e, depois, com a unificagáo dos institutos no INPS, em 1967, ele se cristaliza em duas vertentes: urna de assisténcia médica, que é basicamente essa vertente previdencialista; e urna vertente de saúde pública, que é aquela representada pelas agóes do Ministério da Saúde, que cuidava do combate às grandes endemias e da manutengáo de determinados servigos estratégicos em campos como a psiquiatría, a dermatologia sanitària, a tisiologia, e outros. O que se pode dizer, em linhas gerais, é que esse tipo de concepgào também foi marcado, no caso Brasil, pelo fato de o nosso previdencialismo teT sido incompleto. A natureza incompleta desse previdencialismo dava-se justamente por se ter um mercado formal de traballio, com pequeñas dimensóes, frente ao que efetivamente existía no previdencialismo dos países desenvolvidos. Esse previdencialismo cresceu na base de urna populagào trabalhadora que, na década de 60, nào chegava a 30, 40% do total de trabalhadores existentes no País. E, em contradigào a essa precariedade, pelo menos no que diz respeito ao servigo de saúde, comegou-se a pensar, já nos anos 70, numa tendència progressiva à universalizagáo dos servigos, através de diversas iniciativas. O programa de pronta-agáo, por exemplo, foi uma dessas iniciativas, no sentido de estender ou unlversalizar o acesso ao servigo de urgéncia ñas grandes metrópoles. O FUNRURAL foi outra tentativa de estender, no campo da assisténcia médica, a cobertura para a populagáo rural, independentemente de um vínculo prèvio de contribuigáo. Os investimientos que passaram a ser feitos no Programa de Interiorizagáo das Agóes de Saúde (PIAS), na passagem da década de 70 para a de 80, com a implantagáo de postos de saúde, principalmente no Nordeste e em algumas regióes do Sudeste, tiveram um impacto bastante grande no sentido de estender o dominio das unidades da federagáo sobre assisténcia ambulatorial. O grande problema desses programas foi que náo se levou em consideragào o fato de que o custeio anual de um hospital, de um posto de saúde, é equivalente ao investimento nesse mesmo posto de saúde. E, assim, grande parte dos investimentos feitos pelos PIASs, no inicio da década de 80, foi praticamente jogado pela janela, porque boa parte dos recursos náo 225 foi efetivamente absorvida. No caso da rede PIAS, por exemplo, somente em 1986, aliás, mais recentemente, quando Waldir Pires foi Governador da Bahia, é que foram retomados os serviços de saúde construidos pelos PIASs, que há oito anos estavam totalmente parados. Do ponto de vista do assistencialismo e do previdencialismo, tivemos um modelo incompleto, já que o nosso sistema nasceu um pouco sob a égide do sistema alemáo de previdéncia social. Recentemente, com a universalizaçâo prevista na Constituiçâo, ele tentou ser um sistema de proteçâo social parecido com o inglés. No entanto, dado que a universalizaçâo da assistência à saúde é ainda urna utopia, ou seja, nâo se tem urna efetiva universalizaçâo, esse nosso sistema de saúde é cada vez mais um sistema americano. Pode-se dizer porqué existe urna tendencia àquilo que se pode chamar de urna americanizaçâo perversa do nosso sistema de saúde. No Brasil, até a passagem dos anos 70, existia urna atençâo à saúde, voltada para a classe trabalhadora, que era considerada de boa qualidade pelas empresas. A passagem progressiva dessa atençâo médica para urna atençâo universal, através de diversos programas implantados nos anos 80, como Programas de Açôes Integradas de Saúde, posteriormente o SUDS e, recentemente, o SUS, fez com que boa parte do esforço da atençâo médica estivesse voltado para a cobertura da populaçâo de mais baixa renda. Houve urna migraçâo progressiva das empresas e da classe trabalhadora formal para os serviços de assistência médica supletiva das empresas. Esse processo de migraçâo progressiva foi fazendo com que, cada vez mais, o sistema de saúde deixasse de ter urna clientela ativa para a cobrança da qualidade de assistência médica. A salda da classe trabalhadora e da classe média do sistema de saúde foi um dos elementos que fez com que houvesse a perda de capacidade de criticar os rumos que o sistema estava seguindo em termos de qualidade. O que aconteceu com os trabalhadores formais? Eles passaram a ingrassar nos chamados mecanismos de medicina supletiva que, segundo os dados mais recentes, cobrem 32 milhôes de pessoas, uma parcela expressiva do setor formal do mercado de traballio, que representa 1/3 do orçamento do INAMPS. Esses serviços de medicina supletiva têm uma melhor qualidade? Têm um volume de gasto adequado? Pode-se dizer que nâo, que sâo muito heterogéneos, mas, no entanto, atendem a determinadas necessidades desses segmentos, no que diz respeito à prontidâo do atendimiento e à qualidade. Nâo existe o problema da fila, de demora, de espera, bem como apresentam uma série de atributos que sâo importantes do ponto de vista das empresas, para manter a regularidade da força de traballio. Em termos específicos, pode-se dizer, portanto, que uma série de fatores está associada à questâo da queda da qualidade dos serviços de saúde nos anos 80. O primeiro deles diz respeito à questâo do pròprio gasto com serviços de saúde, nos anos 80, o quai teve, na primeira metade daquela década, uma reduçâo considerável. Na crise de 82 a 83, gastava-se 30% menos do que no final dos anos 70, e isso, certamente, abalou o sistema de saúde; depois, houve um crescimento bastante considerável de recursos, de forma que, entre 85 e 88, o setor de saúde recebeu a maior parcela de recursos federáis de toda a sua história. 226 De 1989 em diante, comegou a haver um progressivo processo de redugào desses recursos. Só para se ter urna idéia, em 89 gastava-se 12 bilhòes de dólares com servidos federáis de saúde. Em 1992, esse gasto caiu para 8 bilhòes de dólares, ou seja, caiu 1/3. O ornamento para 1993 prevé um gasto da ordem de 7 bilhòes de dólares. Entào, houve urna redugào bastante grande nos últimos anos, também dos gastos federáis com servidos de saúde. A segunda questáo diz respeito à composito das fontes. À medida que os gastos com saúde passaram a ser objeto de urna política universalista, ou seja, a partir de 88, quando a Constituido passou a defender a unlversalizad0 do sistema de saúde, era natural que se pensasse em fontes de ñnanciamento, derivadas de rendas geraís da populado, e nao mais fontes específicas da Seguridade. No entanto, o que aconteceu ao longo desse período é que se colocou a saúde, a assisténcia e a previdéncia social no conjunto do ornamento da Seguridade Social. Ao assim fazer, a saúde perdeu um pouco a capacidade de manter o seu nivel de efetividade de gasto. Mesmo porque, a pròpria questüo da determinado do caixa da Previdéncia de recursos dificulta a passagem automática para a saúde, fora o fato de que existem fortes resisténcias nos setores sindicáis, a que a contribuido da Previdéncia continue sendo urna fonte de financiamento de política de saúde, que passa a ser urna política universal. Na verdade, à medida que se pensou na questüo específica da universalizado dos servidos de saúde, deveria pensar-se em urna fonte independente da contribuido sobre folha de salários. Essa questüo ainda nào foi colocada na pauta de discussüo, mas certamente deverà ser apontada como urna das reformas que poderáo ser pensadas, no sentido de recuperar a capacidade de gasto, a capacidade de determinad 0 do planejamento dentro do pròprio setor saúde. Outro ponto foi o problema de centralizad 0 do setor saúde. Uma das reformas que efetivamente estava em curso, dentro do processo constituirte, foi a descentralizad 0 de pelo menos trés políticas: a Educado que, em si, já era uma política com forte tendéncia à descentralizado; a Assisténcia Social; e a Saúde. Quando se pensa em descentralizado de uma determinada política social, principalmente uma política social que é centralizada, que era tradicionalmente centralizada, como a {»litica de saúde, tem que se pensár em precondigòes para que ocorra esse processo de descentralizado. Essas precondigóes nào foram suficientemente estudadas, gerando um processo de aumento efetivo da heterogeneidade da atendo médica em diversos setores. Só para se ter uma idéia, quando se fala em processo de descentralizado, uma das exigéncias constitucionais é que os municipios passassem a gastar um determinado percentual dos seus recursos com saúde. A Lei Orgánica da Saúde dizia que esse percentual seria em torno de 10% do ornamento dos Estados e Municipios. Na pràtica, esse recurso nunca foi utilizado como condido para que houvesse um processo de descentralizado. A heterogeneidade passou a ser táo grande, que determinadas esferas locáis, como alguns municipios do Paraná, por exemplo, estavam gastando 25% do seu ornamento com Saúde e, com isso, poderiam até montar um sistema público de atendo odontológica decente para toda a populado. Outros municipios sequer tinham condigóes de gastar adequadamente os recursos recebidos do Ministério da Saúde. Essa discrepancia, 227 verificada a partir de urna análise da distribuido municipal do gasto com Saúde, mostra situagòes que variam de 30 a 250 dólares per capita. Determinados municipios do Brasil gastam menos que a mèdia nacional, que è em torno de 90 dólares per capita com Saúde. Essa heterogeneidade tende a se agravar, na medida que o processo de municipalizagào nào for balizado por normas e critérios, que garantam urna maior eqüidade na distribuito de recursos. Ou seja, toda regionalizato, toda descentralizado, como foi feita nos paises centráis, ocorreu em contextos onde a eqüidade já era prèvia. No Brasil, o fato de essa eqüidade nào ser prèvia, pode fazer com que avance ainda mais a tendència à heterogeneidade. A outra questào diz respeito ao problema das formas de remunerato e aos critérios de repasse dos recursos. Essa questáo tem gerado inúmeras polémicas. Quais sào os critérios que vào ser utilizados para se repassar recursos do Governo Federai para os Estados e Municipios no que diz respeito ao financiamento da saúde? Tem-se falado no critèrio mais clàssico, que è 0 da populato. Ou seja, em geral, a prìmeira coisa que vem à cabega de quem planeja urna politica de descentralízate é o fato de que se tem que descentralizar de acordo com o tamanho da populato. Esse é o critèrio básico do Fundo de Participato dos Estados, do Fundo de Partícipato dos Municipios. Pensa-se também, embora seja um cálculo mais difícil, mesmo por escassez de dados, em se fazer algo inversamente proporcional à magnitude da renda per capita. Nesse caso, também, chegou-se a pensar nesse tipo de critèrio, para a descentralizagào dofinanciamentoda saúde. Outros critérios também tèm sido pensados, tais como o quadro nosológico da populado, ou seja, a natureza do epidemiológico de cada Municipio, a disponibilidade da rede de servigos de saúde e, até mesmo, questoes como a efiteia alocativa de gasto por parte da adminístrate local. Nesse caso, pensar-se-ia numa relato inversamente proporcional, ou seja, o recurso a ser transferido seria diretamente proporcional à capacidade de gestáo. Urna simulado feita no IPEA, por Solón Viana e Sérgio Piola, mostrou claramente que, quando se utilizam todos esses critérios conjuntamente, tem-se urna relado que é muito parecida com o critèrio populacional. De qualquer forma, a Lei Orgánica de Saúde, promulgada há uns trés anos atrás, colocava que os recursos deveriam ser transferidos para as esferas locáis, 50% de forma automática, segundo a populado, e os outros 50% de acordo com critérios que seriam negociados. Na pràtica, esse processo nào aconteceu. No inicio do Governo Collor, as Portarías 001 e 002 do INAMPS estabeleceram critérios de repasses para os Municipios táo difíceis de serem cumplidos que, na pràtica, o que valeu foi a negociado política. Ou seja, restabeleceu-se o velho sistema no qual o prefeito teria de vir ao Ministro da Saúde para pedir o recurso e, com isso, negociava-se sempre alguma coisa. Essa foi a lógica que prevaleceu durante o Governo Collor no que diz respeito ao repasse de recursos à Saúde. Excluidos os últimos anos, durante a administrado Jatene, onde esse processo foi praticamente brecado, o critèrio político foi 228 basicamente a principal forma de decidir sobre transferència de recursos para os Municipios. E, logicamente, se os recursos .sào transferidos de forma clientelistica, nào existe nenhum critèrio que permita acompanhar a execugáo financeira e orgamentária dos recursos. A descentralizado nào teve a eficácia esperada. E, a isso, somou-se urna sèrie de outros problemas que ocorreram na administrado dos servidos de Saúde naquele período, tais como a exacerbado do corporativismo ñas categorías proftssionais de Saúde, que foi um outro fator que dificultou a negociado de urna solugáo baseada em flexibilidade, para questdes específicas do setor Saúde no Brasil. Para se ter urna idéia, urna das propostas incorporadas na legislado foi a isonomia salarial dos trés níveis de Governo. A isonomia salarial é urna utopia no Brasil, principalmente quando se vè nào só diferenciales específicas das condigdes reais de oferta e demanda dos servigos de Saúde, como, também, se pensa nos diferenciáis de salários entre as diversas categorías profissionais e entre os diversos níveis de Governo. Médicos do INAMPS costumam ganhar salários superiores em trés ou quatro vezes o que se paga em alguns Municipios. E nào existe isonomia salarial possível que dè conta dessas diferengas, haja vista a grande desigualdade que se tem no quadro social do Brasil. Como a isonomia é urna palavra de ordem que nào foi cumprida, reafirma-se a tendéncia dos profissionais da Saúde em exercer multiemprego, de forma crescente, como meio de complementar renda e compor um salàrio mais elevado. Desde os anos 70 que se fala de multiemprego na área de Saúde, mas pesquisas recentes em Sao Paulo mostram que ñas grandes capitais, a mèdia de empregos, por médico, é superior a quatro, sendo que dois empregos públicos de níveis diferentes sào permitidos pela Constituigáo, urna outra garantía que os profissionais de Saúde conseguiram na Constituigáo de 88 e que, certamente, deve ser revisto. Outro problema è a magnitude da rede. Ao longo dos anos 70, mais de 1/3 dos recursos do INAMPS eram repassados para a rede privada, que detinha, e continua detendo, cerca de 80% dos leitos do sistema de Saúde brasileiro. No entanto, ao longo dos anos 80, o movimento progressivo de unlversalizado da assisténcia médica fez com que os estabelecimentos de Saúde públicos, principalmente nos Estados e Municipios, passassemm a ser os principáis beneficiários dos recursos públicos na área de Saúde. Com isso, chega-se ao final dos anos 80, transferindo-se 60% dos recursos do INAMPS para estabelecimentos públicos, e só 40% para estabelecimentos privados. A conseqüéncia desse processo náo teria sido táo dramática, se náo tivesse ocorrido urna progressiva redudo do valor da AIH e dos instrumentos de remuneragáo específica que o INAMPS utiliza. Essa redud 0 progressiva do valor da AIH faz com que seja alimentado aquilo que podemos chamar de pacto de fraude, ou seja, os hospitais, tanto públicos como privados (dado que os hospitais públicos, hoje em dia, recebem um recurso do pròprio INAMPS) declarem urna produdo de servigos que tem valor maior do que efetivamente ocorre. E, com isso, eles recebem o suficiente para sobreviverem frente á defasagem do valor da tabela. Esse pacto de fraude é reconhecido por ambas as partes: contratante e contratados. Quando Roberto Santos era Ministro da Saúde, sentado a urna mesa de discussáo junto com representantes da Federagáo Brasileira dos Hospitais, ao serem estes acusados de fraude no servigo de Saúde, o 229 contador da Federado Brasileira dos Hospitais, com a máxima tranqüilidade possível, respondeu que era a única forma que eles tinham de sobreviver ao aviltamento das tabelas de pagamento do INAMPS. Essa situado ocorreu na frente de um Ministro de Estado, e com consentimento ampio de todas as partes. Na verdade, tal situado existe há muito tempo e náo é mudada. A questáo das fraudes só poderia ser resolvida caso houvesse urna nova ética de relado entre o setor público e o privado, urna ética que utilizasse os servidos do setor privado de acordo com a natureza e condifòes específicas de oferta, e que houvesse, também, do ponto de vista do setor público, a responsabilidade em respeitar determinados valores de pagamentos, os quais deveriam corresponder aos custos efetivos dos servidos. Mas, como falar em custos dos servidos de Saúde, se náo se tem, no caso da economia brasileira, um processo de mensurado dos custos, seja pelo setor público, seja pelo setor privado? A questáo da mensurado dos custos está associada a um processo de mensurado da eficiéncia do servido de Saúde. Náo se tem, hoje em dia, no Brasil, nenhum processo de racionalidade que permita monitorar custos e avaliar a qualidade dos servi?os. Com isso, qualquer tipo de pagamento, qualquer tipo de critèrio de remunerad 0 que se estabelega, é um critèrio que náo tem parámetro. Náo há como negociar valores financeiros, metas e resultados, se náo se tem, minimamente, um acompanhamento da qualidade e dos custos. Quais solu?5es devem ser colocadas no que diz respeito ao reordenamento da política de Saúde? Quais sáo as propostas que estáo sendo colocadas em xeque? Tenho a impressáo de que existe, hoje em dia, o crescimento de um consenso: o ornamento da Seguridade Social náo é a melhor solugáo para o financiamento da Saúde. Discute-se, portanto, a possibilidade, ou de se ter urna fonte pròpria de recursos para a área de Saúde, isto è, de se estabelecer urna contribuido específica para a área de Saúde, ou se estabelecer um critèrio pelo qual a Saúde seja financiada por recursos gerais do Ornamento Fiscal da Uniào. As questòes que se colocam a partir dai sáo complicares derivadas disso. Alguns segmentos acham, por exemplo, que essa contribuido específica para a Saúde deveria ter um caixa pròprio, ou seja, criar um caixa pròprio para a Saúde, com mecanismos de arrecadado, aplicado financeira e transferéncia dos recursos. Essa soludo teria vários inconvenientes, dentre eles o fato de duplicar ou triplicar estruturas que já existem, pois o Governo Federal, no Brasil, tem dois caixas: o da Previdència e o da Receita. Também estar-se-ia gastando recursos com essa máquina administrativa, que poderiam representar valores bastante vultuosos. Além do mais, numa sociedade onde se tem urna consciéncia de que a carga fiscal é elevada - essa é urna questáo que o Deputado José Serra tem abordado com freqüéncia - a criado de mais urna contribuido seria urna coisa insuportável, ainda mais num sistema tributàrio táo esfacelado como o nosso. Essa soludo, portanto, dependería, efetivamente, de urna discussáo mais ampia no contexto de urna reforma tributària. Pensar sobre os recursos da Saúde como oriundos do ornamento geral da Uniáo é urna idéia mais simpática. Em primeiro lugar, porque a Saúde é urna política universal, e o financiamento de urna política universal tem que ser feito com recursos universais. 230 Outros defendem que se existe urna política de descentralizado dos recursos, por que nào descentralizar, também, a arrecadado específica para a Saúde? Assim, outra soludo que está sendo colocada - a criado de urna contribuido específica para a Saúde - deveria ser feita na base da arrecadado dos Estados, ou até mesmo dos Municipios. Essa contribuido seria recolhida diretamente pelos Estados e Municipios que, com esses recursos, financiariam suas próprias políticas de Saúde. O inconveniente que existe nessa soludo é justamente descobrir qual o tipo de base que seria adequada para se criar urna contribuido local à Saúde. Seria a base propriedade? Seria a base faturamento, folha de salários? Enfim, qual o tipo de base? Quando se pensa em base nacional, pensa-se em resultados que sao mais ou menos homogéneos e, da mesma forma, que a Uniáo vai resolver o problema da alocado dos recursos, tentando manter o mínimo de eqüidade. Quando se pensa em urna arrecadado ao nivel local, existem Municipios que tém todas as bases do mundo, ao lado de outros, que nào tém nenhuma base de arrecadado. Como resolver o problema da eqüidade nos Municipios que nao tém nenhuma base de arrecadado? Outro tipo de questáo é, ao invés de urna descentralizado dos recursos, retornar a centralizado na forma de um pagamento per capita. Esse modelo está baseado ñas idéias de um economista americano, chamado Enthoven, que defende a criado de um mecanismo de seguro social no qual cada pessoa recebe um direito de Saúde equivalente a determinado teto, e que essa pessoa utilize esse seu direito para comprar um plano de saúde, seja no setor público, seja no privado, qualquer que seja ele, e que esse plano de saúde tenha urna garantía de atendo universal por parte do Estado. Assim, o Estado garantiría todas as condigóes possíveis de cobertura de servido, caso contràrio, o direito daquela instituido de saúde seria cassado e, ai, a pessoa escolheria o plano que quisesse, o estabelecimento público ou privado que quisesse, tendo direito a mudar de estabelecimento, urna vez por ano, toda vez que aquele nivel de atendimento nào satisfizesse àquele usuàrio. De qualquer forma, todas essas questóes tém de ser pensadas numa reforma constitucional. A curto prazo, nào existem respostas imediatas que possam garantir a soludo de determinados problemas trazidos pela crise financeira que o setor Saúde está enfrentando hoje. Pode-se dizer que o Brasil está com o nivel de gasto de Saúde muito baixo, e que isso tem comprometido a consecugào de um programa de Saúde nos moldes daquele concebido pela Constituido de 1988. Pode-se dizer, também, analisando essa tendéncia de gasto, que o Brasil, com urna renda de 2.500 dólares per capitolano, deveria estar gastando em torno de 6% do PIB com Saúde, e que o gasto público e privado com Saúde, no Brasil, é um pouco menor do que isso, ou seja, situa-se em torno de 4,2%. Haveria necessidade de, pelo menos, aumentar em 1/3 o gasto com Saúde, para que ele tenha, conforme os países que tém o mesmo nivel de renda per capita, um gasto adequado. 231 Fora esse problema, existe a questáo de que o setor Saúde, além de gastar pouco, gasta mal, e o fato de gastar mal com saúde também nos remete a urna sèrie de mudanzas estruturais que tèm de ser feitas. Ou seja, o nosso sistema tem um gerenciamenito inadequado, tem baixa eficiència, e tem carencia de investimentos em equipamentos ou em treinamento de recursos humanos, para que se alcance urna qualidade gerencial adequada. Só para se ter urna idéia, no caso da Franga, por exemplo, toda a transformado que ocorreu no setor público, na área de Saúde, foi precedida e/ou acompanhada por um processo de treinamento em técnicas avangadas, tais como planejamento estratégico, controle de qualidade total, enfim, urna sèrie de instrumentos que permitem alcangar a efetividade dos mecanismos gerenciais. No Brasil, alem de se ter deficiència do ponto de vista de recursos humanos - as equipes de saúde nos nossos hospitais basicamente só tèm dois tipos de profissionais: o médico, numa ponta, e o atendente de enfermagem, sem qualificagáo, na outra, quer dizer, náo temos aquele nivel médico qualificado que caracteriza as equipes de saúde do primeiro mundo -, tem-se urna outra deficiència, que é a dos investimentos, e que mostra, claramente, que nossa rede de Saúde está francamente sucateada. Seriam necessários investimentos em torno de 12% do custeio ao ano para se man ter, pelo menos, a reposigáo do nivel de depreciagáo dos nossos estabelecimentos de Saúde. Os investimentos reais que foram feitos ao longo da década de 80 foram inferiores a 4% do custeio. Isso, em certo sentido, trouxe um sucateamento, uma deterioragáo acelerada da nossa rede hospitalar e ambulatorial, pública e privada. Essas questoes deveriam ser pensadas numa perspectiva de restruturagáo do sistema de Saúde no Brasil. Todas elas passam por um bom equacionamento desse balango entre novas fontes de financiamento, ou fontes mais adequadas de financiamento, e um nivel de descentralizagáo que seria necessàrio para garantir náo só a maior operacionalizagáo dos servigós, nos moldes de flexibilidade, mas garantir, também, uma certa eqüidade nessa prestagá° de servigo a nivel global. Obligado. Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Quero agradecer ao Dr. André Medici pela sua exposigào bastante clara, bastante didática, que, com . certeza, trará luz à discussáo dos assuntos, principalmente às relagóes da Previdència e Saúde, que andam, no momento, conflituosas. Vamos abrir às perguntas à platéia. Ciro Fernandes - A palestra versou muito sobre as questoes de Saúde. Gostaria de um pouco mais de esclarecimento sobre essa experiència de descentralizagáo da prestagáo de servigos de saúde, especialmente no que se refere a um aspecto, que me parece crucial. Ao mesmo tempo em que se descentraliza, o Professor tem observado que náo há uma situagáo de equanimidade no que se refere a padròes de desempenho, cada municipio é urna realidade diferente, além do que, alguns haviam avangado muito mais do que outros na prestagáo de servigos dessa natureza. Sobre esse cenário dispare, coloca-se um sistema que repassa verbas e descentraliza a 232 responsabilidade, pela operacionalìzagào da prestado de saúde. A minha questáo é a seguirne: no que se poderia pensar em termos de algum modelo que mantivesse a descentralizado, mas, de alguma forma, estabelecesse padròes nacionais e unificados de desempenho, um mecanismo, por meio do qual o poder central - a Uniáo, o Ministério da Saúde ou alguma estrutura central conseguisse estabelecer padròes unificados, nacionais, de qualidade, de desempenho, de tipos de servigo a ser prestado, ao mesmo tempo em que prestaría assisténcia técnica e necessària para que os Municipios menos desenvolvidos nessa questáo possam alcangar o que seriam esses padròes mínimos? Na verdade, é possível, ñas condigóes do Brasil, pensar-se em modelos de descentralizado, em modelos dessa natureza. Quer dizer, esse caminho está-se revelando promissor, é um caminho que foi deliberadamente assumido pela Constituido de 1988. E, agora, quando temos de rever esta Constituido, é hora, também, de avaliarmos essa énfase descentralizadora que foi adotada. André Medici (Conferencista) - A sua pergunta envolve dois níveis de questáo. Vou comegar a responder pelo segundo nivel, que é a questáo dos modelos de descentralizado e como eles servem ou nào à realidade brasileira. Eu diría o seguirne: que a questáo da descentralizado é urna soludo que tem sido adotada pelos países desenvolvidos no contexto dessa fase mais recente de flexibilizado. Ou seja, vamos dizer que eia nao é urna resposta "fordista", nào urna resposta ao welfare state, mas urna resposta pós-fordista, que veio a partir do momento em que se chegou à conclusào que a padronizagào de solugòes nào dava os mesmos resultados em distintas regiòes. Esse contexto de descentralizado foi utilizado nos países centráis, para determinadas solugòes que já tinham chegado a um nivel de homogeneidade muito grande. Quer dizer, quando pensamos no caso da Franga, da Inglaterra, da Alemanha, pensamos em países que tém um nivel de eqüidade interna, entre suas regiòes, a qual foi obtida através de modelos centralizados, isto é, esses países tiveram modelos de administrado centralizada que, durante essa fase "fordista", conseguiram fazer com que os padròes das políticas sociais fossem mais ou menos homogéneos entre as diversas regiòes dentro de cada contexto nacional. Por que, entáo, surgiu a descentralizado? Justamente por causa de urna sèrie de problemas derivados desse contexto, ou seja, as estruturas centráis eram caras e paquidérmicas; tinham custos, em termos de impostas, muito altos, e nào apresentavam, no contexto em que estavam, resultados iguais para todas as regiòes. Foi necessàrio descentralizar no sentido de flexibilizar, isto é, no sentido de se ter urna solugào adequada a cada tipo de contexto. Foi assim que surgiu o discurso da descentralizado. O único caso que foge a esse esquema geral é a Itália, porque aquele país sempre teve grandes diferengas regionais. E a descentralizado na Itália veio num contexto onde essas diferengas regionais existiam. Entáo, hoje em dia, tem-se urna avaliado negativa - isso é algo interessante sabermos - da reforma sanitària italiana, que foi muito parecida com a brasileira. A descentralizado fez com que a desigualdade, em termos de acesso aos servigos de saúde, entre Sul e Norte, aumentasse ao invés de reduzir. Quando 233 transferimos para o caso do Brasil, vemos, basicamente, que nosso país está muito mais para a Itália do que para os outros países. Só que repetimos, em certo sentido, urna solugáo descentralizada num contexto de universalizagáo. Há, nesse caso, um aparente paradoxo. Nós queremos o que? Queremos consagrar um compromisso "fordista", que é o compromisso da universalizagáo, mas com uma tática que náo é "fordista", que é a da descentralizado. Esse conflito faz com que se venha a ter muito cuidado para que essa química traga resultados positivos. Vamos ver por que. O Estado, hoje em dia, tem um sèrio problema na questáo de galgar melhor qualidade no servido de saúde. O grande problema que ele tem è o fato de ser cúmplice da assistència médica. Para ele comergar a fiscalizar a atengáo médica do setor privado dos Estados e Municipios, tem que, primeiro, fiscalizar a sua atengáo médica, isto é, tem de dar bom exemplo na atengáo médica do INAMPS, para que possa cobrar uma boa atengáo médica dos servigos que, efetivamente, contrata. Para implantar tal procedimento, o Estado teria que se livrar do INAMPS. A idéia de se extinguir o INAMPS já estava colocada, desde o inicio dos procedimientos para a Constituigáo de 88, porque o Estado tdeve se concentrar em papéis regulamentadores e reguladores. E, para que tenha tais papéis no campo de assisténcia médica, o Estado náo pode ser cúmplice da agáo. Para que se consiga esses padróes de eqüidade, é necessària uma política regional diferenciada, ou seja, tem-se de dar atendimento desigual aos desiguais, porque, senào, náo se consegue eqüidade. O papel que o Estado teria de ter na assistència técnica, na determinagáo do investimento, no estudo de propostas, é tarefa indesejável nesse momento. É a garantía da qualidade e das precondigóes mínimas para o processo de descentralizagáo. Só que, na pràtica, o que está acontecendo é que o processo de descentralizagáo está sendo feito sem nenhum esforgo regulador, regulamentador e homogeneizador das condigóes de investimento. Esse é o grande desafio que temos de enfrentar. Para o Estado comegar a monitorar adequadamente o processo de descentralizagáo, antes, tem de preocupar-se com a questáo da eficiéncia, eficácia, e efetívidade; com os seus instrumentos de gestáo, para que possa conseguir montar um arcabougo institucional e técnico capaz de fazer com que esse processo chegue a algum resultado. Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Bem, respondido. Eu quería avangar um pouco mais. Sei que vocè tem a sua proposta na área da saúde, que náo chegou a explicitála. Gostaria que vocé explicitasse a sua proposta, até porque, se há uma coisa que o caracteriza, é essa farta produgáo académica. Outro tema, que foge um pouco ás discussóes de hoje, mas que diz respeito à área que vocè também analisa e estuda com afinco, é a questáo do financiamento. Vocé tem conhecimento da proposta encaminhada pelo Executivo ao Congresso Nacional, sugerindo a criagáo da contribuigáo sobre o valor adicionado, a CVA, que viria a substituir, náo só algumas contribuigóes, que hoje já financiam a Seguridade Social, basicamente a COFINS e o lucro, como também o PIS/PASEP, cujos recursos estáo vinculados ao programa seguro-desemprego e a programas de desenvolvimento económico do BNDES? Quería que vocé fizesse uma análise dessa proposta e se vocé também entende que, a partir dessa contribuigáo, poderíamos pensar na possibilidade de uma parte ser destinada também ao financiamento da Previdènza Social, com 234 urna redugáo correspondente dos encargos sobre a folha de salários, criando um mecanismo que pelo menos nao desestimule a formalizarlo do mercado de traballio. Quería ouvir de vocé um pouco das duas coisas: da sua proposta para a Saúde, e de como vocé vè essa proposta específica de redesenho do financiamento da Seguridade Social. André Medici (Conferencista) - Vou comegar pelo segundo ponto, que é essa questáo do valor adicionado. Existe, na questáo específica da Seguridade, urna confusáo que é dada pela mistura de fontes únicas para financiar objetivos que tém lógicas distintas. Por exemplo: quando falamos em Previdéncia Social, estamos pensando nos beneficios de prestagáo continuada, em compromissos de longo prazo, em pactos intergeracionais que tém, por resultado, um tipo de lógica de financiamento que deve respeitar, nào a aplicado e lucratividade ¡mediata do curto prazo, mas sim o esforgo de montagem de um funding de recursos que permita, a longo prazo, que se tenha um montante necessàrio para fazer face a esses compromissos. Quando pensamos em Saúde, estamos pensando em outra lógica totalmente distinta. A Saúde tem no seu comportamento de longo prazo, gastos imprevisíveis, que podem acontecer a qualquer momento, e que representam muito mais despesas, que dizem respeito a um custeio de determinados tipos de situagóes, que corresponden) ao quadro nosológico da populagáo, do ue investimentos que tem de ser pensado no sentido de se formar um flinding a longo prazo. i medida que a lógica de Saúde e a de Previdéncia sáo distintas, misturar várias fontes para financiar esses dois programas é muito perigoso. O que teríamos que pensar é como efetuar urna especializado das fontes, mantendo a lógica da unicidade da Seguridade. Ou seja, a idéia nao é romper com a lógica da Seguridade, porque esta corresponde a um conjunto de direitos inalienáveis do cidadào, e que estáo contemplados na Carta Constitucional. O fato de se ter um conjunto de direitos inalienáveis, que corresponden! basicamente a essas medidas, náo significa que se tenha que ter um conjunto de fontes comuns que possam ser intercambiadas no financiamento dessas lógicas. 5 A idéia da especializado das fontes, na verdade, vai responder a urna necessidade da pròpria Seguridade, que é o provimento da fonte certa, para financiar o recurso certo, o compromisso certo. Quando falamos, por exemplo, na criado da contribuido do valor adicionado, temos, inicialmente, que refletir, pois esta contribuido tem características básicas. Valor adicionado incide basicamente sobre todos os produtos que circulam pela sociedade, tornando-se, entáo, urna contribuido genérica, onde todo aquele que compra um determinado produto está contribuindo para essas fonte, seja ele do mercado formal de trabalho, ou nao, tenha ele direito a beneficios previdenciários, ou nao. Referindo-nos à fonte folhade salários, estamos pensando em urna parcela da populado, no caso, urna populado bastante delimitada, num mercado de trabalho formal que contribuí com determinada parcela para a sua aposentadoria, onde há contrapartida do empregador para a mesma aposentadoria, para o mesmo beneficio. Ou seja, essa fonte tem a lógica do longo prazo 235 da Previdencia, no sentido de pensar em beneficios que estáo alocados a longo prazo. Por isso mesmo, eia deve ser preservada para essa fínalidade. A Seguridade nào é só Previdència, pois tem outras atribui?8es, tais como: os beneficios assistenciais, a assisténcia social, em si, a saúde, e o seguro-desemprego. Para essas atribui?5es, poder-se-ia pensar em urna fonte mais ampia, como essa contribuito de valor adicionado, que permitisse, no caso, ser partilhada para o financiamento específico de todos esses direitos, que dizem respeito à sociedade como um todo, e nào somente àqueles que contribuem. É por isso que essa questào da especializado das fontes é importante, do ponto de vista da lógica da montagem de um funding, para problemas diferenciados, embora estejam envoltos pelo mesmo guarda-chuva da protegào social, que é a Seguridade Social no Brasil. A questáo que se coloca hoje é que a discussào sobre urna contribuito de valor adicionado está no bojo da reforma constitucional, aliás, no bojo da reforma tributària a ser discutida no àmbito da reforma constitucional. É um processo que vai demorar pelo menos um ano. Assim como discutir hoje o problema do financiamento dos componentes da Seguridade, numa fase de "vacas magras", onde há urna perspectiva duvidosa, quando nào negativa de crescimento econòmico. Os dados mais recentes mostram que, nesse ano, o país pode crescer de 3 a 4% do PIB, o que é urna perspectiva razoável. A outra questáo é o fato de que o nivel de sonegagào é muito alto na sociedade brasileira; é um nivel de sonegagào que reflete o grau de confianza do Estado. Só para estabelecermos um paralelo, a imprensa divulgou ontem que o Presidente vem com urna popularidade de 21%, o que representa urna de aceitato de 21 %. Certamente, isso se reflete no estado de confianza dos agentes responsáveis pela contribuito fiscal, ou seja, estamos em urna determinada etapa onde a evasáo acompanha o estado de confianza. Eia acompanha, também, a inflato, por ser esta outra forma, nào só de desvalorizar contribuidles, mas de desvalorizar todas as rendas. E desvalorizar desigualmente, porque sempre há os que ganham mais e aqueles que perdem mais com a inflato. Todas essas questòes fazem com que, no curto prazo, existam problemas de financiamento, relacionados a essas fontes. O encaminhamento dessas solugòes certamente está em discussào, na renegociado da questáo do ornamento. Ao longo deste ano de 93, alguns acertos e algumas questòes relacionadas ao ornamento vào ter de ser rediscutidas, para se ter uma soluto de curto prazo para o financiamento dos componentes da Seguridade, dado que as solu?òes estruturais vào ter de ser discutidas no àmbito da reforma constitucional. O segundo ponto que vocè colocou foi a questáo da proposta alternativa do setor Saúde. A idéia básica da nossa proposta - vou aprofundar um pouco e o fato de que, em primeiro lugar, o Estado nào pode ser cúmplice da prestado de servidos, porque ele tem de ter isendo necessària para promover a qualidade e a eqüidade. À medida que náo pode ser cúmplice, o Governo Federal náo deve ser mais o prestador de servido de saúde, podendo repassar essa atribuido para os Estados e Municipios. A forma de organizado dos servidos de saúde, públicos ou privados, nos Estados e Municipios, deve ser, em primeiro lugar, flexível, ou seja, deve estar adequada ao contexto de cada regiáo e, ás vezes, até mesmo de cada bairro, de cada localidade; em segundo lugar, além de flexível, eia deve ser concorrencial. Por exemplo, existem hospitais 236 públicos, no Brasil, que tém urna taxa de utilizado de 20%. Essa taxa de utilizalo nao se dá simplesmente pelo fato de que nao há demanda pelos servigos da saúde, mas porque a qualidade desses servigos é táo ruim que, muitas vezes, desestimula, a pròpria demanda. Nao existe urna demanda real, porque as pessoas cansaram de ser mal-servidas. Eu me lembro que, no caso do Rio de Janeiro, depois de urna greve de seis meses dos estabelecimentos de saúde, quando estes voltaram a funcionar, durante um ou dois meses, quem parecía estar de greve eram os pacientes. As pessoas deixaram de procurar os servigos. A fuga para o setor privado, envolvendo principalmente a classe trabalhadora, tem razáo de ser, pelo fato de que os estabelecimentos privados, para sobreviverem à concorrència, tèm que estar sempre promovendo, em certo sentido, urna melhoria da qualidade. E por que nào estabelecer, também, urna concorrència entre os estabelecimentos públicos, nao só entre si, mas entre estes e o setor privado? A idéia básica è: se o direito à saúde fosse um direito de escolha de cada individuo, ele poderia escolher o servigo que melhor lhe agradasse, podendo optar entre um servigo público ou privado. Mas o público teria de ser concorrencial com o privado. Assim, no processo de descentralizagáo, Estados e Municipios deveriam transformar seus estabelecimentos públicos em fundagòes que dependessem do que arrecadassem com recursos para sobreviver, e nào necessariamente do subsidio do orgamento do Estado. Nesse processo, à medida que elas tivessem de arrecadar, através da captagào da clientela, para sobreviver, elas tornar-se-iam organizagòes concorrenciais e, portante, mais eficientes, de acordo com o processo alocativo dos recursos. E os recursos para a saúde seriam financiados pelo Estado. Ficaria garantida, dessa forma, a manutengáo do processo de universalizagào da atengào médica. Só que quem aloca o recurso público passa a ser o cidadáo. A idéia é que cada individuo teria direito a um plano de saúde integral em todos os níveis, cujo valor mèdio seria repassado à unidade prestadora, através de um contrato de adesáo ao estabelecimento ou à instituigáo. Por exemplo, vamos supor que esse plano custasse 150 dólares por ano; urna familia de quatro componentes, quando se filia a urna instituigáo pública repassa, anualmente, 600 dólares; com esses 600 dólares, por se tratar de um efeito de escala, teráo de dar um plano de saúde que cubra todas as modalidades contratuais porque, caso o individuo faga alguma denùncia, o poder regulador do Estado, de fiscalizagáo, vai ser justamente o de apurar a denùncia feita e, no caso, até fechar o estabelecimento, seja ele público ou privado. A verdade é que esse processo, no atual contexto brasileiro, é urna utopia. Náo pode ser implantado de imediato, embora possar sè-lo progressivamente, com algumas experiéncias locáis. Nos Estados Unidos, a proposta do Presidente Bill Clinton de mudar a natureza dos servigos de saúde passa, em alguns estados, por esse tipo de processo, e, em outros, pelo sistema canadense. Na verdade, esse processo pode permitir a garantía de urna determinada eqüidade, sendo que o individuo deve ser o fiscal direto do sistema, em contraposigáo a um 237 sistema abstrato que nâo tenha fiscalizaçâo, e que os recursos sejam perdidos como água sobre solo de areia. A idéia básica é justamente fazer com que haja urna articulaçâo que permita esse tipo de funcionamento. Nao dá para fazer isso imediatamente, pois é um processo longo, já que o estabelecimento da concorrência também depende de laços sociais de regulaçâo. Trata-se de um processo automático que demanda tempo, e que avança conforme a consciência do cidadâo com relaçào a seus direitos. Ciro Fernandes - Mesmo em termos utópicos, esso modelo se construiría no àmbito municipal, estadual, ou nacional? Quando urna instituiçâo se propôe a oferecer um serviço de saúde em troca da adesáo de segurados que têm direito de alocar um determinado montante de recursos, supôe-se que essa instituiçâo terá de se associar a outras ou ter porte suficiente para oferecer o conjunto completo de serviços? A iéia é que isso se estruture a nivel local, ou que se crie grandes estruturas a nivel nacional? Como você imagina isso? Urna multiplicidade de instituiçôes de pequeño e mèdio porte, isoladas, ou teremos grandes sistemas nacionais disputando esses serviços? Uma outra questáo conexa a essa é que, em gérai, no que se refere à saúde, determinadas atividades, pela sua complexidade ou baixa demanda, ou custo, concentram-se em uma instituiçâo, porque há uma instituiçâo, na regiâo ou no pais, que oferece aquele serviço, pois é altamente específico ter uma baixa demanda. Essa questáo também ficaria equacionada dentro desse modelo, ainda que estejamos pensando em termos ideáis? Como seria esse modelo? Já que o espirito da coisa é introduzir mecanismos de concorrência no funcionamento do sistema, é interessante como idéia. André Medici (Conferencista) - Na verdade, o seu questionamento é bastante pertinente, porque é necessàrio um determinado nivel de complexidade ao se prestar certos serviços de saúde. O que significa que haverá um processo, muitas vezes, de conglomeraçâo de instituiçôes. A nossa proposta inicial, de certo modo, tem relaçào com a piroposta de Enthoven para os Estados Unidos, onde uma instituiçâo deve respeitar determinados padrôes mínimos de cobertura e qualidade, para credenciamento. Há que existir um processo de acreditaçâo de instituiçôes, no quai terâo de passar previamente por um crivo de controle de qualidade do Governo, sejam elas públicas ou privadas. A partir do momento em que essas instituiçôes apresentarem características específicas para determinadas modalidades e riscos de cobertura, elas podem ingressar no sistema. Falei em riscos de cobertura, porque esse é um aspecto bastante importante. Ao nivelar, por exemplo, o custo de assistència médica de uma pessoa a 150 dólares - estou falando muito em 150 dólares, porque esse é o padráo que várias instituiçôes privadas de saúde, no Brasil, propôem como adequado para ingressar num plano de saúde com qualidade mínima aceitável - é necessàrio expandir o gasto total com o setor. Hoje em dia, gasta-se 90 dólares por ano, no Brasil, no orçamento oficial. É diferente dos Estados Unidos que, gastando 2.500 dólares per capitalino, apresenta 30% dos gastos com mecanismos de seguro e resseguro. O que se paga com seguro de saúde, nos Estados Unidos, é uma loucura, porque o médico americano, para se estabelecer, tem de pagar 50.000 dólares por ano como seguro de malpractice. É muito comum encontrar na entrada dos hospitais americanos, o chamado "advogado de porta de hospital", que sempre encontra algo onde você possa pedir uma indenizaçâo. Pelo menos 20% das intemaçôes 238 hospitalares, nos Estados Unidos, hoje, redundam em agòes judiciais. É um sistema totalmente absurdo, porque se chegou a urna determinada ordem em que, por qualquer coisa, até mesmo um arranháozinho, deve-se receber urna indenizagáo. O sistema americano nào é caro em razáo disso. Isso nao significa que o seguro nào seja necessàrio. Por exerpplo, no caso de um estabelecimento de saúde nào ter condigóes de cobrir determinados tipos de doenga, há que existir instituigóes de resseguro, que, no caso, pagariam o custo adicional do seguro daquela instituido por ter esse tipo de fatalidade. De qualquer forma, também a questào da abrangéncia nacional, em alguns casos, é interessante. Mas, quando se està fatando em instituigóes públicas, hà que se limitar a abrangéncia ao nivel regional e, no caso de pequeños Municipios, a idéia do consórcio intermunicipal, que já existe no atual sistema de saúde, parece ser boa. Esses consórcios poderiam criar instituigóes públicas prestadoras de servigos de saúde, que teriam um nivel bastante ampio de complexidade para atender a rede. E, caso haja a necessidade de utilizagáo da rede de outra regiào, podem ser criados acordos financeiros de compensagáo. Por exemplo, em caso de viagem por outro estado, poder-se-ia procurar urna instituigào desse outro estado, através de mecanismos de compensagáo regional dos recursos que seriam transferidos. A questào básica é que náo existem muitas barreiras técnicas para estabelecer esse tipo de mecanismo, mas sim barreiras culturáis e gerenciais, porque um sistema desse necessita de um monitoramento gerencial muito forte por parte do poder público; necessita, talvez, a exemplo da Franga, de um prontuàrio médico informatizado - a carteira de saúde, que acompanha o individuo por toda a vida, desde o nascimento. Hoje em dia, esse prontuàrio médico é informatizado. Pode-se acompanhar todos os cidadàos e ver, pelo prontuàrio médico, o seu estado clínico, o que facilita até mesmo o sucesso das interveng5es médicas que se fizerem posteriormente. Esse prontuàrio médico seria transferido de urna instituigào para outra, sempre que o individuo resolvesse mudar o seu plano. Tecnicamente, nào haveria problema. Porém, que tipo de cultura gerencial seria necessàrio para um sistema dessa natureza? Qual o processo a ser seguido para implantar esse sistema, mesmo que progressivamente? Marcelo Viana Estevao de Moraes (Coordenador) - Mais alguma questáo? Fernando Beskow - Eu quería que o Dr.André Medici contentasse um pouco mais os detalhes da questào que, para mim, ficou muito restrita: a sua proposta contempla tanto a medicina exercida por entidade pública quanto aquela exercida por entidade privada, colocando até a idéia de um eventual consórcio. Existem modelos de maior e menor eficiència, tanto na medicina pública como na privada, como na administragáo dos hospitais. Mais objetivamente, existem hospitais públicos bem-administrados, e hospitais públicos mal-administrados, acontencendo o mesmo com os hospitais privados. Todavia, a tendéncia mundial tem sido no sentido de que os hospitais públicos - que estáo se extinguindo como modelo de instituigào 239 pública do tipo que conhecemos no Brasil, onde, para mudar o quadro de pessoal, é necessàrio um decreto presidencial, um emaranhado de legislarlo - transformem-se em fundagòes, conformando um processo jurídico híbrido, pois nào se sabe se é o Estado dono ou se o sujeito que é preposto do Estado e que o administra com metodologia pròpria. Em Brasilia, há o caso de urna fundado nessa situado. Gostaria de saber se vocè enfoca essa questào em sua proposta. André Medici (Conferencista) - É claro que essa questào é fundamental no desenho da proposta. A grande transformado que se tem no estabelecimento hospitalar, ao longo do Século XX, é que o hospital deixa, progressivamente, de ser servilo público, mesmo hospital público, e passa a ser empresa. O modelo atual de organizado hospitalar é o do INCOR, que é um exemplo claro de um hospital público que presta um servido de excelente qualidade, reconhecido mundialmente, e que tem, por questòes da pròpria organizado interna, estabelecidos mecanismos de flexibilidade, que permitem a contratado de médicos em regimes diferentes daqueles tradicionalmente ofertados pelo setor público, e assim por diante. Para manter um hospital, uma empresa, tem que haver flexibilidade que, por sua vez, tem de dar conta de diferenciales de questòes como: pessoal - tem que haver flexibilidade de contratado e demissào de máo-de-obra; flexibilidade em termos de intensidade da utilizado, e, para isso, sáo necessários critérios diferenciados de pagamentos; em segundo lugar, tem que haver flexibilidade para compra - existem hospitais públicos com equipamentos caros como bomba de cobalto para tratamento de cáncer parados. Para se conseguir uma guia de importado da CACEX da pega necessària, demora, muitas vezes, dois anos. Com isso, o equipamento fica parado por dois anos. Logicamente, esse tipo de processo no qual há que se submeter toda a lògica da a d o hospitalar a um determinado trámite de operado pública está-se extinguindo. No mundo inteiro, a tendéncia dos hospitais é de se transformarem em fundagóes, sejam eles públicos ou privados, e com flexibilidade de contratado. Nào interessa a origem do capital que montou o hospital, mas sim uma forma de gestáo capaz de dar conta da flexibilidade do processo de modernizado necessàrio à sua operado. Quando falo sobre essa proposta, a idéia é que os hospitais que iriam compò-la, públicos ou privados, fossem organizados nesse esquema com flexibilidade de contratado de máo-de-obra, compra de equipamentos, e normas de operado. Para que isso acontecesse, seria necessàrio que houvesse um processo de contratualizado de gestáo. No fundo, ao se montar uma fundado dessa natureza, deve-se ter contrato de gestáo. Uma fundado deixaria de respeitar as normas de acompanhamento dos meios do setor público, e passaria a responder unicamente à avaliado de resultados, o que significa acompanhar os fins, a eficácia, o cumplimento das metas e, também, a efetividade, a satisfado do usuàrio, da clientela. É a isso que eia teria de responder, nào mais aos controles dos meios porque, hoje, qualquer tipo de servido de saúde, 50% do tempo das pessoas que se dedicam à administrado do hospital e o tempo que se necessita para cumprir determinados trámites burocráticos e controle internos, controle dos meios, que impedem uma operado livre e cerceiam a sua criatividade dentro das condicjoes em que se tem que operar. 240 Marcelo Viana Estevâo de Moraes (Coordenador) - Agradeço, mais urna vez, a presença do Professor André Medici, que conseguiu cativar a platéia, com urna exposiçâo bastante clara, sucinta e objetiva. Espero que tenhamos oportunidade de contar com sua presença em outras ocasiôes, para discutir outras questôes tâo pertinentes quanto a de hoje na área de Seguridade Social. Obrigado pela presença de todos. 241 O FINANCIAMENTO E OS BENEFÍCIOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL NO BRASIL FERNANDO REZENDE E LUCIVAL COSTA*/ Marcelo Viana Estevâo de Moraes (Coordenador) - Vamos dar inicio aos trabalhos de hoje, corn a participaçâo dos Professores Fernando Rezende e Lucival Costa. Eles vâo falar sobre a Previdência Social na revisâo constitucional. O tema é ampio, mas muito provavelmente o Prof. Rezende irá se concentrar na questáo do financiamento, e o Prof. Lucival na parte dos beneficios, especificamente, no que se refere às aposentadorias. O Prof. Fernando Rezende é Mestre em Economia pela Universidade de Vanderbild, dos Estados Unidos, professor de Finanças Públicas e Política Fiscal da Fundaçâo Getúlio Vargas, do Rio de Janeiro, e consultor de organizaçôes internacionais, como o Banco Mundial, o BID e a ONU, além de diretor e responsável técnico da Rezende Acorsi Ltda. Consultoria e Planejamento. O Prof. Lucival Costa é professor da Universidade da Bahia, Mestre em Administraçâo Pública, e atual chefe da equipe do CTA daquela Universidade, que realiza para nós urna pesquisa na área de aposentadorias e de distribuiçâo de renda no Brasil. Vamos passar a palavra ao Prof. Fernando Rezende e, logo em seguida, ao Prof. Lucival Costa. Posteriormente, iniciaremos a fase de debates. Fernando Rezende (Conferencista) - O que eu queria discutir com vocês, hoje, nâo é nenhuma proposta especifica para o caso da Previdência na revisâo constitucional. Talvez, até me aventure a fazer alguma proposta. Gostaria, porém, de expressar urna preocupaçâo que deve ser considerada com mais seriedade por todos os que estâo batalhando neste terreno pantanoso da revisâo constitucional. */ Palestras realizadas em 12 de junho de 1993. 243 Corremos o risco de fazer urna revisáo da Constituido na qual a emenda pode sair pior que o soneto, na medida que embarcamos nesse processo de revisáo em ura momento político já difícil, com a antecipagào do calendàrio eleitoral. E as reformas nos virios capítulos da Constituido estáo se desenvolvendo em campos próprios e nio-conectados. Quer dizer, discútese a reforma tributiria por um lado e a reforma administrativa por outro, a reforma da Previdéncia por um lado e a reforma de todo o sistema da política social por outro. Mas, nao há urna lógica, um projeto, um conjunto de principios e de diretrizes que faga com que essas reformas construam urna nova ordem jurídica, econòmica e social, para viabilizar o país no próximo decénio, no próximo milénio. Um contraponto importante, que devemos ter sempre em mente, é o das reformas tributària, administrativa e patrimonial da Previdéncia Social e do sistema bancário-financeiro, feitas na segunda metade da década de 60. Todas elas, naquela época, 30 anos atrás, foram construidas segundo a lógica do Brasil grande, da poténcia do ano 2000. Era a lógica da concentrado de macizos recursos fínanceiros na máo do Estado, para alavancar um processo de integrado do territòrio nacional, de identidade cultural, de unificado de mercado e de expansáo industrial. Tudo isso segundo o principio de que ao Estado caberia a lideranga desse processo. Entáo, caberia a ele promover o crescimento acelerado, ao mesmo tempo que, pela unificado do sistema previdenciário, no campo social, dava-se partida a urna nova fase de ampliado de direitos básicos para, de certa maneira, conciliar a preocupado do social com a ènfase dada ao econòmico. Naquela época foi assim. Havia um principio orientador dessas reformas, muito mais facilmente implantado pelas condigòes políticas do momento. E agora, como ocorreu na Constituinte de 88, falta-nos um projeto nacional, que seja a espinha vertebral das reformas. Vejo que corremos o risco de construir, neste processo, um bicho meio defeituoso, meio deformado, onde algumas partes caminham para um lado e outras caminham para outro, sem que haja a integrado necessària. No campo específico da Seguridade e da Previdéncia, o que percebemos, pelo tom dos debates travados publicamente, é, de certa maneira, o abandono total dos principios que orientaram a redado do capítulo da Seguridade e da Previdéncia, tal como redigido na Constituido de hoje - salvo engano, os Artigos 194 e 195 -, onde os principios básicos eram a integragáo da Previdéncia, da Saúde e da Assisténcia sob um novo conceito de seguranza social - entre nós batizado de seguridade social. O principio da diversificado das bases de financiamento, para dar maior estabilidade financeira ao sistema, o principio da unificado de direitos, de beneficios e de contribuigòes, e o principio da unlversalizado do acesso estáo dentro da lógica de que o problema era garantir a cidadania plena e náo a cidadania fragmentada, como naquela época. Agora, o que assistimos no debate, é exatamente o contràrio do que inspirou a elaborad 0 da Constituigáo de 1988: ao invés da integragáo, propòe-se a separado, onde a Previdéncia fica de um lado e a Saúde de outro, e a Assisténcia sabe-se là aonde, quid em lugar algum. Ao invés da diversificagáo das bases de financiamento, propòe-se a separado de suas fontes, quer 244 dizer, eu fico com este naco melhor da folha de salários, você fica com urna outra contribuiçâo qualquer no orçamento gérai. Ao invés da unificaçâo, alguns propôem a especializaçâo. E, ao invés da universalizaçâo, quiçà a fragmentaçâo. Ou seja, neste capítulo da revisâo do sistema da Seguridade e da Previdência, diría que estamos caminhando num sentido oposto ao que levou a instituiçâo das regras estabelecidas na Constituiçâo hoje vigente. E ainda nâo sabemos muito bem qual será o desfecho dessa situaçâo. Em particular, isso me preocupa na medida que a Previdência procura trilhar um caminho pròprio. Nâo que eu seja contra - é bom deixar isso claro desde logo - à tese de que a Previdência deve trilhar um caminho pròprio, e buscar a sua autonomia em relaçâo ao Orçamento Geral da Uniâo. Mas, preocupa-me o fato dessas teses serem desenvolvidas de urna maneira isolada, digamos assim, sem levar em conta os condicionantes históricos e culturáis que, de certa modo, ligam de forma quase indelével a história da Previdência Social brasileira à pròpria história da politica social brasileira. Sáo ¡números os autores que estudaram política social no Brasil, e remontam as origens do desdobramento dessa política à Lei Eloy Chaves, da década de 1920, e às primeiras legislaçôes no campo do Direito Trabalhista, Sindical e da Previdência no primeiro Regime Vargas, e assim sucessivamente. Quer dizer, ao longo da história, a Previdência trilhou o caminho da integraçâo, da unificaçâo e da previdência associada a outros ramos da política social. Agora, de certa maneira, estamos virando as costas ao passade, à História, e dizendo que temos de reconstruir um sistema no quai a Previdência irá se orientar segundo os principios clássicos do seguro social: a saúde, a assisténcia e outros componentes da Previdência Social, que históricamente estiveram a eia associada, iráo buscar urna nova forma de sobrevivência e de existência. Nâo quero firmar nenhuma posiçâo, por enquanto, sobre isso ser bom ou ruim. Apenas quero deixar claro que, enquanto as coisas vâo acontecendo dessa maneira, quebra-se urna aliança que, no passado, foi importante do ponto de vista da preservaçâo até de recursos e de garantías orçamentârias. E, de certa forma, para garantir urna açâo integrada no campo da Saúde e da Previdência. Na medida em que essa açâo integrada nâo funcione, o risco social aumenta, pela pròpria hipótese de que o sistema de saúde venha a funcionar mais precariamente do que funcionou até agora. Esse é o pano de fundo onde a questáo da reforma fiscal - à qual as demais reformas também tém de se conformar, pelo fato óbvio de que eia irá definir um novo padrâo de financiamento do Estado e, conseqüentemente, o padráo de financiamento dos mecanismos de proteçâo social, no qual a Previdência exerce papel decisivo - ganha, entáo, urna dimensáo importante. E requer de todos nós a necessària preocupaçâo de se discutir a questáo específica da reforma previdenciária, no marco dos debates que se encaminham numa velocidade maior no campo da reforma fiscal, e ainda mais no marco da revisâo de todo esse sistema de seguridade social, constituido num momento histórico importante do país - a Constituinte -, e que agora tem 245 de ser redefinido sob outra perspectiva, sob outra realidade. De 1988 para cá, o mundo mudou e o Brasil pretende mudar, e isso nos coloca numa posigào muito mais difícil. Quería explorar um pouco mais a questào da reforma fiscal, e dos desdobramentos que os problemas a eia relacionados tèm apresentado nos últimos anos, para voltar, ao final, à questào específica da Previdència, dentro dessas consideragòes mais gerais. O Brasil dos últimos anos inaugurou um novo modismo: todo mundo entendía de futebol, quando valia a pena pensar no assunto; todo mundo sempre entendeu um pouco de medicina, e hoje, todo mundo entende de tributagào e fala a respeito. Esse é um assunto que saíu das páginas escondidas da imprensa especializada, e assumiu as primeiras páginas da imprensa náoespecializada. Em face dos escándalos da corrupgáo, da sonegagáo, a questáo fiscal tornou-se o centro das atengòes nacionais. A ponto de sucessivos governos terem declarado que nao é possível fazer nada, do ponto de vista da estabilizagáo da economia, do controle da inflagáo, antes que seja feita a táo propalada reforma fiscal. Entáo, a reforma fiscal está condicionando os desdobramentos das demais reformas. Devemos nos deter um pouco sobre eia, para entender o que está se passando, e o que isso significa, em termos de implicag5es, para a reforma da Previdència. Por enquanto, diría que estáo caminhando em paralelo. Há duas grandes vertentes nessa discussáo da reforma fiscal, mas vou dar um passo atrás, antes de falar nelas. Em 1986 ou 1988, quando comegaram os trabalhos da Constituinte, a grande bandeira era a questào da federagáo. O país saia do último estágio do regime autoritàrio e embarcava no primeiro estágio da redemocratizagào. E a bandeira de Tancredo Neves na campanha era exatamente a autonomia dos estados, o combate ao centralismo excessivo do período militar, a necessidade de se devolver aos estados e municipios urna autonomia mínima, para que pudessem sancionar a autonomia política alcangada naquele momento. A descentralizagáo foi urna bandeira que está permeada nos vários capítulos da Constituigáo. Ali, defende-se a descentralizagáo de recursos financeiros, dos programas sociais, de inúmeros componentes do gasto público, e assim por diante. Hoje, a grande bandeira que está conduzindo os debates no campo específico da reforma fiscal é a da simplificagáo. De urna hora para outra, langou-se a tese de que existem no Brasil 59 tributos. Isso gerou certo alvorogo na imprensa, na opiniáo pública, de tal forma que o contraponto dessa denùncia do mar náo de lama, mas de impostos, que afoga o cidadáo, o contribuinte, foi a tese esdrúxula do imposto único sobre cheques, que ganhou inúmeros adeptos no Brasil. Contra 59, por que náo apenas um? Estou fazendo essa mengáo porque, na esteira desse debate da simplificagáo, surgem teses sérias e simplistas ou simplórias. Essas duas vertentes vèm predominando no debate e suas implicagSes, do ponto de vista da Previdencia Social,, sao absolutamente distintas. Verei se consigo explorar algumas délas, com um pouco mais de precisáo. 246 A primeira vertente, que chamo de simplificado simplista - simplória - é aquela que pretende transformar o Brasil em mais um motivo de chacota da comunidade internacional, como um país extravagante. Parece que todos nós nos esforzamos para transformar em realidade aquilo que o General De Gaulle prenunciou, há algum tempo, com grande visáo: "este nào é um país sèrio." Isso está representado nessa idéia maluca de se acabar com todo o sistema de tributad 0 existente, como praticado internacionalmente, e de se criar, se possível, apenas um ou entáo quatro, cinco ou seis impostos, chamados náo-declaratórios - aqueles que o contribuirte nao sabe para que existem, nao os vé e nao os sente. Essa proposta está consubstanciada num projeto de emenda constitucional do Deputado Luis Roberto Ponte, do Rio Grande do Sul, e hoje em dia tem um enorme espago no Congresso Nacional, correndo um grande risco de ser aprovada a qualquer momento, com sérias implicagòes para a reforma previdenciária. A proposta reduz o sistema de impostos a seis itens: combustíveis, telecomunicagòes, energia, bebidas, fumo e cheques. E prevé urna contribuido previdenciária que se resume à contribuido sobre empregados, exonerando completamente a contribuid 0 dos empregadores. A proposta do Deputado é a verterte da simplificad 0 simplista, e o seu único objetivo seria simplificar a cobrand- Acaba com a nota fiscal do comércio, e a Associato Comercial aplaude de pé. Qual o comerciante que nào ficaria satisfeito se nào precisar mais emitir nota fiscal? Acaba também com o Imposto de Renda para a pessoa física, e a classe mèdia, possivelmente, irá endossar. Acaba ainda com a contribuido sobre a folha de salários das empresas, com o setor produtivo altamente propenso a aderir à iniciativa. E constrói um sistema onde náo existe imposto do municipio, nem do estado e nem do Governo Federal: há impostos nacionais. Um grande bolo a ser repartido entre os trés níveis de governo, com base num percentual a ser definido, e que o Deputado explícita no projeto, mas que nào cabe entrar em detalhes aqui. Na verdade, essa proposta cría um grande condominio de despesas, onde há um bolo geral em que todo mundo está livre para decidir a sua partilha nele. O problema principal é que, de um lado, cria-se urna situado de absoluta alienado do contribuirte. De outro, do ponto de vista da Previdéncia, cria-se algumas implicagòes, além da redugào hoje da pròpria base de financiamento do sistema, que pretendo explorar em seguida. A outra verterte é a da racionalizagào clàssica. Precisamos parar, neste país, de brincar e de inventar solugSes como se fossem novidades. Já estamos há dez anos "derrapando" nessas novidades heterodoxas das mais variadas espécies. Precisamos fazer aquilo que a cartilha diz que deve ser feito - e que seja feito direito. Vamos reduzir e simplificar o sistema fiscal e o número de impostos. Mas é preciso fazer o que se faz tradicional e históricamente no mundo moderno, onde dà certo. Um sistema de impostos baseado em trés grandes tributos: um imposto federal sobre a renda, um imposto estadual sobre o consumo e um imposto municipal sobre a propriedade, além de urna contribuigáo social sobre folhas de salários e remuneragòes. Esse é o sistema clàssico e deveria ser implementado. 247 Qualquer que seja a vertente vitoriosa no desdobramento dos trabalhos em andamento no Congresso, no campo fiscal, quero deixar claro que estou dando prioridade à questào fiscàl, que por motivos ampiamente conhecidos vem sendo objeto de sucessivas emendas constitucionais, nos últimos dois ou très anos, mas que nào progrediram até agora. A cada firn de ano, sabemos que vem ai um pacote de emendas sobre ajuste fiscal. O que eu quero dizer é que o debate nessa área está muito mais avanzado do que ñas demais áreas da reforma constitucional. E há urna pressáó muito grande para que haja resultados concretos nessa diredo, o mais rápido possível. A prevalecer qualquer urna das propostas, elas tém em comum, em primeiro lugar, a énfase na simplificado e na redudo do número de tributos e, em segundo, as modificares substantivas no terreno das chamadas contribuigóes sociais. Todos aqui devem ter consciéncia de que as contribuigoes sociais, como FINSOCIAL, PIS/PASEP, adicionáis do Imposto de Renda para a área social, etc., estáo hoje sujeitas a severas críticas do ponto de vista de suas consequéncias negativas sobre o setor produtivo. Do ponto de vista da reforma social, o que se prop5e é a extingào dessas contribuigoes. Como já disse, a proposta do Deputado Ponte limita a contribuido sobre salários ao trabalhador e exonera as empresas. Na linha mais clàssica, a proposta da racionalidade nào vai táo longe. Mas, embora nào indo táo longe, todas as propostas prevéem a redugào substancial da carga sobre a folha de salários imposta hoje às empresas. Urna, que seria a linha do Ponte, a extingue completamente. A outra reduz a carga sobre as empresas a um nivel considerado mais decente - náo digo que hoje seja indecente -, mas mais razoável do ponto de vista das preocupagòes de competitividade, e de integrado da economia brasileira ao resto do mundo, a um padráo considerado equivalente ao que praticam os nossos competidores. Ou seja, algo na faixa de 18 a 20%, cerca da metade do que se tem hoje, que atinge quase 40%. Nessa faixa de 20%, teríamos algo mais ou menos compatível com o que nossos competidores realizam. Náo estou falando do Japáo; a referencia é o nosso quintal, a América Latina, a Argentina, o Chile, o Paraguai, o Uruguai, etc., embora agora seja o contràrio - nós é que estamos no quintal. Entáo, de concreto, um primeiro problema a ser enfrentado é o fato de que a base clàssica das contribuigòes para o sistema de Previdéncia será reduzida, seja pela dedugáo dos encargos previdenciários sobre a folha de salários, ou pela redudo da aliquota previdenciária, ou ainda pela eliminado das demais contribuigòes criadas recentemente. Claro que muitos argumentam que a redudo dos encargos náo significará necessariamente urna redudo do financiamento, porque permitirá a formalizado das relagòes de trabalho, hoje em dia prejudicada por urna tributagáo excessiva sobre a folha de salários. Conseqüentemente, a formalizado dessas relagòes permitirá recuperar o que se perde com a redudo de alíquotas. De qualquer forma, essa é urna questào empírica, que deveria ser devidamente analisada. 248 O segundo problema que essas diferentes vertentes da reforma fiscal trazem para a discussáo da reforma previdenciária é a questáo da garantía. Hoje, e a Constituido de 1988 caminhou nesta diregào, temos dois sistemas impositivos diferentes: o sistema tributàrio propriamente dito, e o sistema das contribui?òes sociais. Um é regulado pelo Artigo 155, salvo engano, e o outro p>elo Artigo 195. O problema é a instituid» de ornamentos distintos. Há um ornamento fiscal para os recursos tributónos e um ornamento de seguridade para as contribuiQòes sociais. Qualquer dessas duas vertentes da reforma fiscal significaría o cancelamento dessa dicotomia na Constituido, à época já contestada como algo indesejável, mas que, nao obstante, prevaleceu por outros motivos. Significaría ainda acabar com o ornamento da seguridade e, obviamente, dar autonomia à Previdéncia, nessa sua linha mais separatista, para gerir a contribuido sobre a folha de salários. Entáo, diría que qualquer que seja a vertente da reforma fiscal, a garantía hoje estabelecida, em fundo de um regime contributivo pròprio e de um ornamento específico, também deixaria de existir. Na verdade, a cessado dessa garantía significa a passagem para um novo sistema, onde a Previdéncia deveria ser autònoma em relado ao setor público propriamente dito, além de contar com urna fonte esp>ecífica de recursos, proveniente da contribuido sobre a folha de salários, para gerenciar autonomamente o sistema de seguro social, segundo a tendéncia predominante no debate da reforma previdenciária. O terceiro problema que esses desdobramentos da reforma fiscal podem trazer para a Previdéncia é o fato de que todas as propiostas de reforma nessa área convergem para reduzir a disponibilidade de recursos financeiros em poder do Governo Federal, e para aumentar a disponibilidade de recursos financeiros em poder dos estados e municipios. Torna-se importante frisar que o caminho nesse sentido é distinto, mas o resultado é o mesmo. Ao reduzir a capacidade financeira do Governo Federal, as implicares sáo que as relagòes, de certo modo incestuosas, que se estabeleceram e continuam se estabelecendo entre a Previdéncia e o Tesouro, no que diz respeito á cobertura dos déficits previdenciários de caixa, ficaráo muito mais difíceis de ser preservadas, em determinados momentos. A quarta implicad 0 dessas tendéncias da reforma fiscal está na indefinido que acarretam, do ponto de vista das perspectivas de sustentad0 das a?òes do Governo no campo da saúde, da assisténcia e de outros programas sociais. Alguns diriam que isso náo é problema da Previdéncia. A Previdéncia irá cuidar do seguro social, irá se tornar independente em relado ao Tesouro, irá procurar urna gestáo compartilhada entre Governo, trabalhadores e empresários e cuidará de sua pròpria vida. O problema social é do Governo e deve ser financiado p>elo ornamento público, de preferencia com os recursos disponíveis sendo transferidos a estados e municipios, segundo as orientales da 249 Constituido vigente. Concordo inteiramente com o discurso e nào discordo, absolutamente, de que seja urna tese bonita, elegante. Entretanto, duvido da sua viabilidade, ñas condigòes do Brasil de hoje. E mais: é muito difícil construir urna proposta de reforma para a Previdéncia que nào seja, ao mesmo tempo, acompanhada de urna proposta de reforma de toda a política social brasileira, para viabilizar o conjunto dessa reforma e a pròpria reforma da Previdéncia. Será muito difícil conseguir o apoio necessàrio a essas transformagòes se náo houver, na visáo da sociedade brasileira como um todo e na de todos os segmentos que se posicionam no Congresso Nacional a esse respeito, urna consciència mais clara de que essas reformas seráo feitas de modo a garantir os direitos sociais básicos que foram alcanzados pela populagào até agora, e sancionados pela Constituinte. Aliás, já se fala que urna das questòes que pode estar na linha dos chamados direitos pétreos, que náo poderáo ser removidos, é o direito social. E, entre os direitos sociais, figuram a universalizagào do acesso aos servigos de saúde, o ensino público obrigatório e gratuito, a assisténcia social aos idosos, aos desvalidos, aos dessassistidos, etc.. É preciso ver até onde será possfvel negociar politicamente urna proposta de reforma da Previdéncia, exclusivamente, sob essa ótica da autonomia, da independència, da separagào de fonte, sem que isso faga parte de um conjunto maior, que diga que a Previdéncia será assim e assim deve ser, sem significar que o resto estará desamparado. Atualmente, o resto está absolutamente desamparado. Náo se sabe o que acontece. E nào é à toa que sabemos que, senáo o único, mas o principal plano de agáo do Governo, recentemente enviado ao Congresso e objeto de centenas de emendas, é o artigo que propòe a extingáo do INAMPS. Contra ele, insurgem-se os hospitais, as associagòes dos hospitais e de seguradoras de saúde, a classe trabalhadora, o movimento sindical e assim por diante. Faz-se necessàrio discutir a reforma previdenciária dentro da perspectiva que mencionei no inicio. A Previdéncia Social tem urna história umbilicalmente ligada á história da política social brasileira, e á da conquista dos direitos sociais do trabalhador. Na minha opiniáo, náo vai ser fácil virar as costas para a história, lavar as máos e dizer que agora a Previdéncia náo tem mais nada com isso, que iremos cuidar da nossa reforma e que o restante cuide da reforma deles. Será muito complicado fazer isso, ainda que, repito, esteja inteiramente de acordo com a tese de que é preciso separar. Concordo com a tese de que a Previdéncia tem de fazer a sua proposta, e que a saúde e a assisténcia social tém de ser municipalizadas. Para concluir, gostaria de fazer duas provocagòes, sobre questòes que acredito que o Lucival Costa irá trabalhar. Urna é a questáo dos privilégios. No Brasil, hoje, é consensual a necessidade da extingáo dos privilégios através das reformas da Previdéncia, entre eles os privilégios da aposentadoria precoce, das triplas e quádruplas aposentadorias e assim por diante. Sobre essa questáo, há alguns problemas que náo estáo sendo discutidos. Um deles é até que ponto existem privilégios implícitos na manutengáo de um regime baseado no principio da unicidade no plano nacional? 250 Temos a mesma regra, via contribuidles e beneficios Brasil afora. Mas, esse principio aplicado ao salàrio tampouco deu resultados muito satisfatórios, tanto que os próprios trabajadores já se convenceram de que nao obtiveram grandes vantagens. No caso específico, gostaria de fazer urna só colocado. A populado idosa se concentra cada vez mais ñas áreas metropolitanas, ñas cidades, nos estados mais desenvolvidos. N3o obstante, a contribuido de todos para o seguro é uniforme. Se caminhamos para estabelecer um limite de idade para o acesso à aposentadoria, tendo um contribuirne da Regiáo Amazónica, que contribuí com a mesma porcentagem do seu salàrio, e a empresa com a mesma porcentagem de sua folha do que um contribuirne e urna empresa de Sào Paulo, há urna grande possibilidade de que, a nivel regional, o cidadáo e a empresa da Amazónia estejam arcando com um ónus muito mais elevado, para sustentar urna crescente pressào de beneficios que ocorre no Estado de Sào Paulo, por razòes de distribuido da populado, da distribuido por idade e da pròpria expectativa de vida. Entáo, há um fator regional que tem relado com o privilègio e que nos leva a uma segunda provocado: até onde seria importante, do ponto de vista económico do emprego, e do social, discutir a regionalizagáo do seguro social? Nós caminhamos para a unificado setorial e nacional. Agora, queremos separar. E, ao separar, por que nao pensar que temos realidades muito distintas no Brasil? Nao há por que termos uma legislado trabalhista no campo para o Amazonas, onde as relagòes de traballio nesse setor sao completamente diferentes das verificadas em Sào Paulo, e nem por que termos o mesmo regime de seguro social, com as mesmas regras aplicáveis à Regiáo Norte e à Regiáo Sul. De repente, seria muito mais interessante pensarmos que essa reforma pudesse também contemplar mecanismos regionalizados de seguro social. Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Com a palavra, agora, o Professor Lucival Costa. Lucival Costa (Conferencista) - Primeiramente, quero elogiar essa iniciativa do Ministério da Previdéncia em realizar estudos, seminários, palestras e diversas outras atividades com o objetivo de promover a discussáo, tanto a nivel do Congresso Nacional como da sociedade, sobre as possíveis reformas da Previdéncia Social e da Seguridade Social. Hoje, já existe a expectativa de uma nova Constituido, porque a reforma em curso, e a que se pretende fazer ganha tal dimensáo que é possível se falar realmente em uma nova Constituido. Em 1989, logo após a promulgado da Constituido Federal, a Revista de Administrado Pública, da Fundado Getúlio Vargas, pediu-nos um pequeño artigo com cómentários sobre as mudanzas introduzidas pela Constituido na Previdéncia Social. Esse artigo destacava como avanzo, entre outros, pontos como a uniformidade e a equivaléncia dos beneficios das populagóes urbanas e rurais, corrigindo-se, assim, uma grande injusticia para com os trabalhadores rurais, que só tinham direitos a poucos e restritos beneficios; a protedo ao trabalhador em situado de desemprego involuntário, inserindo-se o amparo ao trabalhador nos eventuais periodos de instabilidade, ou crise económica, ñas regras da relado 251 capital/trabalho que, nos últimos quinze anos, nao tém sido tao eventuais; a fixagáo do saláriomínimo como piso dos beneficios; e a irredutibilidade dos valores dos beneficios, que passaram a ter preservado o seu valor real na data da concessáo. Nesse mesmo artigo, afirmava, entretanto, que, lamentavelmente, fóra perdida a oportunidade de se alcanzar maior eqüidade e justiga social na área da Previdencia Social, ao náo se instituir a uniformidade dos planos de beneficios para todos os trabalhadores brasileiros, ou mesmo a implantado de um sistema único, universal, de Previdéncia Social. Foram mantidos regimes previdenciários paralelos, com planos e beneficios bem mais vantajosos para as categorías profissionais amparadas. Esse é o caso do regime de protegáo aos membros dos Poderes Judiciário e Legislativo, cujas médias de valores dos beneficios náo tém comparalo com aquelas pagas pelo regime geral da Previdéncia. Em novembre de 1991, o valor mèdio, em número de salários-mínimos percebidos pelos membros do Judiciário, era de 27,1 e de 50,3 para os do Legislativo. A existéncia desses sistemas paralelos assegura, adicionalmente, para muitos, a dupla ou tripla aposentadoria à qual se referiu o professor Rezende, também comum aos servidores civis ou militares que acumulam cargos na administrado pública, ou um cargo na administrado pública e outro na iniciativa privada. Recentemente, um colega nosso da Universidade se aposentou pela terceira vez: ele foi Deputado Federal por trés legislaturas, e se aposentou como tal; também se aposentou como funcionário do Banco do Brasil; e, este ano, como professor da Universidade Federal. Deixando de lado o sonho distante, ou mesmo impossível, de ver essa iniqüidade resolvida a mèdio prazo, com a implantado de um sistema único de Previdéncia Social, convém nos determos em algumas questoes de solugáo mais factível. É comum procurar justificar essa situado diferenciada dos servidores públicos como um. tipo de compensado para as grandes defasagens salaríais em relado ao setor privado, impostas pelos baixos salários vigentes no setor público. Na qualidade de funcionário público, também sofro a injustiga dos baixos salários da maioria - porque, na verdade, náo sáo todas as categorías profissionais do servido público - e compartilho da reivindicado pela corredo dessa situado. Trata-se, aliás, apenas de mera desculpa para sustentagáo do privilègio da aposentadoria com proventos integráis, porque náo há vantagem em se abrir máo, no presente, de urna remunerado justa e digna, por urna aposentadoria incerta no futuro. De qualquer forma, compreendo a necessidade de se buscar a implantado do regime previdenciário único, etapa fundamental na construgáo de urna sociedade mais justa e igualitária. O terceiro ponto questionável da Constituido foi o redutor de tempo de servigo para aposentadoria de jornalistas e professores, inclusive professores universitários. No caso dos 252 professores, aceita-se o tempo de servido dispendido em atividade de planejamento e supervisáo do ensino. Até agora, desconhego qualquer razáo para incluir tais profissoes entre aquetas consideradas penosas, insalubres ou perigosas, para justificar a redugáo do tempo de servilPara o professor, a conjugagáo desse status com o de funcionário público - muito freqüente, já que o setor educacional tem e deve ter a predomináncia da agao estatal - cría urna situagáo duplamente vantajosa: aposentar-se com menos tempo de servido, 30 e 25 anos, para homens e mulheres, respectivamente, com proventos integráis. A aplicagao desse redutor tem provocado urna situagao muito comum: a aposentadoría de pessoas com 45 a 55 anos de idade, com plena capacidade intelectual e produtiva. No caso das universidades, por exemplo, essa situagao vem ocorrendo em grande escala e, muitas vezes, com pessoas de alta qualificagao, que concluíram há pouco tempo os seus cursos de mestrado e doutorado, realizados com grandes custos para toda a sociedade. Trata-se de urna significativa perda para um país com reduzido índice de populagáo com escolaridaae superior. Naturalmente, em busca de melhorar seus rendimentos, muitas dessas pessoas tém retornado ¡mediatamente ao trabalho, ás vezes na mesma instítuigáo, ora com bolsa do CNPq, ora por aprovagáo em novo concurso, na vaga deixada com sua aposentadoría. A aposentadoría passa a ser, assim, urna mera complementagáo de renda. O quarto ponto é a necessidade de se implantar maior seletividade na concessáo dos beneficios, ou mesmo na redugáo do número deles. É de difícil compreensáo, por exemplo, a importancia da concessao do salário-família, pelo menos nos valores atuais, para pessoas com rendimentos superiores a 10 salários-mínimos. Talvez o mais indicado seja estabelecer um limite de renda para a sua concessao, compensado com a elevagao dos valores para os segurados de rendimentos mais baixos, adotando-se, evidentemente, os cuidados necessários para nao fomentar o aumento da natalidade ñas populagoes pobres. O abono de permanéncia em servigo é outro beneficio que deve ser revisto. Criado com o objetivo de estimular o trabalhador a retardar a sua aposentadoría, é um beneficio naturalmente em extingáo, pelo escasso interesse do segurado. As pesquisas tém demonstrado que o trabalhador em geral, do sexo masculino ou feminino, nao espera nem completar os 35 ou 30 anos de servigo. Prefere se aposentar ao completar os 30 anos, pois isso representa a oportunidade de ingressar em outro emprego. Na verdade, a pesquisa que estamos realizando tem mostrado que menos de 1 % da populagao requer o abono de permanéncia em servigo. É interessante observar que a extensao ás mulheres do direito á aposentadoría com proventos proporcionáis, com 25 anos de servigo, criou um estímulo adicional á aposentadoría precoce. O quinto ponto que proponho discutir se refere aos beneficios relativos ao acídente de trabalho. De acordo com o regulamento dos beneficios da Previdéncia Social, eles náo contemplam o empregado doméstico. Aliás, tampouco o salário-família ampara esses trabalhadores. Entende-se perfeitamente a dificuldade de se administrar a concessáo desses beneficios a essa categoría profissional, pela tendéncia desmedida da sociedade brasileira á 253 fraude e à diñcil relagao entre cidadáo-Estado, sempre marcada pelo "principio aético" de se tentar "passar a perna" um no outro. Um exemplo disso é que, em 1991, com o Imposto de Renda tao sofisticado que fizeram, com atualizagào dos vencimentos mès a mès, eu e vários colegas tivemos a nossa declarado reformulada a pedido da pròpria Receita Federai. Fomos là reformular, e tinhamos recolhido a mais - pagamos a mais. Para ter de volta o que nos era devido, tivemos de fazer um requerimento e esperar dois meses para receber, sem nenhuma corredo. Isso é urna postura aética do Estado, que faz com que se institua no país um jogo para ver quem "passa a perna" em quem - contribuindo para a evasào de receitas. Entretanto, é preciso compreender que os empregados domésticos já representam razoável percentual da populado economicamente ativa (PEA) no Brasil, e eles também estáo sujeitos a acidentes. Falando em urna cidade com tao grande quantidade de seitas e religides, que entìdade espirita ou extraterrestre pode proteger um jardineiro de urna mansào do Lago Sul de um acídente com um cortador de grama, urna queda de escada, etc.? Ou um motorista particular de ficar paralítico em um acídente, quando no exercicio de sua atividade ocupacional? Talvez urna possivel soludo para corrigir essa discriminado injusta, seja a criado de um cadastro de empregados domésticos, em adido ao carnè de contribuido previdenciária. O último ponto a debater é a aposentadoria por tempo de servido para os trabalhadores urbanos. Trata-se do beneficio mais importante do regime geral da Previdència Social, seja pelo número de pessoas j á aposentadas, seja pelo montante de despesa que acarreta para o sistema, ou pelo discutido sentido social dessa aposentadoria. O tempo de servido é o fator que mais aposenta trabalhadores urbanos no Brasil, depois da invalidez. Em dezembro de 1985, segundo dados da DATAPREV, esse beneficio j á correspondía a 32,6% do total das aposentadorias em manutendo, índice que se eleva para 37,39% em 1990, incluindo as aposentadorias especiáis. Vale observar que as aposentadorias especiáis e por tempo de servilo sáo predominantemente beneficios de áreas metropolitanas, e a sua concessáo tenderá a crescer com a industrializado, com a modernizado de outras áreas urbanas do país, e com a formalizado das relagòes de trabalho. Portanto, podemos ultrapassar, em breve, a aposentadoria por invalidez. Se analisarmos as estatísticas da pròpria DATAPREV em relado á aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doenga ñas regiòes mais pobres, comparando-se os números da primeira com o auxílio-doenga concedido á populado ocupada dessas localidades e com a de outras do Sul do país, como Curitiba e Sáo Paulo, talvez percebamos que muitos desses beneficios estáo sendo usados em caráter assistencial. Na auséncia de renda, essas pessoas recorrem ao auxíliodoenga ou mesmo á aposentadoria por invalidez. Outro aspecto importante, e freqüentemente comentado, é que essas aposentadorias especiáis e por tempo de servido pagam os mais altos proventos, com valores médios trés a quatro vezes superiores aos demais beneficios. O desdobramento da aposentadoria por tempo de 254 servilo, analisando-a segundo algumas características dos segurados, indica que, à excedió de poucas categorías de segurados, como os ex-combatentes ou ex-aeronautas, os valores do beneficio nao podem ser considerados altos. Entretanto, esses valores ganham outra dimensáo quando comparados com os das aposentadorias por velhice ou por invalidez, ou mesmo com a grande massa da populagáo brasileira. Os dados apresentados demonstram que 59,54% dos aposentados por velhice recebem beneficios no valor de um salário-mínimo, índice que se eleva para 79,1% com a inclusáo dos que ganham até dois salários-mínimos, ou 94,83% para os que ganham até cinco saláriosmínimos. Situagáo inversa é a dos aposentados por tempo de servido: 62,4% recebem mais de cinco salários-mínimos, e apenas 10,77% recebem um salário-mínimo. Esses números relativos aos valores do beneficio pago - ressalte-se que estou fajando do beneficio pago pela Previdéncia Social - já sáo indicativos de que esses dois beneficios, aposentadoria por velhice e por tempo de servido, atendem a pessoas de segmentos sòcio-económicos diferentes. Essa situagáo fica mais evidente quando se toma por base o rendimento declarado, isto é, o último salàrio de contribuito dos segurados. Pesquisa realizada com aposentados na regiáo metropolitana de Salvador, em 1985, demonstrou que 70,6% daqueles que requereram a aposentadoria por velhice tinham rendimento de até dois salários-mínimos, para apenas 10,6% dos que requereram a aposentadoria por tempo de servilo. Em um outro extremo da escala de renda, na faixa acima de dez salários-mínimos, os números eram, respectivamente, 1,2% para os aposentados por velhice, e 38,2% para os aposentados por tempo de servigo. É provável que a realizagáo de pesquisa semelhante em outras regióes do país apresente resultados com pequeñas variagóes, em fungáo da estrutura produtiva e da distribuigáo de renda da populagào economicamente ativa. Difícilmente haverá alteragáo substancial nessa situagáo desigual de oportunidades e de desfruto desses dois beneficios. Isso porque o fator básico, determinante do acesso a urna ou a outra aposentadoria, é a comprovagáo do tempo de servigo, que está diretamente relacionado com empregos estáveis e regulares, mais freqüentes ñas médias e grandes empresas e nos setores estatal, oligopolízados e modernos da economia. Ai predominam as ocupagóes que requerem melhor qualificagáo profissional, maior nivel de escolaridade e que oferecem, conseqüentemente, melhores compensagóes salaríais e carreiras. Situagáo oposta ocorre nos chamados setores competitivos da economia, como a indùstria manufatureira, o comércio, os servigos, a construgáo civil, etc., onde predominam as micro e pequeñas empresas, muitas délas de cunho familiar, como fábricas de confecgóes, gráficas, pequeñas metalúrgicas, padarias, restaurantes, oficinas de reparos e outros. Essas empresas tém mercados locáis e instáveis e poucas oportunidades de estabilizar produgáo e emprego, sendo constante o fechamento de empresas nesses setores. O mercado de traballio também é irregular e instável. Os empregos, em geral, sáo mal pagos e temporários. Os trabalhadores que náo tém condigòes de conseguir emprego nos setores estatal e de ponta da economia se submetem a quaisquer condigòes nos setores competitivos da economia. 255 Na pesquisa que estamos realizando, é comum encontrar trabalhadores que tiveram 25, 36 empregos, e sempre com um intersticio de tempo entre um e outro, nào havendo como acumular os 30 ou 35 anos de servido. Um exemplo disso é que, em 1989, conforme dados da PNAD, 49% da populado ocupada nao contribuía para a Previdéncia Social, e 26,9% dos empregados nào tinham carteira de traballio assinada. Evidentemente, a maior concentrado desses índices está nos ramos da construqáo civil, comércio varejista e servidos. As pessoas que se aposentam por velhice provéem desses setores ou do mercado informal, e nào tém como comprovar o tempo de servilo, devido à freqüente rotatividade de máo-de-obra. Sobre a questáo do limite de idade, è preciso reconhecer, em primeiro lugar, que a aposentadoria por tempo de servilo é confutante com o conceito universal de Seguridade Social. Segundo esse conceito, cada individuo e sua familia estào protegidos pela coletividade contra os riscos de interrupgáo, redudo ou perda da capacidade produtiva, desemprego involuntário, invalidez, velhice ou morte. A aposentadoria por tempo de servilo nào se enquadra em nenhuma dessas situagòes, porque as pessoas se aposentam com piena capacidade de traballio, em mèdia com 54 a 55 anos de idade, conforme dados da DATAPREV. Se eia nào retornar ao traballio, a sociedade estará simplesmente financiando o seu ócio. Em segundo lugar, a questáo da expectativa de vida ao nascer, constantemente argüida, è pouco relevante para a análise do problema da aposentadoria por tempo de servilo, devendo-se utilizar a taxa de esperanza de vida em cada idade, que è bastante diversa daquela. Ultrapassada a barreira da mortalidade infantil, a expectativa de vida cresce significativamente. Esse ponto de vista tem sido bastante analisado, náo podendo ser explorado aqui em maiores detalhes. Existe um ótimo traballio do IPEA que mostra, inclusive, a taxa de expectativa de vida por idade, sexo e renda em todo o país. O argumento de que a expectativa de vida dos brasileiros é muito baixa, especialmente ñas regiòes mais atrasadas, nào pode ser usado em defesa da manutenido da aposentadoria por tempo de servido ou sem limite de idade. No meu entender, esse deve ser um argumento em defesa da redudo da idade para a aposentadoria por velhice. Ter 65 anos é o requisito exigido em muitos países desenvolvidos, como Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, Canadá, Bélgica, etc.. Em outros países com nivel de desenvolvimento superior ou igual ao nosso, como Itália, Franga, Japáo, Argentina, Hungría, etc., o requisito é 60 anos de idade. Um exemplo que justifica essa redudo é um individuo do sexo masculino, que ganha até um salário-mínimo, cuja expectativa de vida aos 40 anos será de 65,2 anos, ou seja, o aposentado aos 65 anos estará no limiar da sua morte. Esse índice de 65,2 sobe para 68,3 para os que ganham até trés salários-mínimos. Gostaria de interromper aqui a minha exposigáo, mas estarei à disposido durante os debates. Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Agradego a exposigáo do Professor Lucival Costa, bem como a do Professor Fernando Rezende. Para iniciar o debate, gostaria de saber do Professor Fernando Rezende, em relagáo à questáo da reforma tributària, como ele vé a última proposta de emenda constitucional encaminhada pelo Governo, no sentido de eliminar 256 très contribuiçôes hoje existentes - sobre o lucro, PIS/PASEP e COFINS - e criar urna contribuiçâo sobre o valor adicionado; pensando nessa contribuiçâo, talvez, como mais adequada para o objetivo de se conseguir urna maior competitividade na estrutura produtiva do pais, pois ela poderia ser exonerável no caso das exportaçôes, e substituir com vantagem as très atuais contribuiçôes, que sao cumulativas. E, pensando nela também como urna possível alternativa para a graduaçâo da contribuiçâo sobre a folha de salários, especialmente no caso dos empregadores. Temos informaçôes de que, do ponto de vista de urna comparaçâo internacional, as contribuiçôes dos empregados sobre a folha de salários estâo acima da média internacional. Entáo, seria um mecanismo para superar as deficiências das atuais contribuiçôes cumulativas - faturamento, lucro e PIS/PASEP - e, por outro lado, um instrumento adicional para, quem sabe, balizar, através dessa contribuiçâo sobre o valor adicionado, a reduçâo correspondente da contribuiçâo dos empregados sobre a folha de salários, ajusfando as necessidades do financiamento da Seguridade Social. Gostaria de ouvir a sua opiniáo sobre essa proposta, a sua operacionalizaçâo e conseqüéncias para o atual sistema, em termos de dicotomía das fontes de financiamento, etc.. Fernando Rezende (Conferencista) - Considero um remendó. Certamente é melhor do que o que temos hoje, mas peca por tentar manter urna atitude que nâo vai fundo na discussáo do problema. Em primeiro lugar, a definiçâo da base da suposta Contribuiçâo do Valor Agregado (CVA) estava muito mais próxima de um imposto de renda disfarçado do que de um imposto de valor adicionado. Nâo poderia ser um imposto de valor adicionado, porque invade o campo de competéncia exclusiva dos estados. Como deixa implícito, do ponto de vista de tributaçâo, o valor agregado nâo está previsto específicamente na própria Constituiçâo. Em segundo lugar, se é para ser algo semelhante ao imposto de renda, preferiría que o fosse explícitamente, e que o Orçamento Federal cobrisse algumas parcelas de recursos previdenciários, para viabilizar a reduçâo dos encargos da folha de salários. Isto porque a proposta da CVA, ao substituir o FINSOCIAL, o PIS/PASEP e o adicional sobre o lucro, etc., nâo era viabilizar a reduçâo do encargo sobre a folha de salários mas, principalmente, o financiamento das outras áreas da saüde e da assisténcía, hoje em día parcialmente financiadas pela Previdéncia. Se o grande objetivo é efetivamente transferir a Saúde e a Previdéncia para o ámbito dos estados e municipios, a única maneira de nâo fazé-lo está em recriar a fonte de financiamento no plano federal. Trocar urna coisa pela outra, sem dúvida, melhora do ponto de vista económico, pois a contribuiçâo é melhor do que urna sobre faturamento. Considerando o objetivo de se reduzir o papel do Governo Federal, e com isso cortar efetivamente o cordâo umbilical entre a Previdéncia e os demais programas da área social, e viabilizar a transferencia para os estados e municipios, essa substituiçâo, ao invés de viabilizar, impede que isso aconteça. Enquanto houver recursos financeiros no plano nacional, nada irá acontecer em termos de descentralizaçâo, a nâo ser a descentralizaçâo do gerenciamento, como ocorre na área da Saúde, com o SUS. Mas, efetivamente, nâo a descentralizaçâo da política. Os interesses que 257 operarti em favor da centralizado sao muito fortes e ampiamente conhecidos. Como fato concreto, já citei o exemplo das emendas contrárias à extingào do INAMPS. Teñamos de extinguir essas contribuigóes, sem substituí-las. Extinguir o FINSOCIAL, o PIS/PASEP, e a contribuido sobre o lucro. E teríamos de mudar, de forma muito mais radicai, o perfil de financiamento do setor público brasileiro. Essa forma radicai consiste em redividir melhor o contribuirne, cuja anatomia cortada ao meio deixaria urna metade do corpo como imposto, e a outra como contribuido. Na verdade, as contribuigóes estáo crescendo mais do que a metade imposto. Eia alimenta 70% da Previdència, e o resto vai para a Saúde e a Assistència Social, enquanto a metade imposto está dividida em 40% para o Governo Federai, 30% para os estados, e 30% para os municipios. Isto significa que o contribuirne é dividido de forma que a Uniào fica com 3/4 dele, se for somada a contribuido mais os 40% de impostos. Para se utilizar urna imagem bem grosseira, os estados ficam com as pernas e o municipio com o dedo do pé. Discute-se ai a questáo de que os municipios e os estados náo tèm como sustentar os seus programas, porque náo há capacidade local de financiamento. Só que é exatamente o contràrio, já que existe capacidade, só que drenada pelos governos federal, principalmente, e pelo estadual, secundariamente, náo sobrando espago para o municipal. É preciso redividir o contribuirne. Ao invés de criar toda essa tentativa esotérica de novos impostos, precisamos parar de imaginar impostos. Há trés impostos clássicos: renda, consumo e propriedade; e os impostos de comércio exterior, os clássicos impostos náo-fiscais, com finalidade extrafiscal. O que o municipio brasileiro náo explora do IPTU é ampiamente conhecido. Se verificarmos a guia, constataremos que pagamos anualmente de IPTU, urna fragáo irrisoria do que se paga mensalmente de imposto de renda. Além disso, o municipio brasileiro usa pouquíssimo do que seria urna fonte fantástica de financiamento desses programas, que sáo as taxas que estáo à disposigáo do governo municipal, conforme previsto na Constituido. Seria muito mais simpática urna tese onde a saúde municipal fosse financiada através de urna taxa municipal de financiamento de servido de saúde, desde que, obviamente, o contribuirne pagasse menos imposto de renda, imposto sobre faturamento, IPI, etc.. Mas trata-se de urna mudanga radical no sistema, e duvido que estejamos preparados para perseguí-la. Dentro de urna ótica gradualista, a melhor solugáo seria manter a contribuigáo sobre a folha de salários. As alíquotas seriam reduzidas, a ponto de se ajustarem a um novo modelo previdenciário para extinguir os privilégios, diminuir o tempo de servigo, o teto dos beneficios, as triplas aposentadorias, e pudesse ser sustentado por urna aliquota - definida por um cálculo atuarial - sobre a folha de salários das empresas, menor do que a vigente hoje. Atualmente, quanto da contribuigáo sobre salários vai para outras áreas que náo a dos beneficios previdenciários propriamente ditos? Quando me lembrava dessas estatísticas, o índice era um tergo. Agora, deve ser menos. Voce tem esse número de cabega? 258 Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Nao. Algo em torno de 100% da arrecadagào bancària das contríbuigoes sobre a folha de salários destina-se exclusivamente ao pagamento dos beneficios. Na área da saúde, as redugóes estáo sendo cada vez maiores. Fernando Rezende (Conferencista) - Suponho que num modelo mais restritivo de privilégios isso possa ser contemplado. É razoável imaginamos que a Previdéncia pode conviver como seguro social estritamente beneficio, com financiamento exclusivo da folha de salários. Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Sem cogitar a redugáo das alíquotas das contríbuigoes vigentes hoje... Fernando Rezende (Conferencista) - A redugao das alíquotas teria de passar pela discussáo do salário-educagáo, das contríbuigoes patronais, do FGTS, ou seja, por enquanto, por outros caminhos. A contribuigáo previdenciária propriamente dita é de 20%. O resto é tudo que se empilha em cima da folha de salários, e, se possível, deveria ser retirado, a fim de reduzir a contribuigáo a ura nivel mais razoável do que o vigente e, efetivamente, promover urna política radical de descentralizagáo da Saúde e da Assisténcia Social na linha da estadualizagáo e da municipalizagáo. E, também, extinguir todo esse penduricalho das contríbuigoes sociais, sem criar nada em troca. Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Trata-se de urna mudanga que teria de ser vista, de estar encaixada - por isso insisti em tentar definir aquele arcabougo mais geral - dentro de um novo perfil do Estado, de um novo pacto federativo, e de um novo acordo do ponto de vista dos direitos sociais básicos que o Governo Federal, estados e municipios iráo garantir ao cidadáo brasileiro. Fernando Rezende (Conferencista) - Essa é a minha preocupagáo, porque a moldura náo está bem definida. Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Vamos sintetizar. A proposta seria a Previdéncia continuar com a Uniáo, basicamente financiada pelas contríbuigoes sobre a folha de salários. Fernando Rezende (Conferencista) - Náo com a Uniáo. A Previdéncia teria de ser independente. Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Autónoma? Fernando Rezende (Conferencista) - Na linha do sistema clàssico. A Uniáo, os empresários e os trabalhadores, dentro de urna gestáo compartilhada e com urna fonte pròpria de financiamento, que deve ser a fonte clàssica - a contribuigáo sobre salários. 259 Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Com urna estrutura federal, enquanto a Saúde e a Assisténcia Social seriam totalmente descentralizadas, financiadas por impostos municipais e gerida pelas administragoes municipais. Fernando Rezende (Conferencista) - Inteiramente. Além de acabar com esse mecanismo maluco de transferéncia de fundos, de convénios que nao há como administrar de Brasilia sem gerar ¡numeras distorgoes, para nao falar nos escándalos, corrupgoes e desperdicios. Estou absolutamente convencido de que é técnicamente possível. Ainda há, obviamente, um mínimo de consenso político. Só para completar, falta nesse debate um consenso prévio em torno de alguns principios. Há palavras de ordem, como privatizar, descentralizar, reduzir os privilégios. Fora elas, náo há um consenso em torno dos principios que orientaráo a revisáo da Carta Constitucional. Corremos o risco de fazer um negocio incoerente. Já náo há muita coeréncia hoje, e pode ficar pior. Tem de haver principios básicos de responsabilidade, garantía e visibilidade. O cidadáo brasileiro está absolutamente indignado com relagáo ao uso que o Governo faz do imposto que ele paga. A única forma de acabar com isso - náo adianta o Tribunal de Contas por um delegado na Receita Federal - é colocar a responsabilidade na mesma cañeta. Ou seja, o cidadáo que assina a autorizado do gasto para construir um novo hospital no municipio, também tem que assinar a autorizagáo da lei que irá aumentar o IPTU, e financiar aquele gasto. Se ele tiver de fazer ambas as coisas, irá pensar duas vezes antes de autorizar o gasto. A razáo é óbvia: cobrar imposto é um ónus político terrível; gastar é um bónus político fantástico. Quanto mais o gasto no municipio for feito com base no ornamento municipal, e que ninguém sabe de onde vem - é o que acontece com o fundo daqui", o de acolá, e o convenio "x" -, a persistir essa situagáo, a questáo da responsabilidade do governante e da rebeldía cívica do contribuinte, continuará tudo igual. Como exemplo, citarei a experiencia da Luiza Erundina na Prefeitura de Sáo Paulo, quando tentou fazer urna lei aumentando o IPTU, a fim de financiar um programa de obras no municipio. A lei foi totalmente rechazada p>ela populagáo - se é para criar imposto, náo precisa fazer obra nenhuma. Essa é a única maneira de se caminhar para a racionalidade do gasto, náo significando urna mudanza enorme do ponto de vista da concepgáo do financiamento do setor público. Por isso, é preciso discutir o padráo de financiamento do setor público, e como a reforma da Previdencia se encaixa nesse padráo. Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Já que o Dr. Rezende está falando do tema, gostaria de complementar e saber o ponto de vista dele. Originalmente, quando a Previdencia foi criada, a contribuido da empresa incidía sobre o lucro, e náo sobre a folha de salários. Depois, como forma de administrar a contribuido sobre o lucro, foi instituida a contribuido sobre a folha de salários, e a empresa passou a ter urna contribuido semelhante á do trabalhador. Com o avango da tecnología, há urna série de empresas que utiliza tecnología intensiva, e outras, máo-de-obra intensiva. Existe urna diferenga muito grande entre essas empresas. O Polo Petroquímico da Bahia, por exemplo, tem urna concentragáo de empresas com 260 altas taxas de lucro, mas com pouca absorto de máo-de-obra. Seria viável rever essa questáo da contribuito da empresa, ou seja, ao invés de incidir sobre a foiba de salários, incidir sobre o lucro? Fernando Rezende (Conferencista) - Na época da Constituinte, trabalhei no sistema de financiamento da Previdència, e defendi largamente a idéia da diversificato de suas bases de financiamento. Nào só por isso, mas, junto com todos os adeptos da idéia de que era preciso reduzir a dependència da Previdència em r e l a t o à folha de salários, porque nos ciclos recessivos o impacto era maior, etc., surgiu a idéia tripartite: urna parte sobre o salàrio, outra sobre o faturamente, e outra sobre o lucro. Na época, estava absolutamente convencido de que esse era um bom caminho. Hoje, estou convencido de que náo é mais. A situato mudou, do ponto de vista das prioridades, náo só no Brasil, mas também no mundo. A idéia da integrato competitiva è um fato do qual náo podemos nos alijar. A integrato aos blocos regionais se constituí numa necessidade cada vez mais premente. Se construímos um sistema impositivo radicalmente divergente do que está sendo praticado por nossos parceiros, por nossos vizinhos, iremos comprometer as possibilidades de crescimento da economia brasileira. Qualquer imposito adicional sobre o lucro significa urna fuga de capitais e sobre o faturamento, representando problemas de competitividade complicados. A folha de salários aínda é a base sobre a qual todos se apóiam, desde que a aliquota seja razoável. Claro que há empresas que tém muito capital. Por outro lado, temos o fato de que essas empresas geram, indiretamente, inúmeras atividades intensivas de máo-de-obra, comércio, servidos, etc.. No cómputo geral, a folha de salários tem demonstrado - e a história mostra isso que se constituí numa base de financiamento bastante eficiente, desde que a economia náo entre em colapso. Urna economia em colapso náo pode ser sustentada. Em urna economia posta de novo nos trilhos, com um crescimento mais suave, porém mais sustentado, será possível redefinir um seguro social com menos privilégios, financiado exclusivamente com urna contribuito sobre a folha de salários, num patamar compatível com a mèdia internacional. No entanto, a história pelo menos nos dá seguranza para fazer esse tipo de afirmato. Isso náo seria possível com o sistema vigente, dentro desta perspectiva demográfica explosiva. Já num sistema redefinido, náo vejo porqué náo daría. Paulo Machado - Gostaria de fazer urna pergunta ao Dr. Fernando Rezende. O senhor falou sobre a possibilidade de alienato do PIS/PASEP. Como ficaria o seguro-desemprego, embora sendo beneficio previdenciário administrado pelo Ministério do Trabalho e custeado com recursos do PIS/PASEP? A idéia seria passá-lo para a adminístrate da Previdència e mantè-lo com recursos previdenciários? Fernando Rezende (Conferencista) - Me expressei mal. Nao devemos acabar com o seguro-desemprego, mas com essa contribuito para o PIS/PASEP, que passou a ser a base de financiamento desse seguro. Por ser urna contribuito, torna-se indesejável, do ponto de vista do funcionamento do sistema econòmico. O seguro-desemprego teria de ser financiado por urna contribuito específica. Temos de redefinir a sua fonte de financiamento, aproveitando algumas 261 idéias já langadas a respeito, e que poderiam ser melhor trabalhadas. Todavía, nao tenho urna opiniào concreta. Durante algum tempo, chegou-se a pensar que urna fonte de financiamento do segurodesemprego poderia ser, por exemplo, urna contribuido das empresas, escalonada em fundo de acidentes de trabalho e da rotatividade da mào-de-obra. Tenho sérias dúvidas quanto à operacionalizagáo de urna proposta dessa natureza, embora a idéia seja atraente. Seria penalizar mais aquelas empresas que praticarci urna politica trabalhista muito rotativa, de dispensas e contratares. A operacionalizagáo é complicada. Preferiría que isso fosse negociado entre trabalhadores, Governo e setor produtivo, e fosse redefinido um mecanismo de segurodesemprego, administrado à margem do sistema previdenciário, para que urna coisa nào contaminasse a outra. A contribuido, se nào for possivel definir urna soludo dessa natureza, poderia perfeitamente incidir mais sobre os resultados da empresa, do lucro operacional ou outra base qualquer, do que sobre o faturamento ou, ainda, que fosse urna mistura da contribuido sobre o resultado operacional ou sobre o valor agregado, definida num índice bem pequeño. Estamos convencidos de que devemos eliminar completamente qualquer contribuid 0 que onere a produdo, o investimento, a exportado e o faturamento, como regra básica da modernizado desejada no campo tributàrio impositivo. As bases que sobram sáopoucas: salàrio, renda, consumo, valor agregado e lucro. Seria necessàrio pensar numa composigáo com urna base definanciamentoque pudesse ser negociada, e viabilizasse um plano de seguro-desemprego, inclusive melhor do que o existente. Na época que estudei a questáo, o seguro-desemprego vigente nào era grande coisa, do ponto de vista da protegáo oferecida ao desempregado, embora fosse um bom negócio do ponto de vista do BNDES. Na verdade, o grande detentor do PIS/PASEP é o BNDES, e náo o trabalhador. Quando se fala em extinguir o PIS/PASEP, náo se vé nenhum movimento sindical brigando para segurólo - apenas o BNDES. Isso é urna inversáo absoluta ou o seguro-desemprego vigente realmente nào atende em nada ao trabalhador. É tanta burocracia que o trabalhador tem de apresentar para ter acesso a um beneficio - que é urna fragáo irrisòria do seu salàrio - por très ou quatro meses, para depois passar um tempo para obter a renovado, que ele acaba optando pelo mercado informal onde, provavelmente, obtém melhores ganhos do que com o seguro-desemprego. Essa questáo tem de ser avaliada dentro da perspectiva que considere até que ponto o sistema atual atende os trabalhadores. Se os trabalhadores nào estào brigando por ele, é melhor que náo exista. Temos de pensar ñas fontes de financiamento de investimento a longo prazo. Os trabalhadores, hoje, brigariam muito mais por algo que viabilizasse urna política de investimento, bancada parcialmente pelo setor público, em colaborado com o setor privado, e que permitisse a criado de empregos. É preciso combater o desemprego através da geragáo de empregos, e náo pela via do pagamento. O que é isso? Náo entrei em detalhes, porque isso foge do objeto específico da discussáo. Deveria estar previsto na Constituido, além da criado de très impostos básicos, fundos vinculados a investimentos públicos em infra-estrutura. 262 Esse é o caminho para evitar a nossa passagem para o territòrio africano, nos próximos dez anos. Se nao houver investimientos pesados em comunicagóes, transporte, energia e infraestrutura urbana, daqui a pouco, o país pára. Essa é a grande fonte de geragào de empregos. É preciso recriar, no plano nacional, um fundo de investimento para infra-estrutura, o qual pode ser a grande fonte de financiamento do BNDES. Nào tenho urna receita para o segurodesemprego, ainda que ache que precisaríamos analisar isso dentro do contexto mais geral. Adinaldo Luiz Martins - Vou dirigir meu questionamento ao professor Rezende, pois o professor Lucival já fez urna exposigáo anteriormente, e várias dúvidas foram sanadas. Gostaria que o professor Rezende explicasse um pouco mais como se daría essa regionalizagào da Previdència Social. Seria através da instituigào de um salàrio-minimo regional, ficando o beneficio em fungào desse salàrio? Como isso se daría, senáo via salàrio-minimo diferenciado? De certa forma, nào haveria dificuldades para essa operacionalizagào, porque se estaría limitando a pessoa a determinada regiào, e eia perdería o direito de ir e vir? Fernando Rezende (Conferencista) - É urna provocagào para a qual nào tenho respostas prontas e acabadas. Está na linha de urna tese que tenho discutido muito e tentado trabalhar mais objetivamente, e consiste no ponto de que esta revisào da Constituido terá de enfrentar o problema da Federado. Náo é à toa que temos visto movimientos separatistas, nào apenas no Rio Grande do Sul, mas também no Norte e Nordeste - que a imprensa às vezes explora como um movimento neonazista. Nào é bem assim. Basta viajar para o Sul para se ver que a coisa é um pouco mais sèria do que está sendo apresentada. Na verdade, seria ótimo para a Amazonia desligar-se do Brasil. Todo o resto do mundo está interessado na Amazonia. Se fosse criado um país à parte, ele seria integrado ao Mercado Comum Norte-Americano, deixando a preservado ambiental e o pessoal da Amazonia satisfeitíssimos. O Brasil é que perde, porque é país com um territòrio de oito milhòes de quilómetros quadrados; a Amazonia è dois tergos desta área. Falar em separatismo significa perder dois tergos do territòrio. Dai, ficamos iguais à Argentina, e perdemos a importancia para o resto do mundo. A questáo da regionalizagáo está na linha da idéia de que é preciso enfrentar a questáo federativa, pois espago existe para construir urna Federagáo de verdade, náo um arremedo, como temos desde as nossas origens. Uma Federagáo que tenha algumas regras distintas nos vários campos, como da política salarial, dos direitos trabalhistas, e do seguro social. É claro que ai se levanta um problema complicado: até que ponto será necessàrio criar um sistema diferenciado do ponto de vista de direitos e deveres? Dificultando-se a circulagáo do trabalhador dentro do territòrio brasileiro. Por outro lado, pode-se pensar nos aspectos positivos. Comegando a refletir mais sobre a questáo, encontra-se urna solugáo; mas no momento, nao tenho uma. No entanto, existem aspectos positivos. A pròpria pesquisa do Lucival Costa mostra o individuo, segundo a história previdenciária do cidadáo brasileiro, que chega ao final da vida e náo consegue comprovar nada. Ele será aposentado por velhice; se se aposentar. Nesse aspecto da circulado, a velhice seria mais ou menos garantida, de qualquer maneira, por todos. 263 O lado positivo é que o Brasil se encontra em urna situagáo de graves problemas de migragáo, provocados pela absoluta ausencia de condigòes ñas regiòes de fronteira, ñas regiòes mais longínquas, mais pobres, com urna transferencia do problema de lá para cá. Sente-se isso principalmente em Brasilia, em Sao Paulo, e no Rio de Janeiro, devido ao processo migratòrio em busca de novas oportunidades. Como problema nào é resolvido lá e nem equacionado aqui, as coisas se complicarci. Teoricamente, o direito é o mesmo: os empregados na zona franca de Manaus ou ñas industrias de Belém do Pará pagam 8, 8,5 ou 10%, e as empresas pagam mais 10% para ter os mesmos direitos do trabalhador da PETROBRÁS, da Vale do Rio Doce, e das multinacionais. Com tal imposigáo, cria-se urna situagáo na qual o ònus imposto em todas as partes do Brasil é o mesmo, os direitos, em tese, sáo os mesmos, embora, na pràtica, sejam diferentes, por urna sèrie de fatores, como a instabilidade no emprego. Também pelas próprias condigòes sociais, que explicam diferengas de expectativa de vida muito distintas por regiáo. Do ponto de vista da Previdéncia e da Saúde, os custos de sustentagáo dos beneficios sáo mais elevados ñas regiòes mais desenvolvidas, em comparagáo ás menos desenvolvidas. Existe em Sáo Paulo, por exemplo, urna estrutura salarial de distribuigáo de renda onde o topo superior, proporcionalmente, é muito maior do que na Amazònia, onde o grosso salarial está embaixo. Isso significa o qué? Se a perspectiva de acesso aos beneficios é muito maior em Sáo Paulo, e se o custo para sustentar os ¡nativos e os outros beneficios do seguro social sáo maiores, em fungáo da distribuigáo de salários, o custo está sendo regionalmente igual, mas com um acesso concreto aos beneficios muito diferenciado. Ainda nào examinei o assunto, mas pode estar acontecendo urna redistribuigáo regional muito perversa, por dois lados: há o lado de um custo homogéneo, com acessos reais muito diferenciados; e o da imposigáo desse custo, calculado com base no atendimento prestado em Sáo Paulo. Isso em se tratando de beneficios; se pensarmos em saúde, a situagào fica ainda pior. O custo dos programas de saúde cresce em fungáo do envelhecimento da populagáo, dos problemas da urbanizagáo, e da psicose urbana. Conforme o raciocinio de que os custos e as contribuigòes váo sendo elevados paulatinamente, para atender a urna pressáo de custo sobre o sistema, originada muito mais no Centro-Sul desenvolvido do que no Norte e Nordeste subdesenvolvidos, os custos do sistema estáo sendo aumentados unilateral e uniformemente. Com isso, inviabiliza-se a implantagáo naquelas regiòes de atividades mais intensivas de máo-de-obra, pois elas só poderiam se beneficiar na medida em que lá fosse mais vantajoso empregar máo-de-obra. Do ponto de vista dos desequilibrios sociais e regionais, cria-se urna situagáo altamente perversa. Existe, eventualmente, espago para se discutir um mecanismo no qual as contribuigòes poderiam ser regionalmente diferenciadas, assim como o salàrio-minimo. Se eu estiver correto, o argumento para isso é que os custos e os direitos, e o acesso aos direitos sáo diferenciados. Náo sei até que ponto isso é viável, nem se é constitucional. Como estou falando de revisáo da Constituigáo, vale tudo. Todavía, do ponto de vista do deslocamento da máo-de-obra no espago 264 brasileiro, ainda nâo pensei no assunto. Trata-se de um ponto importante, e seria interessante dedicar um pouco de esforço intelectual para refletir sobre ele. Há várias propostas na linha da privatizaçâo da Previdência e de sua autonomia, que caminham no sentido de montar até sistemas específicos para categorías profissionais. Na verdade, já foi assim no passado. De repente, ocorreu-me que poderia ser urna idéia, no que tange às diferenças regionais. Quando tiver um argumento mais sólido a respeito, sem dúvida, irei apresentá-lo. Marcelo Viana Estevào de Moraes (Coordenador) - Vejo dois pontos nessa questâo. Do lado social, seria urna coisa e, do atuarial, outra. Se as pessoas se aposentam por idade, é porque nao contribuíram ao longo de suas vidas, na verdade, por urna questâo de traballio informal. Do ponto de vista atuarial, nâo fariam jus a esse beneficio. Mas ai entra a questâo social. O Estado de Goiás, englobando Tocantins, até o ano passado, era superavitário; agora, passou a ser deficitàrio: a arrecadaçâo nâo cobre o pagamento dos beneficios, e é o estado de Sâo Paulo que está sustentando Goiás. Embora as pessoas estejam se aposentando e tendo mais oportunidade de se aposentar por tempo de serviço, no curto prazo, essas pessoas contribuíram e terâo beneficios. Como a expectativa de vida do brasileiro está aumentando, o problema maior está no longo prazo. Fernando Rezende (Conferencista) - Tudo isso é complicadissimo. Primeiro, nâo é bem assim essa questâo de que Sâo Paulo é que está pagando. Quem recolhe boa parte das contribuiçôes previdenciárias sâo as empresas, cujas sedes estáo em Sâo Paulo, mas, certamente, quem está pagando é o consumidor brasileiro. Seria preciso recalcular a distribuiçâo da arrecadaçâo por estado, em funçâo do consumo estadual. Sâo Paulo é o grande Estado superavitário na balança de comércio. Mas Goiás, paga direito as suas contas, talvez até mais do que sugerem os números atuais. Outra coisa é a complicada questáo atuarial. O contra-argumento é que, quando se cria o custo uniforme, que está inchado, por urna pressâo de atendimento muito mais concentrada ñas áreas mais desenvolvidas, induz-se ainda mais a informalizaçâo das relaçôes de traballio ñas regiôes mais pobres. Nâo só se limitam as possibilidades de emprego, como se induz a informalizaçâo, que já aconteceu, aliás, por força da unificaçâo do salàrio-minimo. E, certamente, há também um fator adicional de estímulo em cima da contribuiçâo salarial. Hoje, o pessoal da zona franca de Manaus tem a convicçâo absoluta de que nâo sobrevive à política de abertura comercial, por várias razôes. Nâo só porque já estáo defasados tecnologicamente, mas também porque a fronteira do eletro-eletrónico está se deslocando do Sudeste asiático para a China. Pelos dados de que eles dispóem, o custo da máo-de-obra na China é dez vezes menor do que em Manaus. E claro que o problema nâo é só esse, pois o encargo social atual do Brasil se constituí em um problema efetivamente sèrio, enquanto política de competitividade, de integraçâo, de emprego, que rebate, por conseqüéncia, na pròpria questâo social. 265 Do ponto de vista atuarial, nào sei se é viável a reformulagào de um sistema que vè o perfil da populagào da Amazonia, da nordestina, e da do Sul, e discute um plano previdenciário com contribuigòes diferenciadas, em fungào de custos de prestalo de servidos e custos atuariais distintos, inclusive, porque as tendèncias sào diferentes. O envelhecimento da populagào está aqui e náo lá. A pressáo dos custos de saúde também. Vale a pena pelo menos discutir um pouco esse assunto, para ver se há ou náo espago para trabalhar. Pode ser que náo haja. Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - A uniformizagáo da relagáo de traballio ñas Regiòes Sul e Sudeste é muito maior do que no Norte e Nordeste. Conseqüentemente, existe urna massa de trabalhadores que náo contribuì para a Previdencia, que náo tem carteira assinada. Mas ocorre que, até a promulgagáo da nova Constituigáo, havia um requisito de 60 contribuigòes para a pessoa se aposentar. Dai, o índice de autónomos que se aposentavam na Regiáo Nordeste, por exemplo, ser muito grande. Urna análise feita em Salvador indicou que a maioria era constituida por donas de casa. Até pode ser que a atividade exercida fosse realmente de prendas domésticas. Mas é interessante observar que comegaram a contribuir exatamente cinco anos antes do pedido de aposentadoria. Entáo, o sistema de 60 contribuigòes mensais simplesmente facilitava a situagáo e estimulava as pessoas, com a proximidade da velhice, a comegar a contribuir na condigáo de doceiras, costureiras ou outra atividade exercida no àmbito do lar, verdadeira ou nào. Isso, sem dúvida, com ònus para a Previdéncia. Fernando Rezende (Conferencista) - As diferengas de expectativa de vida por regiòes é um fator sempre levantado. Por que o limite para aposentadoria é de 60 ou 65 anos? Por que nào adotar a fórmula 75, 95 ou 110? Em grande parte do Nordeste pobre, as pessoas envelhecem precocemente, ao contràrio do Nordeste próspero. Na Amazonia, é ainda pior, pois o envelhecimento é muito mais precoce. Nào sei até que ponto é possível regionalizar o critèrio do limite de idade e, conseqüentemente, colocar urna cunha na discussáo da regionalizagáo do sistema. Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - A polèmica é importante e, por isso, estamos aqui. Com a palavra, agora, o Dr. Beskow, da Secretaria da Previdéncia Social. Luis Fernando Beskow - Gostaria de fazer um comentário sobre a última colocagáo do Dr. Fernando Rezende, sobre as fórmulas 75 e 95. Estamos há praticamente dois meses discutindo temas e assuntos interligados á Previdéncia Social e, cada vez mais, estou convencido de que tudo é urna grande balela. Se é 95, 65 ou 30, nao importa. Em Dubai, o sujeito se aposenta aos 15 anos, porque o petróleo paga. O que falta resgatar é a questào da volta do desenvolvimento económico, e a retomada do investimento produtivo, de um processo de reforma agrària mais objetivo. Enfím, é todo um processo que faga com que a riqueza possa ser novamente gerada e redistribuida. Esse é o ponto básico. Além da Previdéncia Social e de todas essas questòes sociais que envolvem a dinàmica da sociedade, ainda assim, o argumento sociológico do homem é a melhoria da sua condigáo de vida. É a diferenga entre a aspiragáo recebida todos os dias pela televisáo e demais meios de 266 comunicaçâo, a sua aspiraçâo permanente, e a capacidade do Estado gerar algum vetor mínimo, para que eie possa se satisfazer dentro da sociedade em que vive. A minha dúvida é sobre a fragmentaçào ou reduçâo do processo de unificaçâo, ou dos grandes processos sistêmicos de administraçâo, de distribuiçâo de renda, entre os quais está a Previdencia, pois um sistema adequado de saúde seria outra questâo. Em determinado momento, parece que o senhor sugeriu que a volta a estruturas menores, mais enxutas, regionalizadas, e de administraçâo de programas sociais, entre elas a Previdencia, a Saúde, e até a Assisténcia Social localizada, seriam mais positivas e melhor administradas. Peço ao professor que comente um pouco mais sobre a minha dúvida de que a sociedade nâo caminha para esse lado, mas para que os sistemas sejam cada vez mais abrangentes, com maiores ganhos de economia de escala. No Brasil, efetivamente, tudo é muito estranho: quanto maior, mais perdulário. Fernando Rezende (Conferencista) - A questâo nâo é defender um sistema totalmente fragmentado e descentralizado, em contraposiçâo aos sistemas centralizados e unificados construidos ñas últimas décadas. Recentemente, vi urna matèria, numa revista nâo muito especializada, sobre o debate que se trava nos Estados Unidos a respeito da reformulaçâo do seguro-saúde. Como sempre, a questâo colocada é que o sistema está falido; os recursos nâo sáo suficientes para suportar os custos cada vez mais elevados do tratamento médico, cada vez mais especializado; e a economia nâo suporta os financiamentos, pois as empresas de seguro tém de aumentar continuamente os seus prémios. Foi feita uma pesquisa para analisar o que estava acontecendo a nivel do universo das pessoas que optavam por ingrossar no sistema de seguro-saúde, considerando que os norteamericanos tém consciéncia de que ficar doente na América do Norte, sem um seguro, significa estar morto, por definiçâo. A pesquisa constatou que a grande maioria dos jovens optava por nâo ingrossar no sistema, por nâo estar disposta a pagar um prèmio calculado para atender, obviamente, às grandes demandas da populaçâo idosa, que là é muito grande. Como o cálculo do prèmio ocorre em funçâo disso, a opçâo era por ingressar mais tarde no sistema, pois na faixa dos vinte ou trinta e poucos anos, as chances de se contrair uma doença grave sâo muito menores e, no caso de pequeños problemas, o salàrio teria condiçôes de cobrí-los. Em outras palavras, existe a escolha entre bancar um contrato de cobertura de um risco futuro e a utilizaçâo do dinheiro para atender a outras prioridades. Isso é a mesma coisa do ponto de vista da regionalizaçâo, numa outra perspectiva. Na medida em que se força todo mundo a ter um prèmio, uma contribuiçâo calculada em cima de um custo mais elevado, de certa maneira, cria-se situaçôes diferenciadas. Náo estou propondo a fragmentaçào absoluta, mas pelo menos a discussáo, sem quaisquer preconceitos, das possibilidades de se promover reformas mais profundas em toda a estrutura do Estado, e em todas as políticas de proteçâo social, aproveitando o momento da revisáo constitucional. 267 Nao concordo com a sua observado de que os sistemas centralizados, unificados e integrados constituem solugòes mais adequadas para garantir escalas e reduzir custos. Em tese, isso é verdadeiro. Mas, o mundo nao está mais se comportando dessa maneira. A tentativa verificada no plano mundial contempla a integrafo dos grandes interesses comerciáis e a autonomia das provincias, do ponto de vista da a?áo do Estado, nos programas sociais. Isso acontece principalmente na Europa, com um maior grau de liberdade para as provincias atuarem nesse sentido. Na verdade, o Estado nacional se enfraquece, na medida em que o Estado supranacional se fortalece e a provincia, entendida como etnias ou náo, tende a ganhar status e um pouco mais de autonomia do que tinha em relado áquele primeiro. O Brasil tem condi?5es históricas e particulares para seguir essa trilha. Sabemos que, além de determinada escala, os problemas de administrado e controle, até na empresa privada, tornam-se mais onerosos do que os ganhos de escala obtidos pelo aumento de tamanho. Nesse sentido, a discussáo no campo do seguro social apresenta muito mais reservas no que tange ao grau de autonomia que possa ser concedido. O mesmo náo ocorre, no entanto, com os programas de saúde e de assisténcia social. Ai, requer-se muito mais ousadia, pois a questáo é dar ao municipio condicjòes efetivas de desenvolver esses programas localmente. Existem inúmeras evidencias empíricas que demonstram que a municipalizagáo para se construir a rodovia vicinai, o posto de saúde, a escola, e a creche, reduz o custo operacional do empreendimento. O que se fez no Brasil foi o contràrio. A estratégia do SUS é a descentralizado de cabera para baixo. Inventou-se a estratégia da industrializado, transferindo para os municipios os custos federáis, dentro da idéia da isonomia, da remunerado de todos os recursos humanos da área de saúde. Quando se fez a isonomia, fez-se ao contràrio. Pretendia-se garantir ao médico estadual e ao municipal o padráo salarial do federal, do INAMPS, da Previdéncia. Ao invés de reduzir custos, o que se fez foi aumentar todo o custo do sistema. Exatamente o contràrio do pretendido pela descentralizado efetiva. Ou seja, o municipio se encarrega disso e o padráo salarial do médico pode ser mais baixo do que o do médico da capital k, pois os custos de moradia, de transporte, sao diferentes. A lógica consiste exatamente em aproveitar as diversidades, e seguir a tese da unicidade, de modo relativamente cegó. Quando afirmei que estamos numa encruzilhada é porque, em 1988, tivemos o corolário de um processo que comegou em 1920, com a história da Previdéncia. Foi a integrado total do sistema, a adodo do conceito de seguridade em substituidoao conceito restrito de previdéncia, a unlversalizado consagrada na Constituido, a unicidade de direitos, vantagens e obrigaQÓes. No entanto, as teses surgidas em vários fóruns onde se discute Previdéncia sáo opostas. Sáo teses de separado, náo de integrado. A Previdéncia está ficando contaminada. Ao invés da tese da diversificado das bases de financiamento, surge a tese da fonte exclusiva, se possível com a base de salàrio como fonte exclusiva de financiamento previdenciário; ao invés da tese da unicidade, a tese da diversidade; e, ao invés da universalizagáo do atendimento, a fragmentad 0 do acesso, conforme condigóes especiáis, setoriais ou regionais. 268 Para concluir, a maneira correta para se fazer a reforma da Previdência tem, necessariamente, que incluir a reforma da Saude, da Assistência e dos outros programas sociais, pois a história é a mesma e todos eles sempre andaram juntos. Jamais podemos ignorar a história impunemente, em qualquer processo de transformaçâo. Marcelo Via na Esteväo de Moraes (Coordenador) - Temos urna questäo para o Prof. Lucival Costa, que diz respeito à pesquisa por ele iniciada, no Rio de Janeiro e Salvador, e depois estendida para outros estados. A partir dessa pesquisa é possível extrair evidências de que o acesso aos direitos, iguais na Constituiçâo, na pràtica, sâo diferentes? Há muitas evidências de que essas diferenças sâo distintas por regiâo? Esse acesso é distinto por regiâo? Lucival Costa (Conferencista) - Acredito que sim. Conforme a pesquisa, temos dados das regiôes metropolitanas de Salvador, Rio de Janeiro, Natal e Manaus, e estamos concluindo o levantamento das regiôes metropolitanas de Sao Paulo e Curitiba. Na verdade, a diferenciaçào regional existe, por exemplo, no item arrecadaçâo versus despesa com beneficios, em muitos estados. Levando isso em conta, muitos estados do Norte e Nordeste recebem mais do que arrecadam. Evidentemente, ai o Fernando Rezende tem toda a razâo. A parcela das empresas já é consensual entre os economistas. É urna parcela repassada pelas empresas, através de seus produtos e serviços, para toda a sociedade. Onde quer que alguém esteja consumindo nesse pais, estará pagando a Previdência Social. Mas, existe a diferenciaçào em termos de beneficios, determinante do mercado de traballio. Entre Salvador e Rio de Janeiro, por exemplo, existe urna pequeña diferenciaçào no acesso à aposentadoria por tempo de serviço e por velhice, muito determinada pela estrutura de renda de Salvador, que é mais concentradora do que a do Rio de Janeiro. O parque industrial de Salvador, onde há o pòlo petroquímico, o centro industrial de Aratu, e a PETROBRÁS exercem um papel de ponta na economia, enquanto no Rio de Janeiro ele é mais tradicional, com as empresas gráficas, de construçâo civil, industrias metalúrgicas, etc.. Assim, a pirámide de concentraçâo de renda é muito maior do que no Rio de Janeiro, refletindo-se ñas aposentadorias. Na minha exposiçâo, fiz referência à aposentadoria por invalidez, ou B-32, e ao auxíliodœnça, ou B-31. Na análise porcentual da populaçâo economicamente ativa, em alguns estados do Nordeste, a proporçâo de concessáo desses beneficios é maior do que em Curitiba, Sáo Paulo, etc.. Deduzo, entäo, que esses beneficios sáo usados como um seguro-desemprego disfarçado, urna assistência social, ou coisa desse tipo. Existe urna diferenciaçào. Antes, disse que considerava muito pequeño o prazo de carencia de 60 meses para a obtençâo de beneficios da Previdência. A aposentadoria por velhice de pessoas que provavelmente náo trabalhavam, e que resolveram contribuir a partir dos 55 anos de idade, justamente para obter algum tipo de beneficio, onerou muito a Previdencia nos estados nordes tinos. Marcelo Viana Esteväo de Moraes (Coordenador) - Ao encerrar os trabalhos de hoje, agradeço urna vez mais aos palestrantes e a todos os participantes. 269 A PREVIDÈNCIA SOCIAL E O SERVIDOR PÚBLICO HELIO PORTOCARRERO^ Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - O conferencista de hoje é o Prof. Hélio Portocarrero, Economista, professor de Economia da Faculdade de Santa Úrsula, e exsecretário de Previdència Complementar deste Ministério, atualmente, integra o Conselho de Gestáo da Previdència Complementar. Com a palavra, o Dr. Portocarrero. Hélio Portocarrero (Conferencista) - O tema "A Previdència e o Servidor Público", em si, é relativamente simples. A Constituid 0 define muito bem o regime previdenciário do servidor público, aposentado por tempo de servigo com proventos integráis. Essa definigáo clara e evidente vem sendo criticada, hoje, por razóes conhecidas. Primeiro, porque esse tipo de regime previdenciário, naturalmente, náo se estende à populagáo como um todo. No entanto, é impossível conceder aposentadoria com proventos integráis a urna populagáo inteira, que nem mesmo tem proventos regulares conhecidos. Portante, configura um tipo de beneficio que náo pode ser extensivo a todos. Essa náo è, necessariamente, urna questáo táo complicada. A sociedade concede, efetivamente, determinados privilégios a certos cidadáos e abre a possibilidade de se proporcionar esse privilègio ao servidor público, a urna categoria, por exemplo, de servidor público e náo a todos, aos servidores federáis e náo aos estaduais. As constituigoes definem os direitos e em nenhuma sociedade os direitos económicos sao exatamente eqiiánimes. Nesse caso, portante, a questáo da eqüidade, apesar de muito importante, náo è o ponto de preocupagáo. Definida urna categoria de direito, náo se pode alegar que alguèm tenha e outro em situagáo idèntica náo. O direito è geral, mas para urna categoria definida como tal. A questáo mais preocupante e sèria è a dos orgamentos públicos. Em 1989, foi realizada urna projegáo sobre a folha de pagamentos do Estado de Sáo Paulo. Os dados indicaram que, em 1986, mais de 50% da folha seria de aposentados. Esse è um problema grave, pois a pròpria Constituigáo determina um gasto máximo de 65% do orgamento com pessoal. Os servigos públicos sáo intensivos em termos de pessoal. Basicamente, a educagáo, a saúde, o atendimento previdenciário, por exemplo, requerem pessoas para o seu funcionamento, como a seguranga, */ Palestra realizada em 17 de junho de 1993. 271 que exige um grande número de policiais. Conseqüentemente, o peso muito grande dos inativos sobre as folhas nao permitirá aos estados, municipios e nem mesmo ao Governo Federal a expansao dos servidos ou, pelo menos, a manutengáo do nivel necessàrio à populagáo. O atual regime levará a urna degradagáo do servilo público, necessariamente. No futuro, isso significará também a provável degradagáo do provento do servidor público. Esse provento, que já está degradado, tenderá a degradar-se ainda mais. Como sempre, é urna questáo fiscal. Seja qual for a questáo social, está vinculada à questáo fiscal. Nenhuma sociedade, no entanto, consegue resolver integralmente seus problemas sociais, pois nunca sáo resolúveis. Quando Lula era dirigente sindical, em um discurso brilhante, perguntava o que trabalhador deseja. O trabalhador deseja tudo o que o burgués possui, e também a igualdade. Isso é impossivel em urna sociedade dividida em classes. Se é impossivel ter tudo, urna sociedade razoável proporciona e garante, pelo menos, o mínimo. O Brasil, contudo, náo oferece sequer esse mínimo social razoável. O fato é que se deseja tudo. A luta social e económica constituí urna luta por direitos de rendimentos e sobre partes da produgáo nacional. O que o servidor deve receber em sua inatividade náo causa muita preocupagào, pois receberá o que a sociedade definir como devido. A situagáo econòmica, porém, pode levar a sociedade a reduzir cada vez mais o que é devido, evidentemente, considerando determinada base fiscal. Para se fazer de outra forma, torna-se necessàrio cobrar mais imposto. O regime adotado pela Previdéncia Social é o de pagamento dos proventos dos servidores inativos, o de reparti gao, o regime de caixa onde o que se arrecada é pago. No caso do servidor público, a situagáo é idèntica. Arrecadam-se os impostos e há urna pequeña contribuito do pròprio servidor, que tampouco tèm importáncia, pois poderia ser integralmente coberto pelo Tesouro. O que realmente importa é a base fiscal determinar o que será pago, no futuro, a essas pessoas. Caso a base fiscal se deteriore, reduz-se o pagamento. Como o direito está definido, e o inativo recebe igual ao ativo na mesma situagáo, futuramente, o provento do servidor ativo cairá. Esse é um ponto importante e deve ficar bem claro, configurando a razáo econòmica da necessidade de se encontrar urna solugáo para a questáo da previdéncia do servidor. A atual Constituido pode servir de guia para se encontrar essa solugáo. Náo é necessàrio alterá-la na definigáo dos proventos do servidor, para introduzir, por exemplo, que o servidor terá de justificar 40 anos, ao invés de 30, ou que se aposentará aos 75 ou 80 anos. Sáo propostas que náo faráo muita diferenga. Caso se defina a concessáo de apenas 80% e náo do salàrio integral, de qualquer forma, surgirá o problema do financiamento. Essa é a questáo básica, que tem de ser resolvida, e constituí um problema económico, vinculado á reagáo da economia. No Brasil, a crise da Previdéncia Social é económica. O país experimentou urna evolugáo demográfica e urna recessáo durante dez anos, que ainda poderá perdurar por mais algum tempo. Portanto, a crítica ao regime de aposentadoria do servidor público é urna questáo económica. E a deterioragáo econòmica influenciará os salários dos servidores ativos, no futuro, e também o nivel dos servigos públicos. A economia brasileira náo está crescendo, mas a populagáo sim. Portanto, os servigos públicos teráo de atender também a esse aumento populacional. 272 A situalo é muito difícil de equacionar. E para se obter um equacionamento satisfatório, a solugào passa pelo financiamento do regime de aposentadoria. A minha proposta consiste em substituir o financiamento por repartido pelo regime de financiamento por capitalizado. Na verdade, por um regime misto, pois a capitalizado nunca poderi ser integral. Os servidores de boje, poT exemplo, iráo se aposentar em algum momento. Mas, até agora, sem nenhuma contribuido capitalizada. O Estado tampouco capitalizou qualquer contribuido para esses servidores. Portanto, mesmo que comecem já a capitalizar a contribuido, para atender ao preceito constitucional de manter na vida inativa o mesmo nivel salarial, isso é impossível, e constituí urna mudanza para o futuro. O regime misto terá de prevalecer durante muito tempo. Décadas depois, poderá tornar-se um regime por capitalizado. Nesse caso, será semelhante à previdéncia privada, fundos de pensáo, regimes capitalizados. E náo pode ser de outra forma, pois a questáo fiscal das contribuidles também depende da capacidade contributiva. Náo se pode propor, por exemplo, urna contribuido de 50% do salàrio para um fundo de pensáo, porque ninguém contribuirá. Portanto, ao comegar a contribuido para um fundo, ao mesmo tempo, a Uniáo, os estados e os municipios garantem a parte de repartido nessa composido do pagamento e os servidores pagam a outra parcela. Essa parcela vertida para o fundo requer também certa transparencia. Evidentemente, significa urna redugáo no salàrio líquido, mas corresponde á formado de um direito no futuro. É importante a composido das contribuigóes, onde urna parte vem diretamente do Tesouro, do fisco em geral, da sociedade como um todo, e outra do servidor. Urna parte será tratada em regime de repartido, exatamente como ocorre hoje, e a outra complementada pelo fundo. A curto prazo, a vantagem do fundo só existe se houver alguma acumulado de imediato. A Uniáo, os estados e os municipios sao muito ricos e possuem um patrimònio muito grande. Boa parte desse patrimonio poderia ser transferida, por lei, para esse fundo de capitalizado. E a contribuido fiscal efetiva, que sai do imposto, além da pròpria contribuido dos servidores, náo precisariam ser táo elevadas. Atualmente, o sistema de previdéncia complementar abrange cerca de dois milhòes-de pessoas, muito pouca gente. Se forem criados fundos de pensáo para os servidores públicos, evidentemente, esse número aumentará muito. Só a Uniáo tem em torno de 600 mil servidores, e os estados e municipios outro tanto. Esses fundos de pensáo seráo riquíssimos. Nos Estados Unidos, o maior fundo é o dos professores, o segundo o dos servidores do Estado da Califórnia, o terceiro o do Estado de Nova Iorque e o quarto o dos servidores da cidade de Nova Iorque. Sáo os maiores fundos de pensáo americanos, superiores aos das grandes empresas. Isso é compreensível, pois um Estado grande como a Califórnia emprega muito mais do que urna grande companhia. No Brasil, será a mesma coisa. Se o Estado de Sao Paulo, por exemplo, decidir criar um fundo de pensáo antes da Uniáo, será o maior do país. O Estado do Paraná está iniciando urna experiéncia de capitalizado parcial, urna espécie de regime misto, num passo muito importante para a reforma do modo de financiamento do regime de aposentadoria dos servidores públicos. Realmente é revolucionário, pois exerce também um efeito econòmico, o da capitalizado sobre a economia como um todo. A esséncia 273 da idéia da capitalizado é a entrada desses recursos no fundo, que os aplica em projetos com resultados económicos. Evidentemente, podem existir certas distorgòes. O Estado de Ohio, nos Estados Unidos, por exemplo, determinava que as aplicagòes fossem realizadas exclusivamente na divida pública do Estado. Portanto, os servidores financiavam o pròprio Estado. Essas situagòes curiosas podem acontecer em um sistema complexo. O grande fundo de pensáo dos caminhoneiros americanos comprou um hotel e depois verificou que o fundo já era proprietàrio indireto da holding do hotel. Portanto, na realidade, fizeram negócio com eles próprios. Isso pode ocorrer, mas nào é desejável. O desejável é que o fundo de pensáo de um estado náo aplique stí na divida pública daquele estado, mas em vários projetos, sobretudo porque um fundo de capitalizado tem de ter, necessariamente, urna salvaguarda ñnanceira e a principal está na distribuido das aplicagòes, para evitar riscos elevados. Se a aplicado resumir-se á divida pública do Estado de Ohio, por exemplo, e o Estado náo pagá-la, o fundo estará arruinado. Por outro lado, também é possfvel que os próprios servidores obrigem o Estado a pagar. Existem vantagens e desvantagens, mas náo constituí urna pràtica fínanceira muito defensável. O fundo de pensáo dos servidores apresenta, portanto, um aspecto macroeconómico de enorme importáncia. Isso precisa ser ressaltado, pois constituí urna das reformas possíveis no atual momento brasileiro, para a pròpria economia nacional. Na década de 70, o Brasil pouco financiou seu crescimento através do capital estrangeiro, que comegou a entrar no final dos anos 60, e basicamente através dos grandes fundos parafiscais, hoje muito criticados. Primeiro, o FGTS financiou toda a política habitacional e o PIS-PASEP, durante muito tempo, constituiu a base para o fundiário BNDES, que recebeu inclusive recursos fiscais diretos, até do imposto de renda. Esses grandes fundos sáo parafiscais, porque a contribuido é obrigatória e de natureza fiscal, e foram eles que permitiram o financiamento da economia. Mas, na medida que a economia experimentou sucessivos baques, esses fundos acabaram se esgotando e os baques conduziram á atual situado de depressáo. Para voltar ao crescimento, será necessàrio reestabelecer a poupanga interna. Existe urna esperanza sempre vaga do ingresso expressivo de capitais estrangeiros. Isso é muito relativo. Atualmente, o capital que ingressa é de curto prazo. Náo é permanente e nem permite a geragáo significativa de empregos. Portanto, é preciso confiar na formado da poupanga interna. Foi isso que o ministro Roberto Campos realizou na época do PAET, com a criado dos fundos parafiscais. Evidentemente, promoveu um enxugamento orgamentário, mas criou a esperanga do crescimento e, ao mesmo tempo, as instituigòes parafiscais para financiá-lo. Isso terá de ser feito novamente. Será necessàrio criar instituigòes para financiar o crescimento da economia. Hoje, fala-se muito da reforma previdenciária do Chile. Em linhas gerais, os chilenos estabeleceram urna previdéncia obrigatória, mas privada, ligada á formagáo de fundos de pensáo abertos, onde qualquer pessoa pode participar. O detalhe é que todos sáo obligados a participar de algum fundo de pensáo. Há uma situagáo em que toda a poupanga é feita individualmente e outra em que a poupanga financeira ocorre através dos fundos. No primeiro caso, náo existe escala para o poupador. Quando se trata das poupangas individuáis, isso acontece da mesma 274 forma. Evidentemente, se existe ganho de escala na aplicagáo da poupanga, isso exerce um efeito sobre a taxa de juros. E, com a taxa de juros em queda, a economia pode investir mais. Portanto, o fluir da poupanga através de fUndos financeiros permite, através desse instrumento, um aumento posterior da poupanga ou urna poupanga aplicada de modo mais eficiente. É essa a vantagem macroeconómica. Para que eia ocorra, porém, existem algumas condigóes microeconómicas muito severas, relacionadas com a eficácia na administragáo desses fundos. No caso, por exemplo, da criagáo de um fundo de pensào dos servidores do Estado de Sao Paulo, de que forma será administrado? Ao realizar urna palestra sobre previdéncia privada em Caxias do Sul, expliquei as características dos fundos e a sua forma de organizagao. Nos debates, duas pessoas lembraram a experiència dos montepios. O Rio Grande do Sul sediava alguns dos maiores montepíos brasileiros, principalmente, o mais famoso de todos, o da familia militar, cuja faléncia gerou um dos grandes escándalos da história da previdéncia privada nacional. O sistema de fundos de pensáo fechados é mais monitorável do que o sistema de montepios. Além de aberto, o montepío apresentava outra característica terrível, a auséncia de fins lucrativos. E monitorar urna empresa sem fins lucrativos torna-se muito complicado. A forma imediata consiste em verificar se está dando ou náo lucro. Portanto, já apresenta urna monitoralo interna em seu resultado. Mas, se nao tem fins lucrativos, essa monitoragáo inexiste. Porém, existe outro tipo de vicio, presente nos montepios, cujos dirigentes transformavam os resultados em urna espèrie de lucro particular. Isso aconteceu com vários deles, que faliram, mas com dirigentes muito bem establecidos, patrimonialmente. Em toda instituigao coletiva de poupanga sem fins lucrativos, esse problema existirá. Nos fundos de pensáo fechados, o problema é menor, porque o fundo é da empresa e eia pròpria o fiscaliza. Mesmo assim, em alguns casos, pode haver problemas de aproveitamento por parte do dirigente. Um grande fundo de pensáo de servidores públicos irá enfrentar esse problema, de imediato. Se a gestáo nao for bem feita, todas as vantagens do fluir da poupanga, que ocorre através da acumulagáo, deixa de existir, porque se torna, ao contràrio, mais ineficaz do que a administragáo privada de urna poupanga. Portanto, a organizagáo interna de um fundo desse tipo é de extrema importáncia. A lei que tratar do financiamento do regime de aposentadoria de servidores tem de se deter nessa questáo do controle de forma muito especial. Evidentemente, o primeiro passo é a representatividade dos próprios interessados. A administragáo do fundo pode ser determinada pelo estado que o instituir, mas os servidores tém de participar de todos os conselhos fiscais, exigir a transparéncia nos atos das diretorias e suportar a questáo dos debates sindicáis. No entanto, nao é só o servidor o interessado nesses fundos. Como a Constituigáo garante o direito do servidor a seus proventos na inatividade, o contribuirte fiscal e a sociedade como um todo também sáo interessados e tém de ser representados. A lei deve incluir, necessariamente, a constituigáo de comissòes de investimento, onde haja representagáo dos conselhos regionais de economia, de associagòes de analistas do mercado de capitais e de analistas financeiros, indicados diretamente pelo Poder Legislativo. Os 275 integrantes da sociedade civil, nào-interessados diretos, irào monitorar a diretoria dos fundos, em termos de resultados. Outra salvaguarda possível é a exigéncia de urna administrado externa. A administrado de um fundo ocorre de duas formas. Urna é a do passível dos fundos, do pagamento das contas e aos inativos, que tem de ser interna, do pròprio fundo de pensào. A outra é a administrado financeira, que pode ser concorrencial, ou do tipo denominado "carteira do fundo," onde o patrimònio pode ser distribuido entre vários agentes financeiros e o fundo apenas monitora o resultado desses agentes. Isso é o que se chama de administrado externa. A idéia de administrado externa, às vezes, é apresentada como urna panacéia para a eficiéncia em administrado de fundos, embora nào seja. É perfeitamente possível que o dirigente faga um conluio com o administrador externo, ou que dois administradores externos entrem em conluio para realizar negócios com as carteiras dos fundos de seus clientes. Isso já ocorreu em outras ocasiòes. Portante, nào é panacéia. A administrado também precisa ser monitorada. Isso facilita a situado, pois dilui o poder e o fundo de pensào nào terá o diretor financeiro, responsável pela aplicado de todo o dinheiro, nomeado pelo governador. O volume enorme dos recursos estará diluido entre os vários administradores financeiros, que teráo também de ser monitorados. E a sua participado na carteira do fundo deve acontecer de acordo com o resultado de sua eficiéncia em administrar. Esses fatores sáo essenciais. Com relado à composido da contribuido, o Estado do Paraná realizou urna contribuido de 10% da folha e o servidor participou com outros 10%. A minha proposta nào é essa. O Estado deve participar com um percentual fixo da folha e o servidor com um percentual variável. Isso leva o servidor a se interessar pela monitorado do fundo. Ele sabe que, se o fundo for mal administrado, terá um desconto maior. Se for bem administrado, o desconto será menor. Deve ser assim por urna questáo de incentivo á monitorado, permitindo o controle adequado e bons resultados, no futuro, provavelmente, com a manutendo do preceito constitucional. Nào é necessàrio modificar a Constituido, na forma como está redigida, mas prover o financiamento desses recursos mais racional e eficientemente. Essa é a esséncia de minha exposido. Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Está aberta, portante, a fase de debates. Fernando Beskow - A primeira dúvida, além de certo descrédito, relaciona-se com o sistema de fiscalizado de eventuais fundos de pensáo públicos. A legislado prevé a fiscalizado de fundos fechados e abertos, porém, de instituidles privadas. Gostaria de ouvir seus comentários a respeito. A outra questáo refere-se á forma de administrado dessas entidades. Isso é importante para o pròprio desenvolvimento do processo de crescimento do espirito fundacional, e da necessidade de qualquer país de alavancar recursos financeiros para projetos de interesse 276 nacional etc., eventualmente, utilizando a poupanga forgada, via fundo de pensòes de servidores federáis, estaduais ou municipais. Gostaria de maiores esclarecimentos, caso o senhor tenha um modelo mais definido, pois constituí um aspecto preocupante, na medida que os muitos fundos particulares existentes, tipo montepío, faliram por falta de fiscalizagào do Governo. Depois, de certa forma, a legislad 0 regularizou esse processo. Mas, os fundos públicos permanecem ainda sem urna legislad 0 pròpria. A Constituido prevé a formado do pecùlio do servidor público, porém, nao define a forma de administrado. Como seriam escolhidos os dirigentes dessas entidades? Por decreto governamental? Ou seria urna associagáo de funcionários? Hélio Portocarrero (Conferencista) - Na realidade, é preciso urna legislad 0 especial e especifica para a constituido desses fundos. Existem aspectos da Lei n° 6.435, que trata dos fundos fechados, que podem ser aplicados também aos fundos de servidores. Todos sabem que o sistema de fiscalizad0 sempre foi muito precàrio. Nào existe nem mesmo um corpo específico de fiscais para a previdéncia privada. Isso é necessàrio e parece ser um dos objetivos do ministro Antonio Britto. Considerando a natureza comum do fundo de servidores e do fundo de pensáo fechado de urna empresa como a PETROBRÁS, ou o Banco do Brasil, a fiscalizado deveria estar vinculada ao Ministério da Previdéncia Social, sobretudo com a criado importantissima do corpo específico de fiscais de previdéncia privada, de fundos de pensào. Outro órgáo fiscalizador do Governo é a Susepe, responsável pelos fundos abertos, e que poderia trabalhar no sistema de fiscalizad0 dos fundos de servidores. Afinal, a situado nào é muito diferente. Sobre a questào da poupanga forgada e a forma de administragáo, a lei terá de ser muito clara. Nào deve ser permitido que um fundo, obrigatoriamente, aplique em investimentos de resultado duvidoso. O fundo tem de garantir a remuneragào do servidor, que dele participa. Urna das vantagens do fundo financeiro sobre a aplicagào privada também está no prazo. As obrigagòes sáo controláveis e permitem, portanto, aplicagòes a longo prazo, ao contràrio do particular. A extensáo do prazo da aplicagào é urna grande vantagem para a economia como um todo. Um fundo, cujo objetivo está em garantir proventos na inatividade, náo deve fazer aplicagào forgada. Isso tem de ser proibido, explícitamente, na lei e monitorado pelos próprios servidores, interessados diretos na aplicad 0 rentável desses fundos. Adinaldo Luiz Martins - Sou da Coordenagáo Geral de Estudos Previdenciários Sócioeconómicos. Náo considero urna utopia a sua proposta de previdéncia social para os servidores públicos. Certamente, da forma como está, náo deve permanecer. Mas, como e quando comegará esse processo? Nenhum governador ou prefeito quer enfrentar as dificuldades dessa situagáo. Portanto, náo tomará essa decísáo, que criará urna sèrie de constrangimentos. Quando o processo deve ser iniciado? Provavelmente, causará um efeito dominó, de um estado para outro. Qual seria o ponto de partida e como se daria essa transigáo? Até estranhei a sua defesa da permanéncia da legislado, pois em um fundo de capitalizagào, por exemplo, a aposentadoria por tempo de servigo para a mulher, com trinta anos de servigo, exigirá déla urna contribuigáo em torno de 50 a 60% do salàrio atual. Portanto, a legislagào atual tem de ser modificada, para incluir a questáo atuarial. 277 O terceiro ponto está na o p t o que o senhor faz, diretamente, por um fundo de pensáo privado. Por que nao incluir os servidores federáis, estaduais e municipais na previdéncia privada normal? Seria pelo fato deles náo contribuírem para a previdéncia, de estar em atraso? No fundo de pensáo privada, também náo dariam o calote na contribuito? Hélio Portocarrero (Conferencista) - A pergunta sobre quando cometaria o processo é muito interessante. O senhor mesmo já deu a resposta. Os governos se sucedem e esperam sempre que o próximo entre em crise, náo eles próprios. Mas, existem circunstáncias políticas em que isso pode ocorrer. Se o Brasil, por exemplo, tivesse partidos suficientemente fortes, com interesse na continuidade de poder, essa circunstáncia seria bastante minorada. Qualquer governador ou prefeito estaría interessado em fazer o sucessor, para proporcionar a estabilidade de seus futuros governos. A outra circunstáncia refere-se também a esse efeito dominó. Talvez, alguns governadores ou prefeitos fagam dessa iniciativa urna demonstragáo política de eficiéncia, para mostrar que estáo reformando urna situato. A terceira circunstáncia está no fato de que, em um comedo de governo, urna reforma desse tipo cria urna fonte de financiamento interno para o estado ou municipio, que é o pròprio fundo. Na medida que reúne recursos, o fundo já cometa a investir. Portanto, existe o aspecto do fundo ser urna entidade financeira. Por isso, a lei tem de ser muito severa na monitorato, pois a acumulato de recursos, certamente, despertará o desejo da aplicagáo forjada. No entanto, pode constituir um grande beneficio indirete para o governo ter urna instituito financeira ligada á atividade pública, como fonte de financiamento dentro do seu pròprio ambiente geográfico, no caso, o fundo dos servidores. A referència á legislagáo atual deve ser entendida como hipótese de traballio. Toda questáo de financiamento requer um posicionamento diante de um direito adquirido. É preciso saber o que será financiado. Portanto, essa é urna hipótese de trabalho. Existem alguns problemas muito sérios na previdéncia brasileira. O direito da mulher, aos 30 anos, atualmente, é muito pouco defensável, pois encarece bastante a previdéncia, náo só a do servidor, mas em geral. Se esse problema for resolvido, no caso geral da Previdéncia, irá minorar também a questáo do servidor e a da aposentadoria especial. Essa, inclusive, onera terrivelmente a previdéncia do servidor, pois grande parte de seus integrantes sao professores, que se aposentam aos 25 anos. Hoje, no Estado do Rio de Janeiro, mais da metade da folha de saários específica da Secretaria de Educato inclui professores aposentados. Ao longo do tempo, isso vem provocando a deteriorato do salàrio do professor ativo e da expansáo do servido. No caso da aposentadoria especial, essa situato também precisa acabar. Como sáo questòes da Previdéncia em geral, náo me detive nesses dois pontos. Sao importantes, no entanto, e talvez até facilitem a manutento de um nivel elevado de aposentadoria para o servidor, em relato aos proventos recebidos em atividade. 278 Quanto á previdéncia privada normal, considero que o senhor se refere, naturalmente, á previdéncia aberta e nao á fechada. Minha proposta está, exatamente, na formagáo da previdéncia fechada para os servidores, pois seria muito duro obrigá-los ou induzí-los a participar da previdéncia aberta atual, que é caríssima. E por isso náo evolui muito, apesar de existir há vários anos. Os montepíos sofrem a crise da credibilidade. Os fundos com fins lucrativos, que foram os que mais cresceram, chegaram a seu ponto ótimo. Servem a profissionais liberáis, autónomos e a comerciantes muito por falta de opgáo, pois sáo muito caros. Para o servidor, pode ser bem menos dispendiosa a formagáo de fundos fechados. A contribuido para o fundo fechado é sempre menor do que para o aberto. Daí, a proposta de que a legislado opte pelo modelo de fundo fechado para os servidores. Flávio Faria - Sou assessor legislativo da Cámara dos Deputados. A questáo da aposentadoria integral é muito mais financeira do que doutrinária. Na Cámara, verifica-se urna tendéncia á discussáo doutrinária, que seria ideal se todos tivessem aposentadoria integral. A razáo maior, apresentada no inicio de sua palestra, é a falta de possibilidade de controle pela sociedade das remuneragóes pagas na esfera privada, que impedem ou dificultam a aposentadoria integral para esse setor. Como na área pública as remuneragóes sáo definidas em lei, portanto, de conhecimento e deliberado da sociedade, está eliminada a dificuldade, que é, de fato, de caráter financeiro. Persistem dúvidas, no entanto, relacionadas á questáo da desigualdade de beneficios. Como administrar, se náo forem eliminadas todas as desigualdades de beneficios? Seriam vários fundos diferentes? Além dos professores, que constituem um contingente significativo, existe outro muito importante, com beneficios bastante diferenciados, que sáo os militares. Tanto na esfera federal, como ñas polícias militares estaduais, prevalecem beneficios táo antigos como as pensóes para filhas solteiras, conhecidas por incentivo ao concubinato. Como ficam essas questóes? Alguns privilégios náo poderáo ser eliminados e seria injusto todos financiarem da mesma forma beneficios diferentes. Outra questáo preocupante é o ingresso tardio no servigo público. Como a atual Constituigáo impede discriminagáo por idade, as cláusulas habitualmenteexistentes nos concursos públicos de limitagáo por idade náo podem mais prevalecer. Em concursos recentes, é perceptível o ingresso de pessoas em estágio avangado da vida profissional que almejam do servigo público urna aposentadoria integral. Hoje, numéricamente, isso ainda é pouco expressivo, mas poderá se tornar um fator de desbalanceamento. Será que isso náo mudaría um pouco o sentido das exigéncias estabelecidas na Constituigáo, e obrigaria a definir um tempo mínimo para o servigo público, condigáo hoje inexistente? Atual mente, a contagem recíproca permite 34 anos de atividade privada e um ano de servigo público. A terceira questáo é a administragáo do passivo já existente. Será viável um sistema misto de repartigáo e capitalizagáo? Na esfera federal, durante um bom tempo, deve existir um contingente de servidores ativos, estáveis ou em redugáo, em fungáo de dois grandes fatores. O primeiro é a instituido do Sistema Único de Saúde (SUS), com a estadualizagáo e a municipalizagáo da saúde e, o segundo, a possível redugáo, se prevalecer o bom senso, do 279 contingente das Forças Armadas, devido à profissionalizaçâo. Esses dois fatores podem permitir que o contingente de ativos permaneça estável, e até decresça, e o de ¡nativos aumente. Mas, quai a viabilidade financeira disso? A última questáo refere-se à aplicaçâo nào-obrigatória em investimento duvidoso. Isso poderia se chocar, para os governadores, com a criatividade de se contar com um fundo para investimento. Estritamente do ponto de vista de aplicaçâo do capital, provavelmente, o fundo de pensâo do Piauí deveria ser todo aplicado em urna empresa de Sáo Paulo. Portanto, como resolver a questáo da base geográfica da aplicaçâo? Hélio Portocarrero (Conferencista) - Sobre a questáo da desigualdade de beneficios, a referencia está vinculada a um modelo geral. De fato, seria muito pouco eqüitativo abrigar em um mesmo fundo categorías com beneficios bem diferenciados, pois haveria urna transferéncia mùtua náo-justificável. Portanto, todas essas categorías especiáis também devem ter seus próprios fundos, náo só militares, mas professores, magistrados, congressistas. Se houvesse apenas um fundo para todos os servidores federáis, alguns pagariam relativamente muito mais do que o necessàrio. A questáo do ingresso tardío pode ser resolvida de várias formas. Urna délas é a sua sugestáo do tempo mínimo para a formaçâo do direito. Nos fundos de pensâo, existe um tempo de carencia para o estabelecimento do direito integral, ou vàrias caréncias, como dez anos para o direito integral, cinco para o parcial e dois para determinado direito. Portanto, essa pode constituir urna soluçâo. Outra forma mais antipática seria cobrar urna fòia de ingresso. O contribuinte entra com direito integral, mas paga urna jóia referente aos anos náo-contribuidos pela carencia normal do fundo. Essa também constituí urna forma de resolver. A administraçâo do passivo existente é um dos problemas enfrentados por todo modelo de reforma previdenciária, sendo inevitável, pois o passivo existe. E os direitos sáo reconhecidos, a náo ser que a Constituiçâo os alterasse. Por isso, a necessidade de um fundo de capitalizaçâo parcial, durante muito tempo, de um fundo misto. Essa também é a razâo para a transferéncia de patrimonio da Uniáo para o estabelecimento do fundo, pois constituí urna forma de acumulaçâo de recurso, que náo depende do ingresso de novos servidores, de um contingente maior de servidores. Aliás, esse configura um dos problemas mais sérios na administraçâo dos fundos de pensáo. Os fundos de pensáo brasileiros foram concebidos para empresas em crescimento, em urna economía que atingía a taxa média de 7%. Portanto, estabeleciam urna taxa de crescimento do contingente de traballio, que barateava muito a contribuiçâo do empregado e até do empregador inicial, de forma absolutamente ilusória. Por isso, esses fundos tém hoje de se adaptar muito rapidamente a urna situaçâo bem diferente, com urna economia sem crescimento, ou com um índice de 2%, 1%, próximo a zero, configurando a estagnaçâo. Evidentemente, o fundo tem de ser muito mais caro e a economia paga o que pode. 280 Sobre essa jóia, há urna história interessante. Em urna viagem para Belo Horizonte, sentou-se a meu lado um mineiro da Usiminas. Engenheiro, aposentou-se px>r outra entidade, e estava disposto a vender um apartamento para retornar ao fundo da Usiminas. É muito interessante como as pessoas tèm grande dificuldade de prover a sua pròpria inatividade. Esse cidadào, provavelmente, tinha um nivel de vida que o permitiría aposentar-se com base em seu patrimonio pessoal. Mas, prefería o respaldo do fundo de pensáo da empresa. Ele se recorda de um instrumento financeiro, o Patrimònio Individual do Trabalhador (PAIT), que fracassou de forma tao contundente que nem deve existir mais. Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Nào prosperou, mas tampouco foi revogado legalmente. Portante, ainda existe. Hélio Portocarrero (Conferencista) - E nào prosperou pior urna razáo muito simples. O pròprio aplicador tinha a obrigagáo de monitorar a carteira e realizar as aplicagòes. Um cirurgiào pròspero, por exemplo, pode cuidar perfeitamente de sua aposentadoria. Nào precisa da Previdéncia Social, nem de fundos de p>ensào, pois tem dinheiro suficiente para construir um patrimònio pessoal. Esse cidadào jamais ingressará no PAIT. Passa o dia inteiro operando e nào é administrador financeiro. A ele pode interessar um fundo de píensào, onde um terceiro administre. Quanto à atratividade dos governadores, o senhor fez urna observado relacionada ao fundo do Estado do Piauí aplicar em Sáo Paulo. Isso é verdade. Em boa parte, os bancos captam no Norte e aplicam em empresas no Sul. Isso nào é ruim. Ao contràrio, quem tem obriga?áo de aplicar a fundo perdido, ou com taxa de rentabilidade baixa, é o Governo. Afinal, o fundo dos servidores é para servir a eles e nào ao Governo. Nào é idealizado para subsidiar. Isso tampouco é ruim por outra razáo. Dentro dessa questáo regional brasileira, na verdade, a prospieridade dos estados do Sul se deve em grande parte ao fato de existir máo-de-obra abundante em outros estados do Norte. Isso p>ermitiu que determinadas regiòes prosperassem mais com base na abundáncia da máo-de-obra, que também teve para onde se deslocar. Portante, houve urna razoável prospieridade em alguns estados. Esse é o caso de Brasilia, para onde houve um deslocamento, vinculado à possibilidade de prosperar. A integragáo permite urna prosperidade mèdia razoável. Portante, do ponto de vista macroeconómico, náo é ruim que o Piauí aplique em Sáo Paulo. Realmente, há dúvidas se os governadores iráo se subordinar a urna lei rígida nessa questáo das aplicagòes. Marcelo Viana Estevao de Moraes (Coordenador) - Gostaria de levantar também algumas questòes. Quando se discute a mudanza do regime de repartigáo para o de capitalizarlo, no caso dos servidores públicos, e isso abrange outras áreas ñas quais a Previdéncia viesse a se instalar, essa mudanza seria incompativel com a definito antecipada de planos e beneficios definidos. Portante, nào seria apienas um problema de reformular os beneficios, ou trocar os existentes p>or outros. Na verdade, no sistema de capitalizado, o beneficio a ser percebido dependerá da rentabilidade dos investimentos realizados com os recursos recolhidos. Com certeza, isso gera um grau de inseguranga para o contribuirne, que pretende, através desse mecanismo, poupar para o futuro, e constituí um grande òbice. 281 Por outro lado, ao se prever um plano de beneficios definidos, subrepticiamente, está-se prevendo também que, no futuro, alguém arcará com os possíveis déficits, que sempre sobram para as viúvas. Além da proposta do senhor, como alternativa para a aposentadoria dos servidores públicos, muitos tém advogado a inclusáo deles no regime geral da Previdéncia Social. O argumento é que a maioria dos servidores, nos trés níveis de Governo, estariam contemplados pela cobertura básica da Previdéncia, hoje vigente. Os segmentos minoritários que porventura recebam salários maiores poderiam recorrer ao mercado privado, ou estabelecer um fundo específico, ou ainda recorrer ás entidades abertas, considerando o problema adicional do custo desses planos de previdéncia complementar privados. Qual a sua análise dessa proposta de estender o regime geral da Previdéncia ao contingente dos servidores públicos? Hélio Portocarrero (Conferencista) - Evidentemente, há urna incompatibilidade básica entre o plano de beneficio definido e a capitalizado. Na verdade, esse plano, conforme existe nos atuais fundos de pensáo fechados brasileiros, tem um seguro coberto, náo-legalmente e náoobrigatoriamente, pela empresa patrocinadora ou pelo pròprio contribuirne. A minha proposta, de certa maneira, embute isso na participado variável. O plano pode ter o beneficio definido, mas a contribuido será variável. Portante, na realidade, constituí indiretamente um plano de contribuido definida, com parte déla variável. Outro aspecto é que o inativo também deve contribuir. Náo pode ser obrígapáo apenas do ativo, porque senáo, em determinadas situa?òes, estariam sendo realizadas transferéncias injustas. A explosáo dessa situado de deteriorado náo atinge só o contribuinte fiscal em geral, mas também o servidor, com o achatamento dos salários dos ativos. Constitui um resultado duplo. Quando se alega que a despesa final ficará a cargo do Governo, significa aumento de imposto. Se a op?áo náo for aumentar o imposto, acaba-se promovendo a degradado do pagamento aos servidores inativos. Isso é terrível, pois os servidos públicos se deteriorarci, e as pessoas trabalham menos para se dedicar à complementado de renda, configurando urna situado dramática. Portante, vale o esforgo da capitalizado para se tentar colocar um freio nesse processo de degradado. Também é possível transferir o servidor para o regime geral da Previdéncia. Os seus proventos estáo caindo tanto que, realmente, logo passará para o regime básico. A proposta é viável porque advém da verificado da degradado real tanto dos servidos quanto dos proventos. Nesse caso, náo se justificaría um regime especial, pois estariam a nivel de salário-mínimo, com a mesma base do regime básico. Ninguém pretende que isso acóntela, mas configura urna tendència com a degradado permanente dos proventos e da qualidade dos servidos. Urna soludo seria a criado de um fundo, com parte no regime da previdéncia pública e outra no fundo de pensáo. O problema é que, em toda legislado, o fundo de pensáo requer um instituidor, que deveriam ser os próprios governos, preocupados com a qualidade dos servidos prestados á populado que os elegeu. 282 Fernando Beskow - Ainda permanecem algumas dúvidas. A maioria dos fundos de outros países, por exemplo, tem pagamento continuado, embora o peculio venha na forma de urna única prestado. Constituí muito mais um seguro social, que o cidadao recebe ao final de seu tempo prévio de trabalho. Sao poucos os países onde existe um beneficio continuado. Hélio Portocarrero (Conferencista) - Mas, há muitos fundos com beneficio continuado. Fernando Beskow - No entanto, nesse caso, fica a impressáo de que o valor é menor. salário. Hélio Portocarrero (Conferencista) - Os valores, em geral, sao menores. Nao é o último Fernando Beskow - Atuarialmente, isso tem possibilidades em urna economía com estabilidade de moeda. No Brasil, já é um pouco mais complicado. Outra questáo muito importante está na administrado do fundo público. Na medida que o modelo proposto pelo senhor prevé o crescimento de um fundo fechado, público, destinado ao servidor, ele estaría regulamentado pela legislado própria hoje existente, a do fundo fechado. Ele tem um instituidor, urna empresa pública como a Petrobrás, ou urna privada, como a Volkswagen, a General Motors. No entanto, a empresa é administrada por um conselho, onde o servidor tem apenas assento localizado, é minoría. Pela proposta básica do senhor, os fundos seriam por categorías funcionáis, para magistrados, militares, engenheiros, servidores federáis, pois os salários sáo diferentes. Nesse caso, quem seriam os instituidores? O Ministério da Previdéncia, um por ministério, ou a Uniáo como figura jurídica? Hélio Portocarrero (Conferencista) - Na realidade, seria necessária urna lei especial. Nao se pode aplicar, diretamente, a Lei n° 6.435. Deve haver urna lei específica para o fundo dos servidores, que tem características próprias, um pouco diferentes. Na verdade, os fundos por categorías sáo defensáveis quando certas categorías tém direitos especiáis. Quando eles náo existem, o fundo pode reunir pessoas de diferentes categorías. No caso dos magistrados, dos militares, cujos direitos especiáis sáo mais definidos do que os de outros servidores, justifica-se um fundo por categoría. Em outros casos, torna-se possível um fundo que reúna os servidores em geral, com a aplicado de aspectos da Lei 6.435, como a contribuido progressiva. Isso é perfeitamente aplicável nesse caso. O instituidor seria a Uniáo, no caso da Uniáo, e os estados, no caso dos estados, etc.. A atuária pode calcular qualquer taxa sobre qualquer direito. O problema é que, ás vezes, a taxa de contribuido pode ser muito alta. Em geral, quando se estabelece um direito pelo último salário, a taxa de contribuido será elevada. Caso seja considerado um percentual mais baixo sobre os últimos dez anos de salário, por exemplo, 90% ou 80% da média dos últimos cinco anos, evidentemente, a taxa de contribuido será bem menor e muito mais razoável. María Inés de Souza Gomes - Considerando esses fundos por categorías, náo seria urna regressáo diante do que já existiu? A Previdéncia comegou, exatamente, através das caixas por 283 categorías, que terminaram aglutinadas em urna só, no INSS. Com relaçâo aos servidores públicos, nao seria muito mais difícil gerir tudo isso conforme essas categorías? No decorrer de todos esses anos, as categorías funcionáis de servidores públicos, civis e militares, vêm aglutinando urna série de vantagens constitucionais impraticáveis de serem derrogadas. No caso dos professores, por exemplo, a aposentadoria veio mais cedo por força constitucional. Nao seria muito mais justo, factível e fácil de administrar se fosse criada a previdéncia complementar facultativa do Governo, da pròpria Previdéncia? Hoje, o que se observa nos fundos de pensáo abertos é o cidadáo realizando os pagamentos e, no momento da complementaçâo, o que recebe jamais é o que esperava. Apesar das dificuldades, em um fundo fechado, a complementaçâo é mais ou menos compatível com o que se esperava receber. Hélio Portocarrero (Conferencista) - Sobre as caixas por categorías, gostaria de esclarecer que a proposta náo contempla fundos por categorías. Determinadas categorías, em funçâo de direitos muito especiáis, precisariam de um fundo pròprio, porque estariam sendo subsidiadas caso fizessem parte de um fundo geral. Portante, como tém direitos especiáis, é mais justo que elas próprias paguem por esses direitos. De qualquer forma, proponho um fundo geral e náo por categoria. Sobre a questáo de se regredir ou náo, muitos defendem que as antigas caixas eram mais bem geridas do que o INSS. Nâo tenho opiniâo formada a esse respeito. Na verdade, quando um sistema previdenciário é criado, a gestâo toma-se bem mais fácil do que ao longo de sua eyoluçâo. Os beneficiários sâo poucos e as categorías que criam o sistema, em geral, sáo mais ricas. Tudo isso faz parte da história da Previdéncia. A evoluçâo brasileira náo ocorreu no sentido de caixas por categorías, como a dos bancários ou comerciários, mas de fundos de pensáo por empresa. Náo há regressáo no fato do servidor público também se encaixar nesse modelo. O modelo do fundo de pensáo fechado é muito mais acessível do que o do aberto. Como o fundo aberto é muito caro, náo seria conveniente adotá-lo. Náo há razáo para o servidor público receber um tratamento diferente do funcionário da Petrobrás, que tem acesso a um fundo de pensáo. Parece absolutamente razoável o servidor constituir o seu pròprio fundo. O problema da previdéncia aberta está no fato de existir no mercado de trabalho pessoas que náo participam de grupos com certa homogeneidade e, por isso, tém de recorrer a eia. O caso das viúvas dos ex-integrantes do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro serve para ilustrar urna de suas observaçôes. Elas tém direito à pensáo integral, mas recebem apenas uma parcela. A divida acumula-se de tal forma que, se entrarem em conjunto na Justiça, o direito náo poderá ser negado e o Instituto de Previdéncia do Estado irá à faléncia, pois náo tem como pagar. Terá de estabelecer um regime especial, fazer um empréstimo ou algo parecido. 284 Existem determinados direitos que recebem o mais injusto dos tratamentos. Pragmáticamente, nào é atendido, porque nào é realizado, embora a pessoa tenha passado a vida inteira na expectativa daquele direito. No processo de poupanga, as decisóes económicas ocorrem de acordo com as expectativas de direito. Se esse direito nào é atendido, gera urna situagáo dramática na vida das pessoas e urna flagrante injustiga, pois o direito está contemplado na lei. Pode até ser um direito excessivo, como é o caso da pensáo integral. Tampouco concordo com a questáo dos 25 anos para a mulher, com a aposentadoria especial para os professores e com a pensáo integral, pois o sobrevivente nào tem as mesmas despesas que tinha o casal. É urna questáo pragmática da previdència, em geral, e nào específica da previdència dò servidor. A previdència complementar facultativa deve existir, nào propriamente para o servidor, pois é urna previdència geral. Se a previdència aberta nào fosse táo inacessível, a rigor, nào seria necessària urna previdència complementar. O servidor tem condigoes de estabelecer seu pròprio fundo, que seria provavelmente mais económico. María Inés de Souza Gomes - Urna outra questáo é que o servidor nào contribuí para a aposentadoria. Só desconta para fins de pensáo. Caso se pretenda transferir essa parte da pTevidència do servidor público para o fundo, isso irá configurar urna situagáo muito difícil, considerando que ele jamais contribuiu, durante toda a vida, para a aposentadoria, paga integralmente pelo Governo. Será muito difícil o servidor se convencer de que tem de comegar a pagar para receber alguma coisa. Com o celetista acontece o contràrio, pois ele sempre pagou para ter algo em troca. Hélio Portocarrero (Conferencista) - Isso é o que considera a percepgáo do direito. Na verdade, quando se paga 7% para a pensáo ou para a aposentadoria, tanto faz, pois no regime de repartigào tudo è recolhido ao caixa do Tesouro. Nào importa o nome, nesse caso, vale a expectativa de direito envolvida. As conquistas aqui abordadas sáo aparentes. As senhoras dos promotores, por exemplo, obtiveram a pensáo integral, mas náo a recebem de fato. Boa parte dessas conquistas é diluida na degradagáo dos proventos. Portante, é melhor encarar realisticamente a questáo, do que se iludir com direitos que nào poderao ser realizados. Nilma Paulo - Sou da Diretoria do Seguro Social. De janeiro de 1991 em diante, alguns de nós passamos de celetistas para o Regime Jurídico Único e estamos contribuindo. O senhor tem idéia de quem está gerindo essa contribuigáo? Algumas prefeituras também criaram esse regime único, e utilizaram o Artigo 94 da Lei n° 8.213 para requerer a compensagáo financeira na recíproca, imaginando que essa compensagáo seria o inicio do fundo de pensáo deles. O que o senhor pensa disso? Hélio Portocarrero (Conferencista) - A questáo é interessante, mas náo tenho idéia de quem sáo os gestores. 285 Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Entendo que esse recurso é recolhido ao Tesouro, que paga os proventos dos aposentados do setor público. Portanto, nao existe urna gestao, náo há capitalizado. O que entra no caixa, o Tesouro aporta mais um recurso e paga a fatura dos aposentados da Uniáo, pois a outra parte ainda corre hoje por conta dos recursos dos Fundos de Previdéncia e Assisténcia Social (FPAS), que constituem os recursos da Previdéncia Social geral. Isso seria outra manifestado de injusti$a flagrante, pois parte desses recursos é utilizada para pagar aposentados da Uniáo, com beneficios distintos e superiores aos dos aposentados do regime geral. Hélio Portocarrero (Conferencista) - Realmente, essa é urna injusti?a flagrante, relacionada com a questao das categorías com direitos especiáis. O caso das prefeituras é muito interessante. Elas instituem um regime jurídico único e náo promovem fundos de capitalizado. Conseqüentemente, quando tiverem de pagar os aposentados, náo teráo recursos. Será urna das piores degradares em termos de servido público, nesse caso das prefeituras. A situado ¿ ainda mais dramática, porque sería perfeitamente possível a uniáo de várias prefeituras para a formado de um fundo de pensáo. Difícil é estabelecer o entendimento político entre os prefeitos. Quanto á compensado, náo ocorrerá nunca, porque a Previdéncia náo dispSe de caixa para isso. Náo há possibilidade administrativa, nem muito menos financeira. Os prefeitos que confiam nessa compensado estáo se iludindo. Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Existe, ás vezes, até má fé, porque ao se criar o regime jurídico único procura-se evitar o recolhimento á Previdéncia Social, sem a constituido dos fundos, em contrapartida. Portanto, em um primeiro momento, os prefeitos dispóem de urna folga de caixa bem interessante, para utilizado com outros fins. Na verdade, hoje há um espado para grandes falcatruas, que podem provocar sérias conseqüéncias, mais tarde, para a Uniáo e para a Previdéncia. Fernando Beskow - Essa idéia é muito perigosa, mas está prevista na legislado. Salvo engano, urna lei complementar deverá regulamentar a compensado financeira e os prefeitos estáo atentos a isso. A compensado constitui um direito já existente, náo é apenas urna expectativa. Esse é o problema. Hélio Portocarrero (Conferencista) - Na verdade, o problema é sério. Talvez, haja urna soludo futura, em urna compensado de contas. E pode ser o único caminho legal para o atendimento desses direitos, para resolver a questao da acumulado da divida legal. María Inés de Souza Gomes - Esse fundo de compensado lembra urna situado verificada na Previdéncia, há cerca de 30 anos. Na época, as seguradoras de acidentes de trabalho concediam o beneficio ao individuo e o despediam. Ele recorría á Vara de Acídente de Trabalho e os juízes o remetiam á Previdéncia, para o recebimento do pagamento. Depois, a instituido preparava urna rescisória contra a seguradora. O caso das compensa?5es é urna repetido dessa situado. 286 Hélio Portocarrero (Conferencista) - Nao sei se é verdade, mas dizem que as Varas de Trabalho foram criadas porque o número de processos era táo grande que requería um órgáo específico para atendé-los. Muito obrigado. Marcelo Viana Estevao de Moraes (Coordenador) - Agradego a presenta do dr. Hélio Portocarrero. Estao encerrados os trabalhos. 287 A PREVIDÉNCIA COMPLEMENTAR PÚBLICA E AS ENTIDADES FECHADAS EUCLIDES ANTONES-" Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Diretor-presidente da SUPREV, fundagao multipatrocinada de suplementagáo previdenciária, o Dr. Antunes é Diretor da Associalo Brasileira das Entidades Fechadas de Previdència Privada (ABRAPP) e também do Sindicato Nacional dos Fundos de Pensào. O enfoque principal de sua exposigào estará voltado para a questáo específica da previdència complementar. Com a palavra, o Dr. Antunes. Euclides Antunes (Conferencista) - Dentro do tema previdència complementar, a abordagem desta expósito estará centrada específicamente na Previdència e em sua composito na Seguridade Social. As áreas de Saúde e Assistència Social náo seráo contempladas, embora alguns fundos de pensáo prestem servidos nesses setores. Para se ter urna idéia do campo de a?áo da previdència privada e da necessidade da previdencia oficial básica, è interessante observar o exemplo de urna curva de beneficios, para quem tem 15 anos de vínculo com a Previdència. Existe urna queda significativa do beneficio concedido ao trabalhador, quando o seu salàrio ultrapassa o valor de dois salários-mínimos. Muitos defendem, inclusive, que a Previdència Social limite-se ao apoio ao trabalhador de baixa renda, com remunerato até cinco salários-mínimos. Há urna expectativa de que o teto de salários de contribuito à Previdència seja mantido próximo de dez salários-mínimos, embora o segurado receba um beneficio bem inferior, na condito de assistido. Ainda que se tenha urna data bem escolhida, em que se muda o teto de contribuito à Previdència, náo existem condigòes de se manter os beneficios nesses níveis. Basta analisar a necessidade real da manutento do teto de contribuito em até très, cinco ou oito salários-mínimos, e observar a existència de massas de trabalhadores com ganhos superiores a essas fai xas salaríais. Urna dificuldadepara as pessoas situadas nessas faixas salaríais, na base da piràmide, está na manutento do nivel de vida com esses ganhos, com o salário-mínimo vigente e a falta de */ Palestra realizada em 22 de junho de 1993. 289 perspectivas de crescimento real desse salàrio. Em termos de auxílio-doenga, o comportamento também é semelhante. Outro exemplo é o caso do trabalhador com 35 anos de vínculo com a Previdéncia, que requer aposentadoria por tempo de servigo. Realmente, toma-se necessàrio fixar urna idade mínima para a aposentadoria. Mas, existe urna grande dificuldade com relagào a isso. O Brasil tem urna expectativa de vida em torno de 53 anos, no Norte; 57, 58 no Nordeste; 63, 65 anos no Sudeste; e 73 no Sul. Portanto, é impossível fixar urna idade mínima por regiáo. Mas, no entanto, urna idade mínima tem de ser fixada, para evitar a aposentadoria aos 47, 48 anos, no pico da capacidade laborativa do homem. A previdéncia complementar estabelece a idade mínima de 55 anos. Os planos constituidos após o advento da Lei n° 6.435 só podem complementar a aposentadoria por tempo de servigo depois dos 55 anos. A existéncia da previdéncia complementar depende da existéncia da previdéncia básica. Portanto, é imperativa a manutengáo da Previdéncia Social, com o Estado em sua fungáo social de prestar cobertura ao trabalhador considerado de baixa renda. Na previdéncia complementar, existem os planos fechados e os abertos. Fechados sáo os constituidos para um grupo de funcionários de urna empresa, com vínculo de emprego ou fungóes de diregáo. Abertos sáo os planos onde náo há identificagào prèvia dos participantes do grupo. Qualquer pessoa pode adquirir um plano de previdéncia complementar de urna seguradora ou instituigáo financeira. Eles tém urna característica diferente, embora denominados complementares. Náo existe a necessidade do beneficio básico do INSS, para que atue como "complemento". E um seguro financeiro e náo um plano vinculado ou suplementar. Passa a sé-lo se for elaborado para um grupo de pessoas e caracterizado como plano fechado. Como funciona a previdéncia privada? Há os montepíos, sem fins lucrativos, mas hoje praticamente extintos, e as entidades abertas, a maioria com fins lucrativos. Podem organizar planos individuáis ou grupais e sáo constituidos na forma de sociedades anónimas. Existem, também, as entidades fechadas de previdéncia, todas sem fins lucrativos, constituidas jurídicamente como fundagáo ou sociedade civil, exclusivamente para planos grupais. Podem formar planos por empresa ou entidades multipatrocinadas e seráo abordadas mais adiante. A característica básica de um fundo de pensáo está na formagáo de reserva, de recursos, de ativos, de patrimonio, para amparo do trabalhador na aposentadoria, ou para os cónjuges ou dependentes menores, quando se tratar de pensóes. Devem ser consideradas algumas vantagens, para a constituigáo desses fundos. E necessària a formagáo de poupanga de longo prazo, para que sejam canalizadas para investimentos produtivos. Com isso, promove-se a geragào de empregos, a melhoria da distribuigào de renda e outras conseqiiéncias em fungáo do aumento da produtividade. Para as empresas, as vantagens incluem a política de recursos humanos e a retengáo e atragáo de máo290 -de-obra. Hoje, em alguns níveis técnicos, gerenciais e executivos, existem exemplos de mudança de emprego ñas empresas que nao tém fundos de pensào. Evidentemente, para o trabalhador, essas vantagens sâo bem mais significativas, no momento em que, consideradas as características sócio-económicas difícilmente formarâo poupança constituida como ganho direto. Esse é um aspecto muito importante, pois quando participa de um fundo de pensáo, o trabalhador tem descontado do seu salàrio, tributado na fonte, o valor de sua contribuiçâo. Posteriormente, também existe a tributaçâo ñas aplicaçôes dos recursos capitalizados, seja no mercado financeiro ou no imobiliário. Quando se desliga da empresa, leva a sua parcela de contribuiçâo, mas tributada. Se o plano estiver sendo tributado, o trabalhador nâo sofre tributaçâo na devoluçâo do montante constituido por suas contribuiçôes. Mas paga o imposto ao ser aposentado pelo plano e ao receber a complementaçâo. Portante, a situaçâo é muito confusa. No caso do beneficio, alguns entendem que a tributaçâo só recairia sobre a parcela do beneficio que ele recebe, por força da contribuiçâo da empresa para o plano, quando tributado nos investimentos realizados no mercado. Hoje, os beneficios básicos existentes nesses modelos de plano incluem as aposentadorias em gérai, os auxilios-dœnça, acidentes e peculios. Normalmente, os planos apresentam características específicas e atuam a nivel complementar à Previdência Social. Portante, na maioria dos casos, sáo fornecidos esses complementos ou suplementos. A intençâo é de que sejam realmente complementares à Previdência. A questáo está em saber como esse assunto está sendo tratado a nivel técnico e de análise direta das regulamentaçôes de cada plano. O tempo mínimo de filiaçâo à Previdência é urna necessidade. Existem planos que concedem beneficios suplementares de aposentadoria por tempo de serviço, a partir dos 30 anos de contribuiçâo, desde que o participante tenha 55 anos de idade. Idade mínima para a aposentadoria, tempo mínimo de vínculo com a empresa e de participaçâo no pròprio plano. Existe urna série de requisitos, carências e compromissos para com o plano, para que se possa gozar desses beneficios. Tudo isso é feito de forma técnica. Nâo se pode pensar mais em termos de regimes primários ou, simplesmente, nâo-profissionais, quando se cria um fundo de pensào. Torna-se necessàrio um trabalho atuarial, técnico, inclusive das massas, até de forma individual, para cada um desses planos e fundos. É preciso considerar urna série de dados das massas e analisar as condiçôes oferecidas pelo plano, em termos de cobertura total ou parcial, de existência ou nâo de valor minimo do beneficio e da adoçâo de proporcionalidade, quando se tem urna aposentadoria a partir de 30 anos de contribuiçâo, desde que o contribuinte tenha idade igual ou superior a 55 anos. As entidades realizam o cálculo atuarial, para que o plano, ou fundo, tenha condiçôes seguras de sobrevivéncia e garanta os compromissos assumidos. A atividade da empresa teve inicio em determinado momento. Alguém começou a trabalhar nesta data. Portante, requer certo tempo antes da constituiçâo do fundo. Conforme as características do plano, e com os dados citados anteriormente, o atuário analisa as características da massa, considera o tempo anterior de empresa até a data de inicio do plano, valor do salàrio, número de dependentes, tipos de beneficios, carências, etc.. Em funçâo desses dados, determina urna data que seria a do inicio 291 do beneficio e projeta a contribuito a ser paga ao plano, para constituir um fundo garantidor das reservas individuáis da massa e o beneficio complementar, considerando a expectativa de vida. Teoricamente, como age o atuário e quais as metodologías? No regime de repartido simples, sao calculados os fundos e a necessària contribuito para o conjunto de auxilios e peculios; no de repartito de capitais de cobertura, as pensòes e aposentadorias por invalidez. No regime de repartito simples, o atuário considera os volumes de ocorréncias em valores do exercício passado e projeta a necessidade de receita para cobertura dos volumes de reposigáo de caixa, atualizados de acordo com a taxa atuarial do plano. No regime de repartito de capitais de cobertura, é fixada urna taxa de contribuito, paga mensalmente, e capitalizada em fungào de urna expectativa de dados estatísticos, de eventos possíveis de ocorrer no ano, como acidentes ou invalidez. Se o evento acontecer e o valor da reserva náo estiver constituido, o plano terá de aportar urna linha de recursos, que até poderá ser coberta no exercício seguinte, ou nos próximos, financiadas. Em alguns casos, as próprias empresas patrocinadoras tém de aportar esses recursos, dependendo das características do plano. No regime de capitalízate, só existe hoje a aposentadoria por tempo de servido, idade ou especial. A aplicagáo desse regime ocorre por se conhecer os dados das pessoas participantes do plano. De onde surgem os recursos para os fundos de pensáo e quais as fontes de cobertura desse custeio? Há um elenco bastante ampio de contribuigòes, como as dotagòes iniciáis, de cobertura dos riscos iniciáis do plano, e as legadas de outras receitas. As fontes de custeio cobriráo as necessidades de constituigáo do patrimònio do fundo. Esses valores sáo pagos aos fundos, mas as empresas hoje somente realizam a contabilidade desses valores de contribuigáo, classificando-os como despesas operacionais. Inexiste urna linha de incentivo. Em um país que requer formagáo de poupanga para investimento na produgào, deveria haver urna linha de incentivo à f o r m a t 0 de fundos de pensào, com investidores institucionais de reservas reais de poupangas de longo prazo. Realmente, seriam necessários incentivos, para que um bolo maior pudesse financiar o crescimento e a produgào, gerar empregos, melhorar os niveis de distribuigáo de renda, etc.. Quais as características dos planos de beneficios existentes? Existem planos cujo beneficio é definido e o seu valor estabelece a taxa de contribuigáo. Quando a empresa determina que o trabalhador receberá o equivalente a 70%' do seu último salàrio, independentemente do salàrio percebido no momento elegível do beneficio, e do valor do beneficio básico do INSS, isso provoca certa inseguranga em seus custos. Existe outro modelo de plano pelo qual as empresas optam, por questáo de seguranga, denominado Plano de Contribuigáo Definida. A empresa opta, por exemplo, em contribuir com o equivalente a 8% da folha de pagamento de salários. O valor do beneficio, para quem participa desse modelo de plano, é calculado em fungáo da reserva individual formada. 292 Atualmente, a maioria dos planos segue urna linha mista. De modo geral, as empresas tém optado por fornecer a todos seus funcionários, empregados e dirigentes, os beneficios de risco, como auxílio-doenga, invalidez, pensao, pecúlios, realizados em um pagamento único, como se fosse um seguro, e sem que o trabalhador participe do seu custeio. Como opsao, é oferecido, facultativamente, um plano de aposentadoria suplementar, através do modelo de contribuido definida, onde o percentual da taxa de contribuido é fixo, para aposentadoria por tempo de servido, idade ou especial. O sistema mais indicado hoje, para se ter um controle individual, urna transparencia para o participante e para toda a sociedade, é o chamado sistema de cotas, como se fosse um fundo mútuo, onde as contribuigóes realizadas pelos participantes permanecen! ¡soladas em urna conta. As contribuigóes da empresa vao para outra conta, com a linha de valorizado pela natalidade, pela variado patrimonial no período. Conforme a condido do plano, se a empresa contribuí, por exemplo, com 8%, o funcionário deveria contribuir com 4 ou 5%. Caso o plano tenha urna previsáo de valor do beneficio abaixo da expectativa do trabalhador, ele pode realizar contribuigóes voluntárias ou especiáis para reforgar sua conta individual. A empresa pode adotar também a linha de distribuigao do lucro, repassando-o a seus empregados, através de critérios pré-fixados e a título de contribuigóes adicionáis e voluntárias, náo-obrigatórias. Quando o trabalhador se aposenta, terá o somatório dessas contas, de um a quatro, reunidas para efeito de cálculo do valor de seu suplemento, em fungáo de sua idade. Quanto mais jovem for, na data da aposentadoria, menor o valor do beneficio. Atuarialmente, determina-se um valor que, pela expectativa de vida em fungáo da idade na data do requerimento do beneficio, e aplicado sobre o saldo da conta, irá fornecer o valor do suplemento. Esse modelo é utilizado em muitos países. Quando o trabalhador se desliga da empresa e cancela sua participagáo no plano, recebe o que contribuiu 100% atualizado pela rentabilidade do plano. Desde que o desligamento nao ocorra por justa causa, pode continuar vinculado ao plano, contribuindo ou mantendo o saldo reservado para ele, até a data do preenchimento total dos requisitos do plano (beneficio definido). Existem as vantagens diretas, onde o trabalhador recebe o extrato - em geral, isso ocorre hoje semestral ou trimestralmente -, a relado dos ativos que garantem o fundo, o relatório de rentabilidade, a valorizado das cotas existentes nesse período e a acumulada. Portanto, constituí urna linha bem mais transparente, moderna e prática de entendimento e acompanhamento. Por ser pessoa jurídica, de direito privado, o fundo de pensáo náo tem donos, sócios ou coristas. Caracteriza-se por seu patrimonio, tem seus participantes, com direitos e obrigagóes em relagáo ao plano, bem como as empresas patrocinadoras, e conta com inúmeras atividades gerenciais, burocráticas, de natureza administrativa, legal e fiscal. Há urna linha de diregáo desses fundos. 293 Há alguns fundos de pensáo que tém participantes em seu conselho fiscal. O conselho deve ter a participado do empregado, para acompanhar a administrado, caso nào possua condifòes profissionais de exercer atividades na área executiva. Há muitos exemplos lamentáveis, onde sáo eleitas diretorias internas, na busca da democracia ampia, mas sem a menor capacitado técnica para a fundo. Essa é urna atividade profissional. Realmente, a atividade do Conselho de Acompanhamento de Órgáo Superior até deveria ter a participado do empregado, desde que, também na linha da liberdade democrática, seja essa a opdo da empresa patrocinadora, que instituiu o plano. Um fundo de pensáo apresenta urna estrutura funcional. No caso do fundo multipatrocinado, sáo vários planos distintos, de empresas náo-coligadas, de grupos diferentes, sendo que um desses planos pode ter mais de urna empresa como patrocinadora. No entanto, jurídicamente, náo existe a vinculado, a solidariedade. Os planos tém características, respeitando as políticas de recursos humanos da pròpria empresa patrocinadora. As principáis características do sistema de previdéncia complementar incluem a famosa receita da caixa d'água. Sáo as receitas previdenciárias, que saem para o pagamento do beneficio, váo para o investimento e apresentam um ciclo continuo. O primeiro ponto de preocupado relacionado á previdéncia complementar pública é que náo deve possuir um grande cadastro. É inevitável e impraticável a concentrado de um cadastro para se ter controle administrativo, gerencial e técnico de um fundo monstruoso. Há dificuldades em conhecer os milhòes de assistidos e também os seus enderegos. O número de fraudes é absurdamente elevado. Portanto, considerando a previdéncia complementar pública, náo se pode pensar a nivel de concentrado e construir um grande fundo para se ter um grande patrimonio, para que acoñtega depois tudo aquilo que ocorreu com o PIS, Fundo de Garantía, Poupanga, etc.. O Brasil é um país com diferencias sociais brutais e enormes diferencias regionais. Portanto, realmente, torna-se necessàrio abrir a previdéncia complementar a todos os níveis, autónomos, sindicatos, classes e categorías profissionais, mas a níveis regionalizados e administrativos, até independentes, onde o Estado deve determinar as condigòes de sua constituido, e os parámetros mínimos e realizar também a fiscalizado do funcionamento dessas entidades ou fundos de previdéncia complementar pública. Com quase 26 anos de atuado no setor, com urna experiéncia muito grande em termos de fundo de pensáo no Brasil e no exterior, e participares em intervendo, liquidado, diretoria fiscal, gestòes especiáis, considero a situado preocupante. Inclusive, preocupa também os especialistas do Serpro e da Dataprev, que atuam ñas empresas de processamento, e náo véem condigáo de controle de cadastro para massas táo grandes. Na medida que se distribuí, regionalizadamenté, essas condi?óes de previdéncia complementar pública, será possível um 294 favorecimento dos níveis de controle, de custos e de ganhos individuáis, para se emitir os extratos nos moldes já apresentados. Hoje, o sistema fechado abrange cerca de très milhôes de pessoas. Há urna massa de quase 35 milhôes de trabalhadores registrados. Realmente, considerando urna linha de evoluçâo, pode-se chegar até 50 milhôes de trabalhadores registrados oficialmente na carteira de traballio e na Previdéncia Social. Essa linha de beneficio poderia ser ampliada para essa pròpria massa, com todas as vantagens já citadas. As principáis legislaçôes vigentes, afora várias resoluçôes e portarías, sao a Lei n° 6.435, de julho de 1977, e o Decreto n° 81.240/77. Os órgáos de normatizaçâo e fiscalizaçâo dos fundos de pensáo sáo o Conselho de Gestáo da Previdéncia Complementar e a Secretaria da Previdéncia Complementar do Ministério da Previdéncia Social. O Conselho Monetàrio Nacional dita as diretrizes dos investimentos. O Banco Central promove o controle estatístico e divulga as resoluçôes emandas do Conselho, e a Comissáo de Valores Mobiliários acompanha as operaçôes de renda variável. Mensalmente, as entidades encaminham relatórios das suas posiçôes em investimentos para esses órgàos. A Secretaria da Previdéncia Complementar desempenha ainda o papel de protetora dos participantes, e acompanha a segurança econômico-financeira dos planos. Atualmente, o setor público federal tem urna participaçâo reduzida no perfil dos fundos de pensáo. Prevalece um maior número de entidades do setor privado e de empresas patrocinadoras, com potencial de crescimento para mais de sete mil empresas, que congregam cerca de 20 mil trabalhadores. Até março de 1993, havia 269 entidades fechadas de previdéncia complementar. Em 1981, verificou-se um crescimento, pelo menos percentual, no número de entidades aprovadas, em funcionamento antes do advento da lei e com as adaptaçôes realizadas em funçâo dessa lei. InformaçÔes sobre a previdéncia social e complementar em alguns países incluem as responsabilidades trabalhistas, pagas a nivel social, como no caso do Fundo de Garantía. Na Alemanha, há determinada quantidade de marcos, em termos anuais, e a idade prevista para o homem é de 65 anos e, para a mulher, de 60 anos. Esses planos sáo revistos anualmente. Em termos de custos, sofrem alteraçôes para mais ou menos, inclusive o valor do beneficio e náo só da contribuiçâo. No Brasil, existem dificuldades na implementaçâo desse tipo de situaçâo, porque a Constituiçâo aborda o problema da isonomia, do ato jurídico perfeito e do direito adquirido. Na Europa, alguns constituiçôes sáo flexiveis, considerando a abrangència social do fato para o país. Na Argentina, a parte de previdéncia complementar só estava sendo realmente contratada para grupos acima da linha gerencial, chegando-se à linha do executivo, mas com planos abertos. Hoje, a previdéncia complementar argentina está sendo reformulada e deverà se tornar um misto 295 entre o modelo brasileiro e o chileno. Na Austrália, a cobertura abrange apenas o trabalhador de baixa renda. Os demais parcelamentos sao realizados através da previdéncia complementar. Dados medios revelam que a maioria dos países asiáticos, europeus e americanos mantém um nivel de renda na inatividade de cerca de 60%. A Organizagáo Internacional do Traballio também considera que esse constituí um bom nivel de ganho para o aposentado. Na Bélgica, esse nivel de ganho é um pouco mais significativo. Mas, na maioria dos países, os níveis de beneficio nào chegam a atingir 100% do salàrio. Também é preciso considerar que o salário-mínimo nesses países é bem mais elevado do que no Brasil, em termos comparativos de dólar. No Canadá, verifica-se urna tendéncia, com mudanzas na legislagáo, para reduzir a cobertura até cerca de oito salários-mínimos, na equivaléncia em cruzeiros. A programado prevé um período de cinco anos para se atingir esses níveis. A parte complementar deverà ampliar a faixa de cobertura. A Espanha também está mudando totalmente a legislado, para ampliar a atuado do setor privado e reduzir a atuagáo do Estado, considerando que a previdéncia social espanhola enfrenta sérios problemas de liquidez. Houve mudanzas recentes na legislad® e esses valores também estáo sendo reduzidos. A queda da fecundidade e a ampliado da expectativa de vida constituí um problema sèrio para os caixas da previdéncia na Suíga e na Franga. No modelo americano, os beneficios definidos sáo exatamente os beneficios de risco, de invalidez ou de pensáo, náo-programáveis. Hoje, o Estado está bem abaixo da iinha dos complementos da contribuido definida. E a tendéncia, realmente, é de redudo da cobertura previdenciária estatal. A Franga também atravessa momentos difíceis em sua previdéncia social e náo tem caixa para honrar seus compromissos. Está ocorrendo urna redugáo na massa da populado economicamente ativa, com mudangas no perfil demográfico. Atualmente, a quantidade de jovens está se invertendo em relado á quantidade da populagáo com mais de 50 anos, com urna ampliagáo no topo da pirámide de idades e urna expectativa de vida mais longa. Portante, as geragóes atuais e futuras estáo sem condigSes de sustentar e financiar a previdéncia social. Na linha da renda mèdia do aposentado, é possível identificar as partes correspondentes á indenizagáo de fundos trabalhistas. Inclusive, nesse sentido, a Organizagáo Internacional do Trabalho exclui o Fundo de Garantía, considerando que náo deveria integrar urna linha social, onde só entraría, específicamente, a Previdéncia. No Brasil, a parte suplementar para a massa de trabalhadores está bem reduzida. Em alguns países, como Suécia, Singapura, Espanha, agora é que se está desenvolvendo significativamente a parte complementar. Em termos de revisáo constitucional, seria importante, primeiro, que a previdéncia básica estivesse voltada para o trabalhador de baixa renda, com rendimentos de cinco salários-mínimos, no máximo. Se houver um crescimento real no valor do salàrio, devem ser considerados, no 296 máximo, très salários-mínimos. Seria necessàrio também estimular a constituiçâo de fundos, fechados, abertos e públicos, para se ter o maior número de opçôes, e para que todos desfrutem da oportunidade de realizar a poupança individual, com urna renda condigna na inatividade, para a manutençâo da vida pessoal e familiar. É preciso também conceder incentivos, até fiscais, para a constituiçâo dos fundos. Os patrimônios seriam revertidos em reservas desses fundos, para investimentos em empresas, criando oportunidades de emprego e melhorando a distribuiçâo de renda e até aumentando a pròpria arrecadaçâo do Estado em todos os seus níveis. O Artigo 201, Inciso VII, determina a realizaçâo da previdência complementar pública, porém, nâoconcentrada, para evitar a criaçâo de um novo elefante branco. E que se criem, também, condiçôes para participaçâo na administraçâo da previdência complementar pública daqueles que devem exercer a fiscalizaçâo, segmentada a nivel regional, para que nâo se perca o controle, desde que definidas, claramente, as regras de sua estruturaçâo e administraçâo e o elenco de beneficios. Marcelo Viana Estevâo de Moraes (Coordenador) - Agradeço a palestra do Dr. Euclides Antunes e gostaria de conhecer sua opiniâo no que diz respeito a denuncias veiculadas na imprensa sobre entidades fechadas, vinculadas às empresas públicas estatais. Basicamente, as denúncias revelam um aporte excessivo para os fundos de pensâo, por parte das patrocinadoras e em relaçâo à contribuiçâo do empregado. Os fundos estariam sendo financiados pelo conjunto da sociedade, através dos aportes que o Tesouro teria de realizar a essas empresas, para honrar suas obrigaçôes. A outra questáo, vinculada à essa, diz respeito às dificuldades que determinados fundos de pensáo tém enfrentado, em funçâo da pròpria perda do dinamismo econòmico do país, na última década. De certa forma, quando instituíam seus fundos de pensâo, as empresas trabalhavam com perspectivas mais promissoras de crescimento econòmico. Cerca de 15 anos foram perdidos, pois todos os programas sociais implementados pelas empresas acabaram afetados pelo dinamismo econòmico. Gostaria de conhecer sua opiniâo sobre esse aspecto. Euclides Antunes (Conferencista) - O primeiro deles refere-se às responsabilidades das próprias empresas patrocinadoras. Ao longo de sua história, começaram a assumir compromissos diretos e tiveram de pagar beneficios sem que fossem constituidas reservas, e sem a existência de regras claras para a concessáo de beneficios a seus trabalhadores. Conseqüentemente, a partir de 1967, um número expressivo de trabalhadores começou a ser afastado do emprego, e a folha de pagamento de beneficios dessa massa de aposentados, antes pagos diretamente pela empresa, realmente, acabou se tornando pesada. A empresa estatal, portanto, simplesmente constituiu um fundo de pensâo para garantir aos novos empregados, a partir daquela data, urna condiçâo complementar, porém, com a sua participaçâo no custeio, para a constituiçâo das reservas de patrimònio, suficientes para o pagamento desses beneficios. Portanto, quando se fala em indice de paridade da taxa de contribuiçâo, é fácil reconhecer que aconteceram fatos que, realmente, escaparam a qualquer controle, pois nâo houve um estudo prèvio ou urna tentativa de análise dos reflexos daquelas medidas. Evidentemente, tudo isso levou a um nivel de contribuiçâo e a um aporte de recursos mais elevados. Isso porque existe 297 o chamado plano de beneficio definido, cujo cálculo do beneficio inicial, na maioria dos casos, considera o valor do beneficio básico do INSS. Na medida que o INSS veio reduzindo, ao longo desse período, o valor do beneficio em termos reais, em relagáo ao teto de contribuito e ás fórmulas de cálculo, o valor da suplementagáo a ser paga por esses fundos aumentou. Como se náo bastasse a ob rigato direta com a massa de trabalhadores dessas empresas estatais, principalmente federáis, além da redugáo do beneficio do INSS, o que ocorreu? A economia andou de mal a pior e, conseqüentemente, experimentaran! urna necessidade maior de constituirá0 de reservas, mas náo se pode dizer que apresentam déficit. Toda linha atuarial trabalha com urna projeto, urna expectativa, a partir de condi?5es técnicas prováveis, onde tudo é calculado com base em dados estatísticos. A massa de participantes náo tem exatamente o mesmo tempo de vida, nem a mesma expectativa de vida. Alguns morrem antes da data prevista ñas tábuas técnicas, outros, depois. Evidentemente, há urna margem de seguranza que os atuários colocam nesses estudos. Portante, esses níveis de contribuito também devem ser revistos. O modelo do fundo foi alterado pelo mesmo problema apontado há pouco, com relato ao beneficio básico do INSS, que foi sendo reduzido, enquanto se ampliava a responsabilidade da empresa e dos participantes, gerando mais urna vez, de forma indireta, um tributo adicional. Portante, criou-se o plano de contribuito definida, onde nao há a necessidade de se conhecer o valor do beneficio básico do INSS, para efeito de cálculo do beneficio. Basta comprovar a condito de aposentado, por qualquer urna das modalidades, ou de cónjuge dependente da pensáo. Essas mudanzas, realmente, levaram a urna seguranza, foi um aperfei?oamento. Portante, em termos seguros de previdéncia complementar em urna economia e em urna situato social como a brasileira, náo é possível trabalhar com um fundo de pensáo, cujas condigóes sejam somente de beneficio definido. Isso porque se sabe que a economia náo será consertada em curto espado de tempo. Trabalhar numa linha que desconhece esse perfil demográfico, realmente, é difícil. O problema náo está só no Estado, mas também no setor privado e em todo lugar. Sou contràrio á estabilidade do servidor público, porque acredito na livre concorréncia. É a democracia. Tudo que é imposto, compulsório, quebra essa vincúlate. Portante, esses fundos, na verdade, também foram formados em situa?8es distorcidas, típicas da realidade brasileira, quando náo existia sequer a Previdéncia Social. Quando foi constituida a caixa de previdéncia do Banco do Brasil, a Previ, era pago diretamente um salàrio, equivalente a 90% do que o funcionário recebia quando em atividade, após 30 anos de atividade no Banco, no mínimo. Isso foi antes de 1934, ano do advento da Lei Elói Chaves. Posteriormente, em 1936, quando foram constituidos os institutos, como o Instituto de Aposentadoria e Pensóes dos Bancários, o Instituto de Aposentadoria e Pensóes dos Industriários, o Instituto de Aposentadoria e Pensóes dos Comerciários etc., registrou-se um convénio entre o Banco do Brasil e o IAPAS, na época em que o Banco náo contribuía com a 298 parcela referente à empresa, pois garantía o pagamento das aposentadorias e pensòes. A empresa se comprometeu a garantir tudo isso diretamente até determinada data. A partir dai, comegou a ter condigóes técnicas mínimas para criar fundos e reservas, e proporcionar tratamento diferenciado aos admitidos após a data da constituido do fundo. É preciso buscar o passado, para conhecer o presente e pensar no futuro. Hoje, na verdade, nao existe seguranza. E trabalhase muito mais na linha política do que na dos objetivos de mèdio e longo prazos. Está-se adotando urna linha imediatista e, muitas vezes, empírica. Consertar esses fundos é facílimo, basta vontade política. O setor estatal exibia esses modelos de planos, que advèm de algumas décadas. Realmente, existem na Constituido algumas deficiéncias, na medida que é urna Constituido para primeiro mundo, com economia de quinto mundo, urna estrutura sòcio-econòmica bastante complexa, difícil de ser implementada, onde até boa parte das prefeituras sequer paga o saláriomínimo vigente, inclusive para os professores. A previdéncia complementar é urna das ferramentas, entre muitas outras, que deve ser constituida, a mèdio e longo prazos, para auxiliar no desenvolví mento social e económico. Existe urna saída para o Brasil, pois o problema social, económico e de reestruturado nào é exclusividade do país. Com relado à previdéncia complementar, há hoje interesse de várias empresas, sindicatos, federagòes e até centráis sindicáis. Todos demonstram interesse em constituir um fundo de pensáo, mas dentro de condigóes técnicas mínimas, com a participado do trabalhador na gestáo do fundo, a nivel de conselho e de diredo. Porém, é preciso ter cuidado na formado dessa previdéncia, e que seja até regionalizada, para nao se criar "elefantes brancos". A regionalizado pode evitar a explosáo do crescimento e a desmoralizado. Nao cabe a defesa do modelo chileno, por exemplo, que simplesmente privatizou e passou a previdéncia para meia dúzia de administradores, compulsoriamente. Falar em compulsoriedade gera preocupado, pois, se fosse bom, nao seria compulsório, e um plano como o do Chile precisa de um tempo de maturado para atingir um nivel de beneficios minimamente satisfatórios. Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Hoje, para se ter um processo de expansáo da previdéncia complementar - inclusive o senhor mostrou que isso já está ocorrendo - seria necessària urna redudo progressiva da participado das entidades do setor público, inclusive federáis, com o conseqüente aumento na participado do setor privado. E que essa expansáo acompanhasse, na área de previdéncia complementar, a reestruturado do modelo brasileiro de previdéncia social. O senhor identifica mais óbices de natureza estrutural, ou as questóes estariam mais ligadas ao ordenamento jurídico-institúcional e à existència de um sistema melhor, para garantir padròes adequados de gerenciamento desses fundos? Os problemas poderiam ser resolvidos no curto prazo, no sentido de se pensar num novo modelo jurídicoinstitucional para regular a previdéncia complementar no país? Ou haveria alguns óbices estruturais? Como exemplo, é possivel citar a extrema desigualdade de distribuido de rendimentos no mercado de trabalho, que reduz potencialmente a clientela da previdéncia complementar, pois, à medida que se tem a maioria da populado ativa composta por 299 assalariados de baixa renda, a propensào a poupar e a contribuir adicionalmente para um programa de previdència complementar é menor. É possivel citar também a perda do dinamismo econòmico, bem como a instabilidade decorrente das taxas de inflado, que prejudicam a previsáo dos níveis de retorno, e a pròpria capacidade de capitalizado dos recursos alavancados. Resumindo, onde o senhor identificaria os grandes óbices, para que fosse possivel deslanchar, generalizar ou ampliar o espado da previdència complementar no bojo do sistema de proteso social? Euclides Antunes (Conferencista) - Existe um potencial de cerca de sete mil empresas, com mais de 500 empregados, para constituido dos fundos de pensáo. No entanto, prevalece a inseguranga, na medida que se constituí um fundo e o Estado determina, a todo momento, a compra de letras hipotecárias, em troca de um pagamento específico. Ou seja, o Estado invade a poupanga individual do trabalhador. Enquanto teve a sua contribuido descontada do salàrio e j á tributada, verifica-se um desrespeito, pois cumpriu sua obrigagào social na pràtica, com a tributado inicial do salàrio. Portante, com essas interferencias excessivas e definigòes de condigòes pouco seguras, torna-se temeràrio constituir fundos, e mais temeràrio ainda quando o modelo era o do beneficio dito definido, onde se considera o valor do beneficio básico do INSS, para efeito do valor da suplementado. Há um grande número de empresas com planos aprovados, simplesmente aguardando algumas definigòes, inclusive sobre a sua atuado no mercado, para implantar o seu fundo, a previdencia complementar, só que dentro do modelo de contribuido definida. Seria muito mais atrativo se as empresas e os trabalhadores tivessem urna linha de incentivo para a constituido do fundo, que náo fosse simplesmente reconhecida para efeito de cómputo cías despesas operacionais da empresa, como ocorre hoje. Na medida que se está na posido de um empresário, observa-se que ele tem de arcar com urna carga tributària pesadíssima, para controlar todas as suas obrigagòes legáis e fiscais. Vários segmentos empresariais tèm reconhecido as vantagens da constituiQáo dos fundos de pensáo para o país, para os empresários e para os trabalhadores. Adinaldo Luiz - Gostaria de fazer très perguntas. Primeiro, por que o senhor considera necessàrio estabelecer, inicialmente, um teto de cinco salários-mínimos e depois passá-lo para très? Isso é um padráo internacional ou um padráo adequado ás condigòes sociais do Brasil? O senhor afirma que a previdència complementar pública deveria estabelecer algumas regras, como a regionalizado. Mas, há necessidade de urna previdència complementar pública? Existe urna participado efetiva dos interessados na fiscalizado das aplicagóes de recursos e na gerència desses recursos por parte das entidades? Euclides Antunes (Conferencista) - Sobre o teto de beneficios ser o equivalente a cinco salários-mínimos, essa é urna tendència. A análise do perfil demográfico brasileiro indica a adequado desse limite. Porém, se o salário-mínimo tiver crescimento real, o limite passa para 300 très salários. Esse teto nâo tem parámetros em outras países e está baseado na realidade brasileira. A história tem demonstrado que modelos como o da Previdência Social brasileira apresentam sérios problemas e condiçôes insuficientes para financiar os idosos. Nesse sentido, o problema mais recente foi identificado na França e na Sufça. E por que tem sido recomendada a mudança do modelo? Evidentemente, nos países do primeiro mundo, altamente automatizados, acabam reduzindo o nivel de emprego e a carga horária de trabalho, quer queiram ou nâo, e apesar da máo-de-obra qualificada. No Brasil, porém, consideradas as divergências e as diferenças conhecidas, torna-se difícil praticar os modelos previdenciários adotados no primeiro mundo. Deve-se subir a escada degrau a degrau. Hoje, o teto de contribuiçâo para a Previdência está sendo mantido, simplesmente, em funçâo da necessidade de caixa para pagar os assistidos. Nâo há outra razáo. Isso é verdade na maioria dos países abordados aqui. Realmente, chegou-se à conclusâo de que a tendência, em funçâo das mudanças sôcio-econômicas, é manter a Previdência Social, a obrigaçâo do Estado, direcionada para o amparo do trabalhador de baixa renda. Nesse caso, a obrigaçâo do Estado também é da sociedade, pois contribuímos para a Previdência nâo para receber o beneficio, mas para manter aqueles que estâo sendo assistidos. Essa é uma tendência mundial. Sobre a necessidade da previdência complementar pública, realmente, o Estado deveria ficar com a previdência oficial, básica. A previdência complementar pública está prevista na Constituiçâo, com o objetivo de se criar um grande fundo para financiar algumas linhas da economia, mas realmente nâo é o indicado em uma economía como a brasileira. E nâo é indicado porque existem mecanismos que podem atender essa demanda da mesma forma, sem que o Estado precise estar presente. E como serâo realizados os estudos atuariais, as condiçôes técnicas de acompanhamento, o recebimento e o controle das contribuiçôes, através de carnés, conforme determina a Constituiçâo? O Brasil é o único país do mundo onde, ao se requerer a aposentadoria, é preciso provar que o pagamento foi efetuado. Torna-se muito difícil controlar um plano desses com mais de 20 milhóes de pessoas. Por isso, nâo sou favorável à previdência complementar pública, nos moldes hoje propostos, mas à previdência mais ampia, aberta e democrática, a cargo do setor privado. Sobre a transparencia dos fundos de pensâo, os modelos apresentados aqui tém, obligatoriamente, de encaminhar a cada participante o relatório da composiçâo de seus ativos e um demonstrativo da rentabilidade do seu patrimonio, de très em très meses. Conseqüentemente, num plano com contribuiçâo definida, onde existem contas individuáis ou sistema de cotas, é possível encaminhar aos participantes o extrato da conta dele, com os valores nomináis das contribuiçôes, o número de cotas adquiridas e a quantidade, como se fosse uma conta corrente, sendo possível acompanhar a evoluçâo do valor das cotas do fundo, no período. Outra forma de demonstrar isso, para que atinja todas as carnadas, está na comparaçâo entre a rentabilidade da poupança e a do valor das cotas. 301 No máximo a cada trés meses, o participante deve receber informales sobre a composito de todos os ativos, sobre o comportamento deles e os demon strati vos de sua rentabilidade. Evidentemente, urna vez ao ano, deverà receber um relatório com os demonstrativos contábeis, que incluem baiando, análises e auditoria independente, registrados no Banco Central, e os relatórios encaminhados à Comissáo de Valores Mobiliários, que pode ter acpsso a qualquer fundo e analisar qualquer operagáo, de acordo com a legislado vigente. A tfansparència é a melhor forma para criar confiabilidade. Por isso, a gestáo desses fundos deve ser realizada por profissionais, para se evitar erros. A contribuido para um fundo de pensáo tem objetivo previdenciário e náo urna finalidade financeira, com contratado de juros e prazo para resgate. Visa a complementar os beneficios da Previdéncia Social. Portanto, náo pode se desvincular nunca da previdéncia básica. E nem ser tratada como instituido financeira, mas na sua fungáo social mais ampia. Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Gostaria de agradecer a exposigáo do Dr. Antunes. Estáo encerrados os trabalhos de hoje. 302 A FREVIDÉNCIA SOCIAL E OS DESAFIOS DA REVISÁO CONSTITUCIONAL R I O NOGUEIRA-' Marcelo Viana Esíeváo de Moraes (Coordenador) - O Dr. Rio Nogueira tem larga experiéncia na área, foi diretor do INPS, é professor catedrático da Universidade Federal do Rio de Janeiro e presidente da STEA, responsável pela criado dos maiores fundos de pensao no Brasil. Com a palavra, o professor Nogueira. Rio Nogueira (Conferencista) - Agrade^o a oportunidade de saudá-los em nome da STEA, que foi criada em 1973. Desde essa época, a empresa tem procurado imprimir alguma racionalidade na Previdéncia brasileira. Estou completando meio século de vida profissional dedicada á Previdéncia. Sou colega dos senhores, já aposentado, mas sem complementado de aposentadoria. Entrei para o Ministério do Trabalho através de um concurso de atuário, que costumava reprovar todos os candidatos na primeira prova. Conhecia matemática satisfatoriamente, pois havia me formado em matemática pura, mas desconhecia por completo o cálculo atuarial. Os dicionários eram imprecisos e vagos na conceituagáo do atuário. Alguns informavam que o atuário era o escriba egipcio, encarregado de redigir os papiros dos faraós. Como náo tinha prática em lidar com papiros, e nem conhecia nenhum faraó, a perplexidade era grande. Outros afirmavam que o atuário era o funcionário do Senado romano, da época dos Césares, responsável pela redagáo das actas. Daí, o nome latino actuariu, o que comprova a antigüidade da profissáo. E demonstra também que o conflito entre o técnico e o político vem de longa data. Imagino que os atuários daquele tempo questionavam os senadores, como fazem os de hoje com os políticos, de urna forma geral. Outra definido explicava que o atuário era uma forma de embarcado fenicia, o que tampouco me credenciava para o cargo. Sabe-se que o atuário é um dublé de engenheiro e economista. Estuda os fenómenos financeiros e aleatórios, onde há dinheiro e risco de ganhá-lo e perdé-lo. A aposentadoria por invalidez, por exemplo, é o dinheiro a ser recebido se ocorrer um fato indesejável, a invalidez. A pensáo por morte é o dinheiro que um grupo irá receber com a morte do instituidor. Existe '/ Palestra realizada em 1 o de julho de 1993. 303 sempre um fato aleatòrio, um risco, condicionando a presenta de um dinheiro exigfvel em prazos definidos e, às vezes, indefinidos. Ninguém sabe, por exemplo, quando o seguro de vida será pago. Dependerá da época aleatòria do sinistro. Essas linhas gerais, conhecidas de todos, servem de introducjào para o enfoque técnico, atuarial, desta exposi$ào sobre o problema da Previdéncia, onde está incluido também o lado ético. Antes de sernos atuários, somos pessoas humanas, com problemas humanos e afliges. E a Previdéncia constituí um termo do binòmio seguridade social, que trouxe esse conceito ampio no Convénio 102 da Organizado Internacional do Traballio. Forma urna espèrie de movimento de busca incessante de melhores condiQòes de vida e abrange a protedo tanto no campo da Previdéncia como no da assisténcia. Além de outros de abertura de horizontes de bemestar. No Brasil e no mundo, a Previdéncia guia-se por trés dualismos clássicos. O primeiro é o que separa a previdéncia básica, estatal e obrigatória, da complementar, privada e facultativa. Isso configura o dualismo teleológico, pois constituí urna separado presa a urna divergéncia de finalidades. E a teleologia é a parte da filosofia que cuida dos fins. A previdéncia básica tem o objetivo de seguranza nacional de evitar a entrega á misèria extremada de grandes massas obreiras, decorrente de um abandono total do Estado em relado ao problema. Quem conhece o INPS, o NPS, os antigos IAPs, e ouve críticas a eles, no entanto, sabe que se náo existisse o INPS, o INSS, grandes massas operárias experimentariam o abandono do infortunio e o problema social recairia sobre o Estado. Por isso, o INSS é um segurador do pròprio Estado, um instrumento de seguranza nacional, que náo pode acabar. Naturalmente, como a finalidade da previdéncia básica consiste em evitar a crise social, que decorreria da imprevidéncia generalizada, eia náo pode ser rica, completa, nem tampouco manter beneficios com altos salários. Aposentadorias de 100 milhòes de cruzeiros por mès, na previdéncia básica, nao fazem sentido. Tem de ser módica, mèdia e obrigatória. Foi assim que Bismarck a concebeu na Alemanha, para impedir que grupos ficassem desprotegidos, gerando a crise social. Justamente porque a previdéncia básica é limitada, existe a necessidade de urna outra, complementar, pois as pessoas náo desejam na aposentadoria, na velhice e na invalidez reduzir os padróes e torná-los incompatíveis com aquele obtido enquanto trabalhavam. A previdéncia complementar, porém, náo apresenta o mesmo grau de indispensabilidade da primeira. Por isso, náo é obrigatória, mas facultativa. Pertence à iniciativa privada, porque interessa às empresas que seus funcionários, no momento adequado, deixem os quadros funcionáis, quando a produtividade estiver reduzida em fundo da velhice, para promover a renovado e manter a produtividade e, conseqüentemente, a lucratividade. Portanto, prevalece esta questáo objetiva. Até onde deve ir a a d o do Governo e, a partir dai, comesar a da iniciativa privada, o limite? Isso deveria ser colocado taxativamente na nova Constituido, para impedir que as leis ordinárias alterem o limite. Até 1966, o teto do salàrio 304 de contribuito era de cinco salários-mínimos. O Decreto-Lei, de 21 de novembre de 1966, duplicou o teto para 10. Depois, a Lei n° 5.890, novamente, duplicou para 20. Isso é inadmissível. Na medida em que a previdència básica eleva tanto o salàrio de contribuito, acarreta problemas até de custo. Os trabalhadores passam a vida inteira contribuindo sobre o salàrio baixo. Antevendo a aposentadoria, entram em acordo ou conchavo com os patr5es e aumentarci o salàrio de contribuito, para forcar a mèdia, que resultará na alterato artificial do beneficio no firn da vida ativa. Náo há sistema que suporte essas fraudes. Existe a instabilidade do teto do salàrio de contribuito, que chegou a 20 saláriosmínimos e, depois, comegou a baixar. A Lei n° 6.708, de 1979, determinava que "o teto do salàrio de contribuito, ou teto do salàrio de beneficio, deve ser reajustado pelo índice Nacional de Pre?os ao Consumidor". Isso vigorou, rigorosamente, até 1985. A partir de 1986, de repente, o INPS, o Governo, esqueceram essa Lei, e o teto passou a sofrer urna redugáo, que ninguém percebeu. O grupo de atuários, que sempre dimensiona o salàrio das empresas, verificou entáo que o segmento dos empregados minorantes, que ganhava até metade do teto, estava migrando para os mediantes, que ganham entre meio-teto e o teto. E os mediantes para os majorantes, que percebem além do teto. Náo porque houvesse um aumento dos salários, mas em f u n t o da reduto do teto. Isso foi notado e as fundantes advertidas, pois estavam sendo prejudicadas de fato pela reduto do teto. Teriam de promover urna complementato maior, além do prejuízo geral para todos os trabalhadores contribuintes sobre o salàrio elevado, cujo beneficio seria avaliado com tetos reduzidos, no fim da vida. Urna total imoralidade. Houve quem considerasse isso náo apenas um furto, mas um roubo, pois constituiu um furto violento com as armas da República. A Constituito deveria definir de vez um teto para o salàrio de contribuito, a náo ser mais alterado. Esse teto seria de 2, 5 ou 10 salários-mínimos? Deveria ser de 5 salários, nivel bem acima da mèdia dos salários do trabalhador. A partir disso, entraría a previdència privada facultativa, para os que desejassem o sacrificio contributivo com o objetivo de manter o padráo alcanzado na atividade. O dualismo teleológico náo é o único que marca a evoluto da Previdència. Há outro extremamente incómodo, o dualismo mercadológico. Existe urna previdència pura na área privada, de caráter mutualista, cooperativista, sem fins lucrativos. Aufere lucros, mas os reverte para os próprios participantes dessa previdència, corresjxmdendo ao conceito clàssico de lucro no regime capitalista. Quem investe é que deve lucrar. Nesses sistemas, o investidor é o contribuirne. A empresa, às vezes, também investe, patrocinando o sistema. Portante, se há lucro, deve retornar aos participantes ou ás empresas, através do rebaixamento das taxas. Os lucros jamais deveriam beneficiar terceiros. A referéncia vale p>ara as entidades criadas na forma de companhias de seguro, bancos, as chamadas entidades abertas, sem fins lucrativos. Em 1950, tinha acabado de prestar o concurso de cátedra para a Faculdade Nacional de Ciéncias Económicas. Um dos professores, 305 Jorge Felipe Kafuri, era diretor da Companhia de Seguros Sul América. Ele disse: vocé é um atuário jovem e irá examinar um sistema para enriquecer ainda mais a Sul América, vendendo um plano de aposentadoria complementar para as grandes empresas, que pretendem afastar os velhos improdutivos. Aos 28 anos, cheio de inexperiencia, calculei um plano de venda para as empresas, através dos métodos ortodoxos. No entanto, os métodos aceitos pela Sul América estavam todos voltados para o lucro da companhia de seguros. A tábua de mortalidade utilizada para avaliar o risco da aposentadoria nào matava ninguém - era para os deuses do Olimpo, ou para os imortais da Academia de Letras, já que superestimava o risco da aposentadoria. Quando se tratava da pensào, a tábua era a do Congo Belga. Naquela época, matava-se todo mundo no curto prazo, para superestimar o risco da pensáo. E a taxa de juros era de 3% ao ano. O juro é o retorno do dinheiro pago pelo participante. O corretor ganhava 40% de comissáo. Convenci-me de que, enquanto as companhias de seguro náo abdicassem da avidez lucrativa, nada teriam a fazer na área da previdència privada. A partir disso, desisti de qualquer coisa no setor previdenciário privado. Depois de decorridos 13 anos, incomodada com a pressáo de seus empregados, que ganhavam bem mas temiam perder o salàrio em fungào de doengas e invalidez, e neurotizados pela inseguranga, a Petrobrás criou um grupo de traballio do qual participei. Na época, em 1963, ainda nào existía o INPS e eu era atuário e diretor do IAPETC. A idéia da Petrobrás consistía em criar um instituto de previdència para seus funcionários. Naqueles anos da década de 60, era muito difícil convencer o regime de urna idéia inovadora, que nào partisse dos militares. Mas, depois de sete anos de muita luta, nasceu a primeira fundagào de seguridade social, denominada PETROS. A pretensào do nome alatinado atribuía um sabor clàssico à iniciativa. A PETROS nasceu com Ernesto Geisel, na Petrobrás, prestigiando o sistema. Já como presidente da República, destacou em seu currículo, publicado nos jomáis, o fato de ter criado a PETROS, e indicou o nosso grupo a seus ministros de Estado. A partir disso, estabelecemos a Vália, para a Companhia Vale do Rio Doce. Sempre buscamos nomes alatinados. Vália é o antroponimico latino para saúde. Criamos o Portus, na Portobrás e depois o Núcleos, na Nuclebrás. A Reffer, da Rede Ferroviària, levou nove anos. Era um sonho. Em 1963, ninguém falava em fundos de pensáo no Brasil. Diziam que éramos visionários. Mas, sonhamos, lutamos e hoje o sistema é triunfante. Sáo 22 bilhóes de dólares, atraindo a cobiga do Governo. Foi o inicio dos chamados fundos de pensáo no Brasil. É um nome impròprio, pois esses fundos nào complementam a pensào, mas a aposentadoria. Nos Estados Unidos, pensáo è também denominada aposentadoria,'o que nào existe aqui. Portante, o nome proposto, "fundo de seguridade", nào constituí espanholismo, mas portugués castigo, introduzido há muito tempo no compéndio de Seguro Social, do saudoso Armando de Oliveira Assis. Todas essas recordagóes servem para demonstrar a divergència e o dualismo entre a previdència sem fins lucrativos, criada por urna empresa ou grupo de empresas para seus empregados, que revertem os lucros quando existem para os próprios empregados, e a outra 306 previdéncia explorada («lo Bradesco, Bamerindus, Unibanco, Banco Nacional, que tomam dinheiro, aplicam a taxas bem superiores a 0,5% ao mès, e distribuem os diferenciáis de juros aos acionistas, que atuam como Pilatos no Credo. O ponto de vista mutualista das entidades fechadas, tem de ser defendido. Existem entidades abertas, dirigidas ao público em geral, que tampouco apresentam ñns lucrativos e estáo obligadas pela Lei n° 6.435, artigo 23, a destinar o lucro aos participantes. Sáo os antigos montepíos, ainda criticados por muitos, embora sem nenhuma culpa. O antigo montepío n3o podía instituir plano com c o r r e t o monetària, só estabelecida em 1964, pois nào era legai. A criagáo do Mongeral, por exemplo, data de 1835, por inspirato do Visconde de Sepetiba. Pelo contrato realizado, cobrava-se urna contribuito náo-reajustável e concedia-se um beneficio tampouco reajustável, a nivel de mendicáncia. Ao participar do grupo de traballio que elaborou o projeto da Lei n° 6.435, pretendi estabelecer que todos esses montepíos enrìqueceram, e tèm propriedades espalhadas pelo país. A APLUB possui um territòrio, na Amazònia, maior do que a Holanda. Pretendía que esse dinheiro fosse devolvido aos participantes, que recebiam beneficios de mendicáncia. O artigo 23 dessa Lei, inspirado por essa pressào, determinava que o lucro dos montepíos se destinassem a planos assistenciais e culturáis, em favor dos participantes. Náo houve, porém, retroato no critèrio. Os deputados alegaram a impossibilidade de se criar na Lei um critèrio retroativo para a alterato dos contratos, pois confíguravam atos jurídicos perfeitos. Mas, esses montepíos de grande porte, com balangos absolutamente seguros, e vigiados hoje com rigor pela SUSEP, órgào do Ministério da Fazenda, merecem atualmente todo o respeito, pois a finalidade nào è muito diferente das entidades fechadas de previdéncia. Essas insti tuigòes sao os possíveis aglutinadores das microempresas. Trago, hoje, um remorso profissional. Ao incentivar a c r i a t o de um sistema complementar para as grandes empresas, muitos afirmam que elitizei o sistema. Nào é bem isso. A idéia consistía em estender a todas as empresas, mesmo às pequeñas, através de fundos multípatrocinados, com a participato dos montepíos, que seriam orientados nesse sentido. O Governo, no entanto, náo entende muito essa situato, isto é, as pessoas que ocuparam cargos e náo tíveram sequer um momento de reflexáo razoável para pensar nessas questòes. Esse é o dualismo mercadológico. Existe ainda o dualismo tecnológico. Torna-se necessàrio equacionar o equilibrio de urna entidade de previdéncia. Ai entram os regimes financeiros. Pode-se adotar um ponto de vista meramente contábil. Cobra-se o dinheiro, prevè-se a despesa do ano e no final o ingresso de receita é igual à despesa e náo se formam os fundos. Esse regime é denominado repartito simples. Pode-se criar fundos, conforme preconizavam os antigos atuários, da década de 40. No inicio, cobra-se mais do que se gasta para a composito dos fundos, pois as despesas com os aposentados e pensionistas crescerci com o decorrer dos anos, pela interposito de novas massas aposentadas e píelo aumento de despesas em ritmo superior ao da receita, principalmente, quando 307 a massa ativa cometa a decrescer, ao invés de crescer, em fungaci do traballio informai e da falta de emprego, e a conseqüente ausència de contribuigào. Na década de 40, os antigos IAP dispunham de fundos. Os políticos, porém - é a velha questào entre o técnico e o político -, viram aquele dinheiro sobrando e pretenderam gastá-lo em assisténcia médica e obras de efeito promocional e imediato, para manter o eleitorado. Cada um dos institutos protestava. Como diretor do IAPETC, protestava, e nào era demitido porque nao havia outro atuário, mas apenas um em cada instituto. Portanto, tornava-se impossível a substituigáo. O protesto predominava também no IAPI, IAPM, IAPC, porém, em váo, pois os políticos contavam com as tribunas. Na elaboragáo da Leí Orgánica da Previdéncia, n° 3.807, de 23 de agosto de 1960, o presidente Juscelino Kubistchek ouviu os argumentos dos atuários de que ninguém deveria se aposentar antes dos 55 anos, senáo os institutos acabariam insolventes. O presidente entendeu o argumento e a Lei estabeleceu o limite etário de 55 anos. Os brasileiros, no entanto, náo gostam dessa situagáo. O saudoso colega Moacir Cardoso de Oliveira dizia: "Vai chegar urna época em que o brasileiro recém-nascido irá entrar com requerimento de aposentadoria, pedindo logo o pagamento dos nove meses de atraso. " A questào fundamental está na idade para a aposentadoria. Evidentemente, todos gostariam de se aposentar mais cedo. Mas, do ponto de vista individual, o egoísmo náo pode se sobrepor ao interesse coletivo. O custo da aposentadoria é altissimo. Se alguém coloca um dólar todo més na caderneta de poupanga a 0,5% de juros, ao final de 30 anos, terá 1004 dólares. É um cálculo de matemática financeira. E o que fazer com 1004 dólares? Se aplicar a 0,5% terá cinco dólares. Portanto, pagou durante 30 anos um dólar, para receber cinco pelo resto da vida. A proporgáo de um para cinco é de 20%. Isso sem mencionar a despesa administrativa. A aposentadoria é cara, e nem todos pagam por 30 anos. Quando o INPS foi criado, muitos comegaram a participar com 30, 40 anos de idade, sem nunca haver contribuido antes. O individuo, às vezes, contribuì muito tempo sobre o salàrio baixo. No final da vida, duplica ou triplica o salàrio de contribuigào e ninguém cobra os atrasados sobre o salàrio mais alto. Considerando a aposentadoria de alguém que pague durante 10 anos e, por exemplo, aplique um dólar na caderneta de poupanga, o rendimento será de 163 dólares. Se desse montante for retirado 0,5%, ai tem-se 0,8. Quer dizer, paga-se um para se ter 0,8 dólares, ou 125% do que irá receber. A aposentadoria é muito cara. A solugáo está em se valer das massas jovens, num processo de solidariedade contributiva, onde váo ingrassando e retardando o envelhecimento. Isso porque, apesar do ingresso de massas jovens, o envelhecimento é inexorável até atingir a estabilizagáo ao longo do tempo. Os atuários cobravam urna taxa de contribuigào muito maior do que o estritamente indispensável para cobrir a despesa anual. Formavam saldo, as reservas matemáticas, que seriam 308 investidos para que os juros ajudassem, mais tarde, na sustentado do sistema, através da contribuido retida dos valores iniciáis. Como os políticos dilapidaram esses fundos, o INPS herdou a massa falida dos antigos institutos e já comecou com um regime de caixa. O que é o INSS, hoje? Um reservatório alimentado por um cano de urna polegada e um ralo de duas. Quando o dinheiro entra, já saiu. Por náo formar fundos, torna-se absolutamente desinteressante para o Ministério da Fazenda, pois o ministro quer fundos para aplicar no plano de desenvolvimento económico nacional. Dai advém a total falta de interesse, na época, do ministro Delfim Netto. No Governo Figueiredo, fui convidado a assumir o Ministério da Previdéncia, pelo diretor-geral do DASP, por ser considerado "pulso duro. " Quando perguntei-lhe para qué, e por qué, ele pròprio náo assumia, a resposta foi imediata. Ele náo quería se queimar aos 49 anos. E nem eu tampouco, aos 59 anos. Era assumir em um dia e brigar com o Delfim no dia seguinte. O desinteresse do Ministro da Fazenda pelo sistema de previdéncia era total, em fundo da ausència de fundos. Talvez fosse o caso de se impor um regime de capitalizagáo, com formagáo de fundos, na Constituido, para equilibrar o sistema. Isso representaría agora um sacrificio, para nao transferir para o futuro o fardo da irresponsabilidade atual. É o que alguns estados estáo fazendo, embora ainda seja pouco. A aposentadoria por tempo de servilo, precoce, náo corresponde a nenhum conceito securitário. Torna-se necessàrio entender que a Previdéncia precisa agir nos casos de infortunio, quando o trabalhador perde o potencial lavorativo. Isso está no item I, do artigo 25 da Declarado Universal dos Direitos do Homem. É o postulado básico de toda a previdéncia, assistència e seguridade, e o principio de que todo homem tem direito a um salàrio que garanta um nivel adequado de vida e assistèncias médico-farmacèutica-hospitalar, os servidos sociais indispensáveis. Esse mesmo principio estabelece ainda o direito ao seguro, em caso de desemprego, velhice, invalidez ou morte. E no caso também de perda dos meios de subsistència, por circunstàncias alheias à vontade do cidadáo. É um belíssimo postulado, que inspira ou deveria inspirar a Previdéncia. Na formado das leis, é preciso observar que elas sáo instrumentos da moral, que constituí um círculo dentro do qual se insere outro menor, que é a lei. A lei é a moral coercitiva. Existem fatos moráis obrígatórios, os previstos ñas leis. Mas, há os fatos moráis que náo precisam de leis, como cumplimentar amavelmente as pessoas, por exemplo. No entanto, no Direito Previdenciário, observa-se o círculo do Direito extravasar o da moral e entrar no campo da amoralidade ou da imoralidade. Ao se examinar a Lei da Previdéncia, encontra-se paradoxos, antinomias e contradices incríveis. No servido público, por exemplo, a aposentadoria está correlacionada ao tempo de servido do inválido, como se ele fosse culpado pela invalidez. A Constituido manteve esse erro, ao invés de garantir ao inválido a aposentadoria integral e náo a proporcional. Estranho é que, para os juízes, a lei assegura a aposentadoria integral, no caso de invalidez. 309 Tampouco se justifica a aposentadoria aos 30 anos para o professor, e 25 para a professora. A profissáo nao é penosa. Aturar aluno, corrigir provas nao é muito agradável, mas todas as profissdes tém um lado desagradável. Nada disso, porém, agride a saúde. Os aeronautas também desfrutam da aposentadoria encurtada. É urna profissáo como qualquer outra. Eles gozam de ótima saúde, aposentam-se aos 25 anos e depois voltam a trabalhar. Isso constituí um contra-senso. Na medida que se gasta dinheiro com aposentadorias precoces, absolutamente desnecessárias, concedidas a pessoas jovens, ás vezes, no apogeu da produtivídade, perde-se recursos para beneficiar os inválidos, para as pensóes. Nesse ponto, verifica-se um desvirtuamento da Previdéncia, pois a aposentadoria por tempo de servido nao corresponde a risco algum. O sonho do brasileiro consiste em se aposentar para nao fazer nada. Infelizmente, tudo isso foi dito por mim em um livro encomendado pelo Afif Domingos, da Associagáo Comercial de Sáo Paulo, quando Paulo Maluf e Tancredo Neves disputavam a Presidéncia da República. Para que eles conhecessem um pouco sobre a Previdéncia, fui solicitado a apresentar a minha experiéncia de 40 anos na área. No livro, sugería idéias ao político honesto e inteligente - admitindo a sua existéncia -, mas só extraíram a parte palatável, politicamente aceitável. Consideraram, por exemplo, que o companheiro também é dependente da mulher e nao só o cónjuge, independientemente de ser inválido ou náo. Isso foi aceito pela Constituido. Mas, quando se pensou em condicionar a aposentadoria por tempo de servido e a reforma dos militares a limites de idade marcados pelo cometo da perda do potencial laborativo, a idéia foi descartada. Atualmente, fala-se nisso. Os jornais discutem o fim da aposentadoria por tempo de servido e o estabelecimento do limite de 65 anos para os homens e 60 para as mulheres. Esse é outro erro. Náo vejo razáo alguma para distinguir a mulher do homem. Ela é igual ou até melhor. Envelhece.mais devagar, sáo eficientes, tém valor. Aposentá-las com base na dupla jomada, trabalho no emprego e em casa, é muito discutfvel. O homem deveria ajudar a mulher nos servidos culinários, para que o problema seja resolvido domésticamente em tempo hábil, e náo permitir que ela sofra a vida inteira para depois encurtar a sua atividade profissional, eliminando toda urna perspectiva de crescimento na parte produtiva. Essa proposta de 60 anos para a mulher e 65 para o homem é cruel para aqueles cujo trabalho é menos intelectualizado. Realizei um estudo profundo sobre o trabalho humano, conceituando nominalmente - urna mania de matemático -, para definir o ente novo a partir de entes lógicamente caracterizados. É o processo construtivo da teoría dedutiva. O trabalho humano constituí urna seqüéncia de atos praticados, com o objetivo de aumentar a probabilidade de determinado acontecimento chamado meta do trabalho, O individuo pode até náo alcanzar o seu objetivo, mas trabalha para aumentar a probabilidade de atingir a meta. Um pesquisador do virus do cáncer, por exemplo, mesmo que náo consiga descobrir a cura da doen?a, ao final do dia, aumenta a probabilidade de vir a fazé-lo no futuro. Existem trabalhos em que os atos praticados pelo individuo sáo preponderantemente reflexos. E há outros que sáo, predominantemente, refletidos. O trabalho intelectualizado inserese nessa segunda classe. O trabalho do atuário, do engenheíro, do médico, do chefe constituí 310 atos refletidos, enquanto o braçal lida, preponderantemente, com atos reflexos. A idade, o envelhecimento, afetam mais os atos reflexos do que os refletidos. A experiência do intelectual ajuda a aumentar a sua produtividade. A curva etária da produtividade do intelectual começa num nivel baixo, ascende e atinge o máximo por volta dos 65 anos. Depois decresce, em funçâo da esclerose. O trabalhador braçal atinge o máximo aos 25 anos. Depois, decresce, pois a tecnologia utilizada náo é sofisticada como a do intelectual. Portante, o tempo concorre para aumentar a produtividade do intelectual. Náo é natural aposentar um engenheiro, advogado ou médico aos 55 anos. Estâo no auge da produtividade, enquanto o braçal, nessa idade, j á merece realmente um repouso definitivo. Esse limite único de 60 anos, fixado para todos, é cedo para o intelectual e muito elevado para o braçal. É cruel para os que trabalham em situaçôes menos favoráveis. Os alunos perdem quando um professor expedente deixa o cargo aos 50 anos. Essa experiência poderia ajudar a muitos deles e ao país indiretamente, com o crescimento cultural. Essa idéia é difícil de ser colocada em pràtica. Todo ministro que pretendeu acabar com a aposentadoria por tempo de serviço teve de abandonar a pretensáo, por falta de apoio político e das ameaças de demissáo. A idéia, porém, deve fazer parte da nova Constituiçâo. A aposentadoria por tempo de serviço, realmente, náo apresenta conotaçâo securitária que a torne um beneficio declinável. Há um erro fundamental na lei quando estabelece um sistema de castas, no caso da pensáo por morte. Os dependentes presumidos obrigatórios sáo o cônjuge, filhos e enteados. Depois existe urna segunda classe, os pais. Isso está na Lei 8.213. Mas um parágrafo determina que, havendo elementos de urna classe, os da classe seguirne sáo descartados. Um absurdo total. O individuo sustenta a filha de 20 anos e os pais, que sáo pobres. Quando morre, a filha absorve toda a pensáo e os pais nada recebem, pois a lei criou a idéia de castas. Um ano depois, a filha completa 21 anos e perde a pensáo. Os très ficam na misèria. Isso é urna regra ilógica. Como essa, existent inúmeras outras. No inicio desta exposiçâo, afirmei que todo o nosso esforço para imprimir racionalidade à Previdência tem obtido algum resultado. A companheira, por exemplo, constituí urna inovaçâo criada, primeiro, na Previdência complementar, para depois ser inserida na básica. Houve mulheres que discordaram, pois náo queriam deixar pensáo para os maridos, para ele casar com outra, como ocorreu em Pernambuco. É urna espécie de ciúme pòstumo. Mas, atualmente, elas aceitam a idéia. A Constituiçâo deveria estabelecer a invíabilidade de incentivos fiscais para a previdência com fins lucrativos. Náo cabe criar incentivos para aumentar os lucros dos bancos que atuam nessa área. E deveria também determinar um limite fixo de cinco salários-mínimos para a açâo da Previdência básica. A partir dai, a previdência privada teria campo para operar. A Constituiçâo teria de garantir a familia, como conjunto de pessoas cuja sobrevivência realmente depende, por motivos justificados e comprovados, do instituidor. O conceito de dependente náo é o de herdeiro, pois a pensáo náo consiste em um bem individual, que alguém legue, à sua vontade, a quem quiser. Pelo contràrio, constituí um bem construido com a contribuiçâo geral, náo só daquele que deixa a pensáo, mas de todos os solteiros, empresas e Estado. É um bem 311 social e tem de servir para um firn social, para a sobrevivência dos dependentes do instituidor. Se a sociedade aplaude o instituidor que sustentava determinado grupo, quando ele morre, deveria colocar-se no lugar dele e sustentar esse mesmo grupo, constituido nao apenas da mulher e dos filhos com privilégios sobre as demais castas, mas de todas as pessoas que, em funçâo de minoridade ou idade avançada, doença ou invalidez, nâo conseguem sobreviver sem a ajuda do participante. Muito obligado. Marcelo Viana de Moraes (Coordenador) - Ao iniciar os debates, passo a palavra ao Senhor Adinaldo. Adinaldo Luiz Martins - Sou da Coordenaçâo de Estudos da Secretaría de Previdência Social. A brilhante exposiçâo do professor Rio Nogueira demonstra que a experiência é fundamental para a produçâo intelectual. Gostaria de saber o que fazer para que o atuarial se sobreponha ao político. Essa dificuldade estará presente na revisáo constitucional. O político tem se sobressaído, praticamente, sobre todos os outros setores. Quai a proposta ou sugestáo para melhorar o sistema e torná-lo mais real diante de toda a conjuntura da populaçâo? Rio Nogueira (Conferencista) - Nâo é fácil encontrar urna soluçâo para essa questâo. Mesmo que a Constituiçâo viesse a determinar que os políticos deveriam ouvir os técnicos, para que as leis dos homens nâo conflitem com as naturais, os políticos fariam tàbula rasa da lei, descumpríndo-a sem sofrer qualquer sançâo. Está escrito na Constituiçâo que nenhum beneficio pode ser criado, estendido, majorado na Previdência, sem a correspondente fonte de receita de cobertura total. A melhor defesa da proposiçâo de se ouvir o técnico é a pròpria lei, o fato de estar na Constituiçâo. Mas, simplesmente, isso nâo é cumplido. Quando se reduziu a aposentadoria para nós, professores, os deputados nem questionaram se havia ou nâo recursos para cumprir o prometido. Votaram sob a pressâo dos professores. Isso é inconstitucional. Portante, nem mesmo a Constituiçâo tem força para impedir a açâo dos políticos. Nâo se pode conceder qualquer beneficio sem a cobertura financeira. No entanto, o descumprimento dessa lei natural nâo apresenta um efeito drástico e imediato. O ônus virá no futuro. Recentemente, num fòrum com os secretários estaduais de Administraçâo, em Cuiabá, surgiu a questâo do que fazer para acabar com a insolvência dos estados. A Constituiçâo cometeu o erro de igualar a pensáo do servidor público ao vencimento, além de conceder a ele a aposentadoria precoce. Evidentemente, se o cidadâo vive do salàrio, supôe-se que a despesa esteja enquadrada no seu orçamento. Antigamente, a pensáo era de 50% para a cota familiar, mais 10% por pessoa, até um máximo de cinco pessoas. No caso do funcionário público, eia tomou-se integral e a mulher começa a alimentar urna idéia recóndita. Nâo seria melhor ele ir para outro mundo mais cedo, pois vale mais morto do que vivo? A soluçâo consiste em aproveitar a reforma da Constituiçâo, para recolocar a pensáo em um nivel razoável. A aposentadoria tampouco pode ser concedida precocemente. Isso os políticos jamais aceitarâo. 312 Portanto, nao existe solugao. O atuário teria de montar urna assessoria técnica de vigiláncia dentro do Congresso, para estabelecer o que pode ou nao, e para fazer previsóes. O ceticismo do político com relado a previsóes de longo prazo é muito grande e ele considera o atuário urna pitonisa de mau agouro e equivocada. Realmente, náo vejo como resolver o problema. Marcelo Viana de Moraes (Coordenador) - Com a palavra, o Dr. Cleiton. Cleiton Mauricio Ciampi - O senhor j á participou de um conselho atuarial do Ministério do Trabalho e do Ministério da Previdéncia. Gostaria de saber se esse conselho poderia ser formado novamente, como e qual a sua fundo? G, também, o que faz um escritório de atuária? Rio Nogueira (Conferencista) - Quando ingressei, em 1945, o Conselho Atuarial era constituido por grandes brasileiros autodidatas, náo-formados como atuários ñas faculdades, pois elas náo existiam ainda. Homens ilustres, honestos e competentes, eram engenheiros que gostavam muito de matemática e preferiram desenvolver o campo atuarial, com a matemática aplicada ao bem-estar, ao seguro e á seguranza. Esse era o grande Conselho Atuarial, cujos integrantes foram morrendo ou aposentando. Ainda está vivo o autor das tábuas de mortalidade brasileira, Pinto de Moura. Posteriormente, o Conselho passou a ser constituido por pessoas náo muito expelientes, nem bem formadas do ponto de vista técnico. E foi aprovada a Lei de Diretrizes e Bases, que aviltou a educado. O estudante náo quería estudar, mas o professor ficava impossibilitado de reprovar. Isso gerou um hiato. Ainda existem uns poucos atuários da velha guarda. Os novos, formados pelas faculdades, náo aprenderam a matemática, a teoría das probabilidades, a estatística satisfatórias, pois náo viveram o que deveriam com a matemática. Ela é como urna dama altamente exigente e requer urna corte demorada. Ninguém se torna matemático da noite para o dia. Sáo necessários tributo e tempo. A juventude hoje náo quer saber disso, mas essa é a realidade. Quando se formam e comegam a trabalhar em nosso escritório, por exemplo, mantém contato com os velhos atuários e recebem ensinamento fora da universidade. A STEA nasceu justamente para proporcionar um sistema de previdéncia complementar á PETROBRÁS: a PETROS. Esse sistema eclodiu no Brasil pela iniciativa do Estado, ao contrário do ocorrido nos Estados Unidos, onde foi criado por iniciativa das empresas privadas, como a General Motors. Grandes organizares americanas criaram entidades de previdéncia complementar, mas sem urna unidade normativa e filosófica acabaram se tornando urna Torre de Babel. Quando surgiu a lei para regulamentá-las, houve urna confusáo geral, pois cada empresa tinha um plano. Isso náo ocorreu no Brasil, onde a PETROS estabeleceu o modelo. O grupo de trabalho que elaborou o projeto de lei para disciplinar a previdéncia privada tinha entre seus integrantes o presidente da PETROS, António Gentil Caetano, exatamente para que o modelo fosse seguido. Por isso, no Brasil, existe urna unidade, que já está sendo prejudicada pela infiltrado norte-americana. Na medida que a STEA evoluiu, apareceram atuários americanos propondo a adogáo de seus métodos no Brasil. Ao invés de tomar determinados cuidados, os brasileiros deram espado e foi criado um sistema de contribuido definida, com beneficio indefinido. Nesse sistema, o individuo e a empresa contribuem sem qualquer visáo do 313 que iriio receber. A seguranza que o empregado tem no sistema brasileiro, de receber urna complementado, inexiste nesse modelo norte-americano. Prevalece, nesse caso, um conflito também tecnológico, que a STEA tem sustentado, até para manter o caráter verde-amarelo da previdència complementar. A STEA conta com um grupo de atuários que estuda diariamente e poderia ajudar o Ministério. Depois que acabam os problemas de estabilizado das empresas, todas elas sao nossos clientes quase cativos e nào há problemas de sustentado comercial. A Organizado das Cooperativas do Estado de Santa Catarina,.por exemplo, nao pode criar um sistema fechado, porque os filiados nào sào empresas. Tem de atingir os cooperados, através de um sistema que fuja do regime da previdència privada, um sistema todo especial. Estive com eles analisando a possibilidade de beneficiar 200 mil pessoas, através de um plano de previdència complementar, para quebrar esse remorso profíssional de só ter feito planos para grandes organizares. Hoje, o traballio da STEA é mais ideológico, de levar ao Brasil o sistema de previdència complementar, que ainda está elitizado, pois sáo pouco mais de 200 entidades fechadas. O escritório está pronto a fornecer qualquer tipo de apoio técnico. O Ministério pode contar conosco. Marcelo Viana Esteváo de Moraes (Coordenador) - Economistas, juristas, atuários, sociólogos, dentistas políticos, demógrafos participaram deste Ciclo de Debates, aportando a ótica específica de suas disciplinas a essa discussào mais técnica, para se descobrir o modelo ideal e adequado de Previdència Social para o Brasil. No primeiro momento, o evento foi predominantemente técnico, voltado para os funcionários da casa, servidores da Previdència, de entidades afins e de órgàos que interagem com a Previdència. Está claro que a revisáo previdenciária trará discussóes neoconstituintes acirradas, pois os temas sáo controversos, embora de certa maneira tenham se formado alguns consensos. Por um lado, existe a preocupado de se evitar muita prolixidade no texto constitucional. O Dr. Celso Barroso Leite, expositor deste Ciclo de Debates, chamou a atendo para o fato de que a Constituido, por tratar de tantos assuntos de lei ordinària e até mesmo de regulamento, corría o risco de se tornar ordinària, Com certeza, a revisáo constitucional será um espaqo para se definir, realmente, o que deve ser tratado em nivel constitucional, em termos de garantía da pròpria cidadania, e aquilo que, em fundo de sua característica mais operativa, menor no dia-adia, deve ser tratado através de outros instrumentos, Também ficou claro que náo há espado para "mercadores de ilusòes". Nào se pode pensar, hoje, em planos de beneficios e concessóes sem respaldo na realidade financeira e económica do país. Nao adianta prometer o paraíso, para depois comprometer a credibilidade, náo saldando compromissos assumidos no passado. 314 Outra preocupado foi a eqüidade social. O Brasil é um país caracterizado por extremas desigualdades sociais, regionais. A revisáo da Previdéncia Social tem de ser pensada também como instrumento de resgate dessa divida social. A Previdéncia desempenha um papel fundamental nesse processo, e a questáo da eqüidade tem de ser urna premissa em todas essas discussoes. Quando se aborda a eqüidade, torna-se necessàrio questionar o beneficio, como a aposentadoria por tempo de servido, por exemplo. Alguns a questionaram aqui, considerando-a inviável do ponto de vista económico-financeiro, que nao se sustenta e inviabiliza a Previdéncia Social, mas sem entrar em questóes valorativas. Outros, pelo contràrio, até admitem que seja viável economicamente, porém iníqüa, pois acaba beneficiando o segmento mais privilegiado da populado. As discordáncias existem, mas os temas foram colocados em discussáo. Em termos de eqüidade, questionou-se aqui também a existéncia dos regimes especiáis. Por que determinadas categorías se beneficiam de determinadas normas específicas, enquanto sobra para os demais segmentos da populado apenas o ónus de ajudar a financiar essas benesses? O professor Rio Nogueira mencionou o caso dos magistrados, mas é preciso considerar os servidores públicos diante do conjunto da sociedade, que tem o regime de aposentadoria financiado com recursos do Fundo Geral de Seguridade Social. Houve certo corte entre os que defendem o conceito de seguridade social mais moderno e ambicioso em suas pretensóes, e os que acreditam ser preciso avanzar na seguridade, mas sem esquecer alguns principios básicos do seguro, porque senáo se estaría também vendendo "ilusóes". A necessidade de se buscar formas de financiamento da Previdéncia Social tem de ser compatível com o dinamismo económico. Nao se pode pensar na possibilidade de engendrar um sistema de seguridade social se a economia estiver mal, pois constituí o elemento chave no financiamento de qualquer sistema de protedo social. Todas essas questóes foram apresentadas aqui, com abordagens diversas, gradagóes distintas, mas o saldo dos depoimentos, com certeza, é extremamente positivo. Náo houve posigóes extremadas, em termos de modelos clássicos e ideológicos, nem se chegou a defender regimes de capitalizado plena, totalmente privatizados, ou tampouco se caíu na falácia de considerar o poder público todo-poderoso, capaz de cuidar de tudo. O bom senso tem prevalecido ñas discussóes e oxalá prevaleva também ñas definigóes do rumo da Previdéncia Social. O Dr. Eduardo Ríos lembrou que náo se pode perder este momento para se pensar urna Constituido viável e justa, pois o país atravessa um processo-chave, de transido demográfica. Nesse momento, os custos do ajuste seráo menores do que se essa responsabilidade for deixada para as geragóes futuras. Evidentemente, as mudan gas tampouco ocorreráo mediante ruptura. Existem elementos e principios sociais e toma-se necessàrio respeitar o direito adquirido, para administrar as pressóes dos interesses envolvidos. Este Ciclo de Debates, hoje com a presenga do professor Rio 315 Nogueira, seguramente, trará urna contribuido indispensável para as discussóes em torno da Previdéncia Social na revisáo constitucional. Muito obligado ao professor e a todos os presentes. 316 PAX [ CDRRORA C,RÁFTCA E forolÌTO WA. V r